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Para a educação matemática deve-se preferir e elaborar filosofias da matemática que digam respeito especialmente aos seguintes aspectos: diferentes formas do conhecimento matemático e

os fatores condicionantes desse conhecimento; meios e modos de representação e atividade;

relações entre o desenvolvimento objetivo e subjetivo do conhecimento (complementaridade,

obstáculos, dinâmicas); relação entre o conhecimento matemático e outros conhecimentos;

campos especiais e aplicações; as dimensões pessoal, social e política da matemática (Steiner,

1987: 11).

A intenção do autor com essa tese é que a educação matemática e, especialmente, o conhecimento e a prática dos professores sejam guiados por uma adequada filosofia da matemática. Também na tese 6 (p. 12) Steiner reafirma, por duas vezes, a expressão uma adequada filosofia da matemática. Ernest (1991; 1998) discute critérios

que, de alguma forma, contemplam as reivindicações das teses de Steiner, principalmente quando discorre acerca de critérios para uma filosofia adequada da matemática.

Vega (1989), no artigo intitulado Epistemología y enseñanza de la matemática, considera algumas entrevistas realizadas com egressos da Faculdade de Matemática da Universidade Autônoma de Gerrero, cujo propósito era saber acerca das atitudes que os alunos assumiam com relação ao questionamento acerca da presença da matemática na sua formação, sobre o aprendido e sobre o prazer ou desprazer que a matemática significava em seu passado recente. 99% dos entrevistados responsabilizaram os professores como fatores fundamentais de seu fracasso com a matemática; 78% se declararam incompetentes intelectuais para saber da ciência exata; 100% conceituaram a matemática como a ciência das operações com números e figuras e declararam não saber de sua utilidade prática (p. 12).

Quanto aos professores, na sua maioria engenheiros e em menor número professores de formação, consideraram que a causa do insucesso dos alunos estava ligada ao nível educativo anterior deles. Admitiram não conhecer com amplitude nem a estrutura da matemática nem os processos históricos de sua construção. 92% consideraram este conhecimento desnecessário para o ensino. Quanto aos fundamentos da matemática, consideraram inútil incorporá-los ao processo de apresentação de novos conteúdos.

Para Vega, essas observações, dentre outras mais específicas relativas ao ensino, motivaram a busca de razões que explicassem a virtual substituição da ciência matemática pela instrumentação mecânica que predominantemente se realiza no ensino. E, em suas reflexões, ele não deixa de lado a determinante social de que a educação, e em particular o ensino, reproduz na escola os vícios e interesses de dominação do sistema político imperante. O interesse do autor se centra, em sua sucinta narrativa, no esclarecimento de como e sob quais condições é possível ascender ao conhecimento matemático para que este seja um coadjuvante no desenvolvimento do pensamento independente e criador dos alunos.

Segundo Vega, os professores excluem de suas práticas (na maioria dos casos de modo inconsciente) as questões próprias da epistemologia da matemática, o que causa grande preocupação aos alunos que não adivinham as fórmulas quase mágicas da teorias matemáticas que os obrigam a aceitá-las sem discussão.

A hipótese de Vega se fundamenta no seguinte: são as questões epistemológicas as que permitirão aos

professores precisar o real objeto da matemática como ciência e a sua importância na educação (p. 13). Ele

considera que é preciso ter claro quais são os objetos de estudo da matemática, como eles se correspondem com o mundo real, quais os fundamentos desta ciência, seus princípios, métodos e sobre o lugar que ela ocupa no sistema das ciências. Considera que os objetos de estudo da matemática são abstrações, porque seus entes primários − fo- rmas, quantidade e relações quantitativas − são conceitos abstratos, resultantes da separação das relações comuns a determinados tipos de objetos e fenômenos reais.

Ainda que essa posição epistemológica assumida por Vega nos pareça contestável, para ele, o fato de a matemática se aplicar também a processos de raciocínio atestar-nos-ia que o método de trabalho na matemática pode influenciar o processo de raciocínio. E é esta característica a que mais interessa a áreas específicas do ensino. Para ele, aprender “produzindo o conhecimento” não significa reproduzir o caminho histórico de sua gênese nem o enfrentamento de situações similares às encaradas pelos grandes matemáticos, mas enfatizar os fundamentos do

conhecimento, para os quais é válido em uma situação problemática, o uso de regras tanto formais quanto heurísticas (p. 13). Utiliza-se Vega do pensamento de Polya acerca do ensino de matemática, mais precisamente de sua metodologia de resolução de problemas, e afirma que o trabalho heurístico e a prática no ensino de matemática incluem a elaboração de princípios e estratégias, regras e programas que facilitem a busca de vias de solução de problemas de caráter não-algorítmico.

O foco de Vega para a educação matemática é a metodologia de resolução de problemas. E a sua filosofia da matemática é fundamentada nas idéias de Lakatos, de Popper e de Polya. Considera que a estrutura formal da matemática não constitui, nem em sua forma e nem em sua ordem sistêmica, a melhor forma e ordem sistêmica de seu ensino. O ensino é função da matemática, para o que estabelece relações didáticas que procuram adequar as formas de apresentação da matéria do conhecimento. E é na determinação dessa relação que o docente se constitui em fator de êxito ou de fracasso.

Concordando com o pensamento de alguns autores aqui já apresentados, Vega observa que o domínio de aspectos epistemológicos da matemática por parte dos docentes pode ser considerado um fator decisivo sobre as mudanças qualitativas nos resultados do ensino da matemática. E considera que é de especial relevância a responsabilidade dos docentes nos resultados do ensino da matemática.

Sem querer entrar no mérito das concepções do autor, ele tem uma preocupação que é comum aqui a um grupo considerável de autores que se ocupam com a educação matemática, a saber, que a concepção filosófica do professor tem um papel determinante na sua pedagogia da matemática.

Também Ernest (1994) discute as relações entre a filosofia da matemática e a didática da matemática. É possível destacar de seu pensamento alguns excertos que visam a mostrar aspectos importantes das práticas educativas em matemática decorrentes de concepções epistemológicas ou filosóficas. O texto que consultamos é, de fato, um esboço, de modo que o autor não se aprofunda, mas expõe princípios que norteiam algumas práticas educativas em matemática secundadas por concepções filosóficas.

O século XX é visto por ele como o período de florescimento da Filosofia da Matemática como um campo de pesquisa profissional. Esses desenvolvimentos tiveram uma grande influência na didática da matemática, ou melhor, na educação matemática. A tendência descritiva ou naturalista, segundo Ernest, em filosofia da matemática, emergira mais recentemente em oposição às preocupações prescritivas e normativas, próprias das tradições logicistas e formalistas em filosofia da matemática.

Aquilo que Silva considera uma nova tendência em filosofia da matemática, com preocupações no sentido de aproximar a matemática das ciências empíricas, Ernest classifica como sendo uma tendência descritiva ou naturalista, caracterizando-a como um movimento ainda mal definido ao qual Aspray e Kitcher (1988) chamam de uma tradição dissidente. O que delineia o perfil desse movimento é a rejeição compartilhada de suposições epistemológicas e ontológicas da filosofia prescritiva da matemática, e uma preocupação em alargar o escopo da filosofia da matemática para a explicação do reconhecimento do papel central da prática matemática e dos processos sociais. Assim, a preocupação é descrever as práticas epistemológicas e, mais geralmente, as práticas filosóficas da disciplina, ocorrendo naturalmente, antes que legislar normativamente, como o faziam as filosofias tradicionais da matemática.

Ernest elenca uma considerável lista de autores que têm proposto ser a tarefa da filosofia da matemática explicar a matemática mais completamente, incluindo a sua “face humana”. Dentre as publicações, ele apresenta Davis & Hersh (1980), Ernest (1991), Kitcher (1984), Lakatos (1976; 1978), Putnam (1975), Tymoczko (1976), Wang (1974) e Wittgenstein (1953; 1956), as quais sugeriram perspectivas da matemática diferentes das estabelecidas pelo platonismo, logicismo, intuicionismo e formalismo. Também Rav (op. cit) apresenta autores que poderiam ser somados a essa lista de Ernest, uma vez que também defendem uma mudança em filosofia da matemática inclinada para a análise da prática matemática.

As diferentes filosofias sociais descritivas da matemática aceitam a visão de que a matemática é constituída de muitas estruturas sobrepostas. Estas, como uma floresta, se dissolvem e se refazem. E uma vez que o conhecimento matemático está sempre aberto à revisão, o processo de criação matemática ganha em significação filosófica, pois não há o produto último sobre o qual exclusivamente focar. Desse modo, a história e a prática dos matemáticos adquirem uma maior significação epistemológica. Isso, segundo Ernest, torna a matemática quase- empírica e não completamente disjunta da ciência empírica, como as filosofias tradicionais da matemática a queriam (Lakatos, 1978); (Quine, apud Ernest, 1994).

Os limites entre as diferentes áreas do conhecimento e atividade humanas não são absolutos, o que significa, para Ernest, que a matemática é limitada pelo contexto e carregada de valor, e não é pura, afastada e intocada de questões sociais tais como gênero, raça e cultura.

Ernest acrescenta à sua proposta de ampliação do âmbito da filosofia da matemática a necessidade de uma explicação geral da aprendizagem da matemática, porque, para ele, a transmissão do conhecimento matemático de uma geração para outra é central para a prática social da matemática. Assim como é central para a didática da matemática, uma teoria da aprendizagem é também um aspecto da interação humano-matemática que a filosofia da matemática deveria também acomodar.

A título de ilustração, destacamos aqui uma observação de Ernest acerca do papel da relação entre filosofia da matemática e didática da matemática: posições diferentes na filosofia da matemática têm significativamente

implicações diferentes para a didática da matemática como Thom, Hersh e Steiner afirmam:

De fato, desejando-se ou não, toda a pedagogia da matemática, mesmo se pouco coerente,

repousa em uma filosofia da matemática (Thom, 1973: 204).

A questão, então, não é Qual é o melhor meio de ensinar? mas, Do que trata realmente a

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