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Tanto a linguagem como a matemática são altamente restritivas devido à necessidade de descrever, quantificar e predizer de modo eficaz eventos dos mundos físico e humano Além disso,

a matemática é limitada pelo seu desenvolvimento através de conjecturas lógicas internas, provas

e refutações (PME, p. 61).

O conhecimento matemático seria relativo porque a sua objetividade estaria baseada no acordo social. Mas o seu relativismo não o tornaria igual ou intercambiável com outros sistemas sociais de crenças, a menos que esses sistemas satisfizessem aos critérios de fornecer uma descrição viável de aspectos da realidade empírica e social, e crescessem e se desenvolvessem através de conjecturas lógicas internas, provas e refutações.

4) Que papéis o contexto social desempenha na explicação da atividade matemática dos matemáticos no presente e no passado?

De acordo com Lakatos a história da matemática, por ser a história da evolução do conhecimento matemático, tem um papel constitutivo na filosofia da matemática, diz Ernest. Mas na lógica da descoberta

Em Wittgenstein o conhecimento matemático repousa nos jogos lingüísticos ancorados nas formas de vida, ou seja, no seio das práticas sociais, das comunidades humanas. Contudo, a história da matemática é um conhecimento não considerado na filosofia da matemática de Wittgenstein. Como já dissemos, Ernest considera uma fraqueza a ausência de qualquer dimensão histórica na filosofia da matemática wittgensteiniana.

Para superar a "estreita" dimensão histórica na filosofia da matemática de Lakatos e a sua completa ausência na filosofia da matemática de Wittgenstein, o construtivismo social de Ernest adota uma abordagem social para a epistemologia e uma abordagem interdisciplinar para o conhecimento. E o fato de explicar o conhecimento matemático de modo naturalístico é principalmente uma preocupação filosófica antes que sociológica.

A abordagem interdisciplinar para a filosofia da matemática adotada por Ernest ele a justifica na necessidade de oferecer uma perspectiva adequada completamente descritiva da matemática (SCPM, p. 265).

Seguindo além das quatro questões orientadoras, o construtivismo social de Ernest foi inicialmente alicerçado no construtivismo radical de Glasersfeld e numa concepção construtivista piagetiana da mente, como aparece em PME, e depois muda para uma visão social baseada em Mead, Vygotsky e outros, conforme ele justifica em SCPM.

Talvez, Ernest precise debruçar-se uma terceira vez sobre a sua obra (PME foi a primeira, SCPM a segunda) para, dessa vez, elidir os excessos. Isso porque, acreditamos, SCPM contém as pedras e os tijolos; mas falta, ainda, uma argamassa que dê solidez e harmonia à construção. Não se trata de uma construção original. Mas isso não exime Ernest de elidir aspectos que sobram na sua construção. Podemos dizer que há um certo descuido em algumas partes, como mostramos na comparação que fizemos, entre os capítulos 1 e 2 de PME e os respectivos de

SCPM.

Acreditamos que, se efetivado esse enxugamento do texto, SCPM seria seguramente recomendado mais amplamente e cumpriria o seu papel. Entretanto, no estado atual, ainda é um texto rico em matéria de informações, pois nos remete ao vasto, rico e milenar campo da filosofia da matemática. E nos situa também no recente e emergente movimento filosófico que enriquece a filosofia tradicional da matemática, a partir de outras perspectivas epistemológicas, com considerações psicológicas, históricas e sociais.

É interessante perceber os propósitos com que Paul Ernest se pôs a elaborar ou reelaborar as suas reflexões em torno do que chamou de 'construtivismo social como uma filosofia da matemática'. Suas opiniões nos mostram que o desconforto psicológico está presente nos adeptos das filosofias tradicionais da matemática desde muito antes de Gödel. Pensamos que, talvez, já estivesse presente em Euclides, quando laborava nos seus Elementos, o que pode ser atestado pela forma como ele procedeu ao desenvolvimento do seu sistema, evitando, dizem, a utilização do postulado das paralelas por um bom tempo.

A opção de trabalho reflexivo entre o falibilismo e o absolutismo possibilitou a Ernest elementos para um futuro passo em que essa tensão entre absolutismo e falibilismo, ainda que permaneça, abra alguma janela para um pensamento que dê conta dessas antagônicas posturas e possa situá-las num novo quadro epistemológico que faça

convencionalista radical e como um finitista estrito. Como combinar essa postura com o quase-empirismo de Lakatos, tendo-se presente que ele faz críticas indiretas ou implícitas aos convencionalistas em Provas e refutações? Tais críticas estão presentes no início do capítulo sobre a filosofia da matemática de Lakatos, no qual estabelecemos alguns paralelos entre Wittgenstein e Lakatos.

Wittgenstein situa o conhecimento em geral e o conhecimento matemático nos jogos lingüísticos compartilhados e nas práticas sociais. Ele não se encaixa em nenhuma tradição filosófica da matemática, apesar de sua construção conter elementos de todas elas, como afirma Klenk (1976), em seus estudos sobre a filosofia da matemática wittgensteiniana. Em que consiste, pois, a integração ou interação por parte de Ernest, dessas duas filosofias, para constituírem a base de sua doutrina? Não conseguimos detectar isso de forma clara; sobretudo porque os pensamentos de Wittgenstein e de Lakatos não convergem no que se refere à filosofia da matemática.

O tipo de racionalidade que se configura na matemática nos parece, às vezes, tão natural, tão imperioso ao nosso modo de vida que, nos nossos excessos de liberdade, chegamos a considerar plausíveis as perguntas: será que os seres humanos fazem matemática porque eles têm um sistema nervoso central complexo com tais e tais características? Esse tipo de racionalidade não seria algo genético, inato? Acaso, se existirem em outros sistemas seres com um sistema nervoso central com as características do nosso, inevitavelmente eles estarão produzindo uma matemática com as mesmas características da nossa? Essas especulações, em nada científicas, pensamos, nos levam a restringir nossas considerações a aspectos mais direta ou indiretamente controláveis que envolvem o conhecimento humano até o momento. Lembramos aqui que, diferentemente de Wittgenstein, quando afirmava que o matemático era um construtor e não um descobridor, uma das nossas primeiras dúvidas ao redigirmos um incipiente texto para nossos primeiros alunos de Metodologia para o Ensino da Matemática, consistia na pergunta para a qual, acreditamos, nunca teremos uma resposta consensual ou incontrovertida: a matemática é uma invenção ou uma descoberta? Isso porque, a natureza relativista das respostas estará sempre associada a sistemas político-axiológicos incomensuráveis de crenças e convicções pessoais (isto é, de cada investigador) e/ou institucionais (isto é, dos diferentes grupos que constituem, a cada momento, as chamadas “comunidades científicas”), sendo, é claro, esse nosso argumento da impossibilidade de se atingir um consenso no campo das ciências humanas (e é nele que estamos incluindo a própria filosofia da matemática) tão controvertido quanto a própria crença que, por meio dele, intencionamos fundamentar.

De fato, se respondermos que a matemática é uma descoberta, nos aproximaremos de Platão e, ainda que pudéssemos “inventar”, (ou também “descobrir”?) muitas filosofias da matemática “diferentes”, baseadas numa ontologia de seres abstratos, não poderíamos, a rigor, produzir histórias da matemática, dado que os objetos matemáticos, de acordo com tal ponto de vista, não são produzidos no tempo. Zúñiga (1987) caracteriza do seguinte modo uma “história” platônica:

a história da matemática reproduziria os momentos e como foram descobertas as verdades, mas

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