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O termo “jogo de linguagem” deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade, ou de uma forma de vida (IF, §23, p 35).

Quantas espécies de frases existem? Afirmação, pergunta e comando, talvez? - Há inúmeras de

tais espécies: inúmeras espécies diferentes de emprego daquilo que chamamos de “signo”,

“palavras”, “frases”. E essa pluralidade não é nada fixo, um dado para sempre; mas novos tipos

de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, nascem e outros envelhecem e

são esquecidos. (Uma imagem aproximada disto pode nos dar as modificações da matemática.)

(IF, §23, p. 35).

A propósito de jogos de linguagem que envelhecem, Fisher (1967) realizou um estudo em sociologia do conhecimento matemático sobre a morte de uma teoria, qual seja, a da teoria dos invariantes.

Forma de vida é o segundo dos conceitos novos e característicos introduzidos por Wittgenstein para

constituir a base de sua filosofia. Uma forma de vida, como eu compreendo, diz Ernest, é uma prática social humana vivida e estabelecida, com seus próprios propósitos, regras implícitas, padrões de comportamento e usos lingüísticos ou jogos de linguagem (SCPM, p. 69). Gostaríamos de acrescentar que esse conceito pode ser relacionado ao de

Weltanschauung (concepção de mundo, cosmovisão). O uso que Wittgenstein faz dessa expressão enfatiza o

entrelaçamento entre cultura, visão de mundo e linguagem. Imaginar uma linguagem é imaginar uma forma de vida (IF §19, p. 32). É o mesmo que imaginar uma cultura. Por conseguinte, uma forma de vida é uma formação cultural

ou social, a totalidade das atividades comunitárias em que estão imersos os nossos jogos de linguagem (Glock,

1998:173-4).

Ernest faz um sumário da teoria do significado e da teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein e chama a esse conjunto de Filosofia da linguagem. Segue-se um resumo do modo como ele aborda tais tópicos.

Termos e sentenças em geral não têm referências individuais ou significados independentes. Seus significados são idênticos a seus papéis e usos nos jogos de linguagem. Estes, por sua vez, são os padrões de comportamentos lingüísticos incorporados em tipos de atividade social: ‘formas de vida’. Jogos de linguagem são baseados em regras. Estas podem ser implícitas, mas são os invariantes ou normas que sustentam padrões de comportamento lingüístico ancorados em formas de vida. Os jogos de linguagem são amplamente aprendidos por

participação neles. Todavia, explicação é inegavelmente uma parte de muitos deles. Assim como os jogos não compartilham um conjunto de propriedades essenciais, mas uma “semelhança de família”, também os jogos de linguagem são de variados e diferentes tipos.

As formas de vida têm prioridade; elas são o socialmente dado. Elas são os grupos identificáveis de comportamento social, práticas sociais, que podem apenas ser dados de forma extensa, porque é somente a sua existência que os legitima. Há muitas formas de vida e muitos jogos de linguagem, e qualquer palavra ou expressão particular pode estar envolvida em vários deles. As formas de vida podem se desenvolver e mudar. Da mesma maneira, os jogos de linguagem têm uma tessitura aberta e podem aumentar, mudar e levar a direções inesperadas.

Paul Ernest considera a filosofia da linguagem de Wittgenstein uma teoria revolucionária, cuja natureza radical não foi ainda completamente apreciada, especialmente em círculos científicos, embora ela tenha penetrado em muitos aspectos da vida intelectual moderna, para além da tradição anglo-americana em filosofia. Na teoria de Wittgenstein, o significado não é mais percebido como algo que relaciona a linguagem e o mundo, como ocorre na teoria do significado correspondente de Bertrand Russell. O significado reside, em vez disso, nos padrões sociais de uso, que são, eles próprios, irrevogavelmente tecidos em outros aspectos da vida social (SCPM, p. 71).

Essas considerações de Ernest acerca da filosofia da linguagem de Wittgenstein suscitaram-nos algumas conjecturas. Consideremos dois princípios básicos da teoria do Wittgenstein anterior e do Wittgenstein posterior. Quando, para o Wittgenstein anterior, é a estrutura da realidade que dá estrutura à linguagem poderemos considerar isso verdadeiro para animais cujo Sistema Nervoso Central (SNC) ainda não adquiriu a complexidade que alcançou no homem e está voltado para a função principal de sobrevivência. Porém, considerando a mudança de perspectiva no Wittgenstein posterior, para quem é a estrutura da linguagem que estrutura a realidade, a coisa se ajusta como uma luva, pensamos, às reflexões de Bourguignon (1990), no que se refere à sofisticação do SNC no homem, conforme ressaltamos no Capítulo I.

Realmente, é aqui que evocamos as concepções de Wittgenstein tais como jogos lingüísticos imersos nas formas de vida; este conceito, nós o vemos muito próximo do de cultura - nossa principal via de herança - que convergindo para essa base fisiológica da evolução do organismo humano, apresentada por Bourguignon, adquire, para nós, um significado muito forte no que se refere à unidade do conhecimento. Esta unidade, para nós, constitui o ponto para onde tendem todos os jogos lingüísticos, todas as nossas formas de vida; é esse o locus onde se poderia compreender o significado do estar no mundo, do existir em suas multifacetadas formas. Tudo no mundo humano converge, digamos assim, para uma otimização das relações dos seres humanos com esse mundo. A função do SNC na sua origem era dar conta da relação entre o organismo e o mundo. Hoje no estado de sofisticação dos organismos, e falando só de nós, humanos, toda a nossa ação criadora tem um fim: otimizar as nossas relações com o mundo. A unidade do conhecimento está na sua origem - no momento em que a matéria inerte sofreu uma divisão entre matéria orgânica e inorgânica (Pinto, 1979), e no destino: o homem é a origem e o destino de todo o conhecimento que existe.

Talvez, essa nossa forma simplória de dizer dessas nossas mais intuições do que argumentos não caiba aqui, mas consideramos por bem inseri-las nas nossas reflexões porque intuímos algo que nos possibilitou relacionar as

considerações de Bourguignon com um princípio do segundo Wittgenstein e com um pensamento de Álvaro Vieira Pinto acerca da origem do conhecimento (conforme capítulo I).

As concepções expressas por Bourguignon são muito significativas para nós, uma vez que estamos a buscar uma concepção social de conhecimento aplicada à matemática, e elas constituem um argumento em favor do ponto de vista de Ernest em relação a um dos critérios que, segundo ele, uma filosofia da matemática considerada adequada deveria satisfazer, dado que relacionam ao conhecimento matemático resultados importantes de outras áreas do conhecimento, tais como a biologia, a antropologia e a arqueologia. Burguignon, refletindo acerca do surgimento da linguagem, reporta-se a estudos de crânios fósseis a partir dos quais os estudiosos concluíram que a linguagem articulada teria surgido entre cerca de 300 a 400 mil anos atrás, mas que o Homo sapiens e seus predecessores imediatos, há cerca de 40 a 50 mil anos atrás, tinham a mesma capacidade de linguagem que temos hoje. Outra conclusão plausível desse autor é que o pensamento antecede a linguagem. E tal conclusão se sustenta na análise de artefatos produzidos pelo homem primitivo que mostrou que, antes de ele possuir linguagem articulada, já denotava indícios de uma atividade de pensamento. E lembra Bourguignon que, em artigo publicado na Le Débat n.20, 131-142, Jakobson defendeu que o pensamento criador de muitos matemáticos e físicos funciona num nível que não é o da linguagem (Bourguignon, 1990: 209). Essas conclusões contrariam o pensamento de Wittgenstein, o qual rechaça a tese de que o pensamento e a linguagem são independentes. Para Wittgenstein, todo pensamento se torna algo real só no momento em que se materializa, isto é, no momento em que se gera uma ação, lingüística ou extralingüística. Haveria, talvez, segundo Wittgenstein, algo que é pensamento potencial, mas que só chegaria ao grau de pensamento fundamentalmente quando fosse de algum modo expresso (Bassols, 1988: 75).

Concordamos que o pensamento e a linguagem são independentes só se nos referirmos à linguagem articulada, porque o pensamento é bem anterior à linguagem articulada e se configura em algum tipo de linguagem; mas, uma vez que ele e a linguagem articulada se interceptam, a interdependência entre os dois nunca mais desaparece. A interceptação entre o pensamento e a linguagem teria ocorrido em um tempo indeterminado ao longo do processo de construção da linguagem articulada pelo Homo sapiens. Acreditamos que os dois, pensamento e linguagem, nunca existiram de forma absolutamente independente. Pois, quando os rudimentos de conformação do aparelho fonador para o estabelecimento da fala tiveram origem, o pensamento já aí estava como que a gerir essa transformação. Não é uma questão fundamental saber quem teria aparecido primeiro, se o pensamento ou a linguagem, mas sim saber acerca dos níveis de interação e interdependência existentes entre os dois.

Além de sua teoria dos jogos de linguagem, Wittgenstein desenvolve também as noções de necessidade matemática e de necessidade lógica. Seu ponto de vista é que a noção de necessidade, tal como a de inferência que se extrai seguindo as leis da lógica dedutiva, surge do acordo humano em seguir uma regra que é estipulada por (e pressuposta através de; e encravada em) um jogo de linguagem. Assim, não há força objetiva ou extra-humana que obrigue alguém a seguir uma regra lógica ou a aceitar a conclusão de uma dedução lógica. Mas, participar de certos jogos de linguagem implica aceitar certas regras. Se se rejeita a regra se está rejeitando o jogo como é entendido e jogado pelos outros. Seguir uma regra, fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar uma partida de xadrez, são hábitos (costumes, instituições) (IF §199, p. 92).

Certamente, a visão tradicional de que a necessidade lógica sustenta a dedução e o pensamento racional está mais fortemente estabelecida. Wittgenstein antecipa a objeção filosófica óbvia de que seguir regra, em lógica ou em outro contexto, se origina do acordo humano e não constitui uma necessidade lógica. Mas, mesmo comunicar desacordos acerca da verdade, falsidade ou necessidade pressupõe que aceitemos o uso dos termos comparativamente no discurso social e na vida. (SCPM, p. 71).

“Assim, pois, você diz que o acordo entre os homens decide o que é correto e o que é falso?”

Correto e falso é o que os homens dizem; e na linguagem os homens estão de acordo. Não é um

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