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do ensino de matemática, assim como as percepções que os alunos têm da matemática − carregam consigo ou mesmo repousam (freqüentemente de um modo implícito) sobre visões

filosóficas ou epistemológicas particulares da matemática (Steiner, 1987: 8).

Essas citações de Ernest (1994) fazem sentido aqui, uma vez que convergem com o pensamento de Silva, exposto anteriormente, ratificando uma preocupação corrente entre os educadores matemáticos que concordam quanto ao papel que a filosofia da matemática tem em questões educacionais. Para Ernest, qualquer filosofia da matemática tem fortes implicações em questões sociais e educacionais e muitas conseqüências didáticas. Mas essas implicações não são todas deduções lógicas estritas a partir da posição filosófica adotada, e muitas intenções, valores e concepções adicionais devem ser assumidos além da filosofia da matemática de per se, como ele mostra em (Ernest, 1991).

Considerando as filosofias da matemática com as respectivas conseqüências didáticas, ele as situa em três grupos, a saber − filosofias da matemática objetivistas prescritivas, filosofias da matemática absolutistas progressistas e as filosofias sociais da matemática. Tais filosofias têm suas correspondentes didáticas ou práticas pedagógicas. Atém-se Ernest a exemplos adstritos ao sistema de ensino britânico. Entretanto, há aspectos gerais de suas reflexões que se aplicam a características mais gerais dessas filosofias e que, por essa razão, se manifestariam em quaisquer contextos. Como exemplo, poderíamos citar o seu ponto de vista de que uma conseqüência didática

importante das filosofias da matemática absolutistas é que elas sustentam uma abordagem de ensino transmissivo baseado na metáfora da difusão. Como a matemática, para essas filosofias, é considerada um corpo de

conhecimento supra-humano e preexistente, então, seu ensino é uma questão de transmissão eficiente. A ênfase é, portanto, sobre o conteúdo, e quaisquer obstáculos aceitos seria devido à pobre compreensão dos alunos (ou à exposição obscura do professor) do conhecimento acabado transmitido. E como tais perspectivas da matemática podem ser associadas a abordagens humanísticas do ensino da matemática, estas últimas podem meramente buscar tornar agradável o problema surgido da natureza intrínseca da matemática (i.e., sua pureza objetiva, seu caráter abstrato e dificuldade) (Ernest, 1994: 339).

A perspectiva absolutista progressista vê o conhecimento em progressão ilimitada, mas pressupõe alguma verdade absoluta fundamental compartilhada para a qual as construções subjetivas tendem como que a um limite. Em educação matemática, Ernest considera que o movimento da educação progressista tem encorajado a perspectiva da resolução de problemas, abordagens investigativas e respeito para com as criações do aluno. Como a educação matemática progressista é baseada em uma concepção de matemática absolutista humanizada que considera a matemática como pura e absoluta, pode daí surgirem algumas fraquezas tais como o não-engajamento com questões sociais da vida real e questões políticas. O foco nessa pedagogia incide sobre a profunda atividade construtiva do aprendiz, na direção da produção do conhecimento matemático. O papel do professor é restrito ao de parteira, facilitador e corretor quando o aluno desvia-se do caminho adequado; não o de líder na negociação de significados e de conhecimentos (Ernest, 1994: 340).

As perspectivas sociais da matemática têm implicações na didática da matemática e em questões educacionais, incluindo aquelas de matemática e gênero, raça e multicultura. Reconhece a importância social e a natureza carregada de valores da matemática. Na pedagogia, defende completa abordagem investigativa e resolução

de problemas como correspondendo aos meios pelos quais o conhecimento matemático é gerado. Reconhecem o falibilismo do conhecimento matemático e a sua incrustação na cultura. E assim, vêem criticamente as estruturas de conhecimento acolhidas e suas relações com a sociedade. Tais concepções se ajustam às propostas de uma educação matemática crítica capaz de avaliar os usos sociais da matemática.

Essas características também se coadunam com as reflexões do professor D’Ambrosio (1990) quando, discorrendo acerca de etnomatemática, faz uma análise considerável do papel da matemática nos nossos sistemas culturais e propõe alternativas de saída para uma educação matemática que considere que a matemática está

intimamente ligada à realidade e à percepção individual dela (p. 29). Porque a etnomatemática restabelece a matemática como uma prática natural e espontânea.

Algumas das conseqüências didáticas das principais filosofias sociais da matemática são consideradas por Ernest a partir de alguns autores. De Wittgenstein (IF; OSFM) ele conclui que oferece uma vigorosa visão social da matemática. A contribuição de Wittgenstein,segundo ele, teria sido a de mostrar que a certeza e a necessidade da matemática resultariam de processos sociais de desenvolvimento, e que todo conhecimento, incluindo aquele em educação, pressupõe a aquisição da linguagem em contextos sociais já existentes e em interações significativas. Através de seus conceitos de jogos de linguagem e formas de vida, Wittgenstein teria reconhecido não só a primazia do contexto social, mas também a sua natureza multifacetada. Assim, ele teria antecipado o ponto de vista mais fundamental na filosofia e na teoria educacional contemporâneas, qual seja o da primazia da cultura, do contexto e da prática discursiva. Contudo, segundo Ernest, a abordagem de Wittgenstein seria sincrônica antes que diacrônica, isto é, ele enfatizaria estruturas sociais existentes e padrões de uso lingüístico, mas não o seu desenvolvimento histórico (p. 341).

Lakatos (1976; 1978) é visto por Ernest como indo além do insight de Wittgenstein ao mostrar, de uma maneira mais completa, a base de mudança histórica e conceptual de conceitos, termos, simbolismo, teoremas, provas e teorias da matemática. A dimensão histórica pode mostrar porque conceitos e resultados particulares foram desenvolvidos em matemática, baseados em problemas particulares e dificuldades historicamente encontradas.

Para a didática, a importância de Lakatos se deve ao fato de ele ter trazido a dimensão histórica para esse terreno, e de ele ter mostrado que a metodologia da matemática, do modo como é usada por matemáticos praticantes, não difere, em espécie, da heurística de resolução de problemas em sala de aula. Ele também teria mostrado, afirma Ernest, a importância das convenções, dos acordos e do poder na garantia das produções matemáticas (conhecimento matemático), o que, para Ernest, corresponde aos desenvolvimentos em sala de aula.

Para Ernest, Davis & Hersh (1980; 1988) teriam desenvolvido e estendido o insight de Lakatos, uma vez que teriam demonstrado a natureza cultural da matemática, e chamado a atenção para os seus aspectos internos e externos. Enquanto filósofos anteriores teriam enfatizado a história interna da matemática, Davis & Hersh teriam demonstrado que a matemática permeia e forma todos os aspectos da vida social e cultural e é, por sua vez, moldada por forças sociais. Didaticamente, para Ernest, a posição deles é importante porque transcende os limites da matemática pura-aplicada e acadêmica-popular mostrando que a atividade matemática é universal, multicultural, e não pode ser totalmente divorciada de seu contexto social de uso. Assim também pensa D’Ambrosio em suas reflexões acerca da etnomatemática.

Paul Ernest, na sua perspectiva construtivista social, observa que a relação entre o conhecimento individual da matemática e o de cunho disciplinar é de interdependência, e que eles recriam um ao outro através da interação interpessoal, mediada por textos ou outras representações lingüísticas, simbólicas ou icônicas (possivelmente à distância, mas modeladas em conversação). Isso sugere que o desenvolvimento de novos conhecimentos matemáticos, assim como novos entendimentos subjetivos da matemática são derivados de negociações interpessoais e diálogo; isto é, aprender e produzir matemática emergem de processos similares. Haveria também uma pressão particular sobre o conhecimento tácito e lingüístico compartilhado por membros de uma cultura, o qual forneceria uma base para aquisição do conhecimento matemático. Finalmente, ele sugere que os matemáticos, através do trabalho feito com símbolos, constróem mundos matemáticos imaginados tão convincentes que os objetos da matemática parecem ter uma existência independente. Entretanto, Ernest não se atém a alguma reflexão que explique, de algum modo, onde residiria a força dessa crença ou convicção acerca da existência independente dos objetos matemáticos. Estaria essa força em algo característico dos jogos lingüísticos próprios da matemática? Ou essa convicção seria uma conseqüência direta dos compromissos ontológicos assumidos pelos adeptos de determinadas escolas de pensamento vinculadas à matemática?

Do ponto de vista didático, esse seu ponto de vista corresponderia a um problema invertido, qual seja, o de que manipulações simbólicas freqüentemente não conduzem à construção de mundos matemáticos subjetivos, mas a

problemas de incompreensão, alienação e falha. Estes problemas levam a uma das contradições da educação matemática (Ernest, 1994: 342). A matemática é, à primeira vista, a mais racional de todas as matérias, visto que

suas conclusões são legitimadas unicamente pela razão. Porém, quando o raciocínio por trás da matemática não é entendido, devido às suas características de rigor estrito e simbolismo abstrato necessários para a precisão e força, ela se torna a mais irracional e autoritária das matérias.

Uma observação interessante de Ernest considera que o construtivismo social, dentre outras perspectivas sociais da matemática, quando combinado com teorias sociais, dá origem a muitas características de importância para a aula de matemática. Em linhas gerais, essas características incluiríam:

1. O contexto cultural e social dentro do qual toda a matemática ocorre, incluindo

relacionamentos interpessoais, instituições sociais e relações de poder.

2. Os processos sociais envolvidos na determinação, construção e negociação de conceitos

matemáticos, métodos, simbolismo, argumentos e resultados.

3. O contexto histórico-cultural da matemática, as fontes e usos dos artefatos, ferramentas e

conceitos envolvidos.

4. A base lingüística do conhecimento matemático, e, em particular, o papel do simbolismo

especial na matemática.

5. Educação é uma atividade intencional e, assim, existem os valores, propostas e metas

justificando os processos da educação matemática.

6. A matemática depende crucialmente da construção subjetiva de significados e da habilidade

para construir, evocar e completar os mundos matemáticos resultantes pessoalmente imaginados,

desde que não existe “mundo real” descrito pela matemática. O paradigma para estes são os

mundos sociais de significados que toda criança aprende a construir através da participação em

práticas sociais comunicativas.

7. A matemática (incluindo o conhecimento matemático) é uma prática social discursiva que não

é completamente disjunta de outras práticas ou áreas do conhecimento; a separação da

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