• Nenhum resultado encontrado

Nossa linguagem natural contém a matemática informal como um subconjunto, inclusive termos que são diretamente aplicáveis ao mundo compartilhado de nossa experiência; e inclui regras e

convenções sobre o modo de se aplicar esses termos. As interpretações pretendidas da

matemática informal, tais como a classificação e a quantificação, estão implícitas na semântica

da linguagem natural. Além disso, as inter-relações entre os termos são estabelecidas através de

convenções e regras lingüísticas. Desse modo, exemplos como: ‘um é menor do que dois’ e ‘um

conjunto infinito tem mais que dois elementos’ são afirmações consideradas verdadeiras com

base em regras semânticas da linguagem (PME, p. 51).

Poderíamos nos perguntar como essas regras semânticas foram estabelecidas.

Segundo ele, as aplicações elementares da matemática teriam sido também construídas no interior de regras de uso lingüístico. A presença desses dois tipos de regras - as referentes às interconexões de termos e as referentes às aplicações dessas interconexões no mundo - explicariam, em grande parte, o conhecimento matemático implícito que adquirimos inconscientemente por meio da competência lingüística. Explicação simplificada, esclarece Ernest, porque parece supor a existência de um único mundo externo. Na verdade, continua ele, haveria muitos domínios justapostos do discurso lingüístico, muitos jogos de linguagem, cada um com seus próprios mundos de referência compartilhados. Alguns, mais do que outros, se relacionam com aquilo que é socialmente aceito, pela maioria, como realidade objetiva e alguns são inteiramente fictícios ou mitológicos. Cada mundo desses possuiria uma teoria informal. Todos compartilhariam o acordo social a respeito das regras relativas ao discurso sobre eles. Não haveria um único mundo de referência compartilhado por todos, mas muitos mundos de referência compartilhados aos quais corresponderiam jogos de linguagem distintos.

Ernest argumenta que a linguagem natural e a linguagem matemática informal são ricas em regras, convenções e significados matemáticos implícitos. E que o mesmo poderia ser dito em relação à lógica, sendo o nosso uso de termos-chave lógicos estritamente governado por regras lingüísticas.

Para Ernest, as regras e convenções da lógica comportam mais do que apenas as verdades da lógica (...)

elas também comportam relações lógicas, incluindo a implicação e a contradição (PME, p. 52). Raciocinando dessa

maneira, na verdade, toda a base da argumentação racional repousaria sobre as regras compartilhadas da linguagem. Até as mais abstratas e poderosas formas de lógica usadas repousariam sobre a lógica contida no uso da linguagem natural. Contudo, as regras e significados da lógica matemática representariam uma versão refinada e formalizada daquela lógica. Elas constituiriam um conjunto compacto de jogos de linguagem justapostos aos jogos da lógica da linguagem natural.

linguagem matemática e permanece dando conta do contexto das relações sociais, e a lógica matemática, por sua vez, se sofisticou, distanciando-se da sua origem, pode parecer que esta seja uma especialização ou refinamento daquela. Mas, no fundo, cremos, a lógica da linguagem natural e a lógica presente na linguagem matemática são distintas porque dão conta de mundos distintos, sustentam jogos de linguagem distintos. Isso, no entanto, não quer dizer que não seja possível estabelecer-se analogias, paralelos e até convergências em determinados aspectos desses dois jogos de linguagem. E isso é obra do poder de criação da mente humana em sua relação com os vários “mundos”.

Ernest argumenta que a convenção lingüística forneceria ao conhecimento matemático do dia-a-dia o seu fundamento seguro e também as bases para a mudança em matemática, tanto das convenções lingüísticas quanto do uso dessas convenções desenvolvido com o tempo. Para ilustrar seu argumento, seleciona fatos da aritmética, observando que verdades incontestáveis tais como “1+1=2” ou “2+2=4”, aceitas desde épocas imemoriais, mudaram de significado a partir da época em que Boole inventou um sistema formal no qual outros significados eram atribuídos aos símbolos. O fato é que a partir de Boole, argumenta Ernest, “1+1=2” teria deixado de ser absolutamente verdadeiro, assim como “1+1=1” não seria mais absolutamente falso.

Podemos estabelecer uma analogia desse fato com o que ocorreu com a geometria euclidiana, após o advento das geometrias não-euclidianas. Mudou-se a concepção acerca da geometria euclidiana como sendo a absolutamente verdadeira, como se o espaço das verdades geométricas tivesse que ser revisto para ser composto com novas concepções necessárias e verdadeiras.

Com a álgebra booleana, a mudança verdadeira reside no fato de podermos suspender nossas regras do dia-

a-dia para certos segmentos da linguagem e considerar as conseqüências de convenções hipotéticas, isto é, de convenções contrárias ou distintas daquelas presentes no uso da linguagem natural (PME, p. 52). Assim,

consideramos que, com o acréscimo desses novos jogos de linguagem, mais abstratos, os significados originais de parte da matemática presente na linguagem natural são enriquecidos.

Ernest caracteriza a justificação de um item particular do conhecimento matemático como consistindo de uma prova dedutiva formal ou informal. A análise de uma prova considera os pressupostos explícitos que levam sempre, através de uma seqüência de passos, à conclusão. Quanto a isso, nenhum problema. É o que é corrente na matemática, tratando-se de sistemas axiomáticos. Do trajeto que vai desses pressupostos explícitos até a conclusão são utilizados axiomas lógicos, regras de inferência, afirmações hipotéticas, regras matemáticas informais, combinações de pressupostos, etc. Tudo isso poderia ser justificado, segundo Ernest, mediante uma argumentação convencionalista. Mas, o que vem a ser uma argumentação convencionalista? É o que veremos a seguir. Porém, gostaríamos, antes, de fazer referência a uma síntese de Ernest sobre o convencionalismo, uma vez que ele considera o corpo de conhecimentos matemáticos assegurado por provas cujas bases repousariam sobre regras e conhecimentos lingüísticos.

O termo convencionalismo tem sido usado mais freqüentemente em discussões acerca da natureza das teorias científicas, se bem que ele pode ser estendido a discussões sobre a natureza de quaisquer teorias.

devem submeter-se à verificação e ser abandonadas se não resistirem à prova experimental (Mora, 1984: 628-30). Segundo Ernest,

A aceitação social também fornece a base para a existência independente dos objetos da

Outline

Documentos relacionados