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Toulmin tentou durante muitos anos provocar uma contra-revolução na lógica Recomenda-nos que abandonemos um dos programas de investigação mais maravilhosamente progressivos da

história do conhecimento humano – a lógica matemática – que nos proporciona as armas mais

eficazes de crítica objetiva que a humanidade já produziu. E nos recomenda que o substituamos

por 'bônus de inferência' wittgensteinianos, confusos e 'elitistas' (Lakatos, 1981: 314 nota 47).

Essas críticas de Lakatos à filosofia de Wittgenstein soam, para nós, como uma desautorização ao movimento de Ernest de juntar esses dois filósofos, mutuamente excludentes, como base do seu construtivismo. Acreditamos que Ernest, apesar de conhecer esse ensaio de Lakatos, não considerou a crítica a Toulmin como também endereçada, em muitos momentos, ao próprio Wittgenstein.

Ainda encontramos em outros pensadores simpáticos a Wittgenstein considerações acerca de alguns conceitos wittgensteinianos que não convergem com as concepções de Lakatos.

S. G. Shanker, no seu livro Wittgenstein and the turning-point in the philosophy of mathematics, considerado por Glock como a melhor defesa da filosofia da matemática de Wittgenstein, aborda alguns aspectos da filosofia da matemática de Lakatos em algumas comparações com a filosofia da matemática de Wittgenstein, a propósito da natureza da prova.

Suponhamos, diz Wittgenstein, que alguém estava investigando números pares para ver se eles confirmavam a conjectura de Goldbach. Suponhamos que ele expressou a conjectura

e ela pode ser expressa

que se ele continuasse com esta investigação, jamais iria encontrar um contra-exemplo enquanto vivesse. Se uma prova do teorema é então descoberta, será ela também uma prova da conjectura da pessoa? Como é isto possível?

Em resposta a esta última questão, Wittgenstein efatizou que nada era mais fatal ao entendimento filosófico do que a noção de prova e experiência como dois métodos de verificação comparáveis mas diferentes. Shanker considera que há a tentação de considerar esses indicadores como hipóteses quase-empíricas, que ameaçam confundir prova e experimento mal interpretando a natureza da investigação na descoberta matemática. Ele considera que o alvo para o argumento de Wittgenstein não era uma teoria popperiana como a desenvolvida por Lakatos em Provas e refutações, mas a suposição de que o relacionamento entre as conjecturas matemáticas e suas provas é dedutivo.

Shanker observa que, para Wittgenstein, as conjecturas matemáticas são similares às hipóteses empíricas na medida em que cada uma desempenha um papel heurístico (que explica o uso do termo ‘conjectura’ para essas expressões matemáticas). Para Wittgenstein, há sérios perigos que este elemento comum possa cegar-nos da diferença gramatical considerável entre uma conjectura empírica como oposta a uma conjectura matemática. Porque a busca de solução de uma ‘questão’ matemática não-resolvida é, conceptualmente, completamente diferente da busca de uma solução de uma hipótese física. A diferença principal entre um experimento e uma prova é demonstrada pela diferença nas relações semânticas que uma hipótese empírica admite para um experimento bem sucedido e uma conjectura matemática para uma prova construída. Aconteça o que acontecer à sua probabilidade, o

significado de uma hipótese empírica permanece inalterado após a realização de um experimento. O mesmo não

pode ser dito das conjecturas matemáticas; no entanto, nem uma nem outra pode o oposto. Wittgenstein evitou dizer que o significado de uma conjectura matemática muda seu sentido depois da construção de uma prova; para ele, a conjectura altera a sua posição na matemática. Porque a conjectura matemática simplesmente não tem significado

que possa ser mudado, e é por esta razão que a proposição com a sua prova não pertence à mesma categoria que a proposição sem a prova.

Shanker tenta comparar a idéia de Wittgenstein com a abordagem heurística de conceito gerado por provas de Lakatos. Há passagens que confirmam tais afinidades; especialmente quando, em Philosophical Grammar, Wittgenstein bruscamente declarou: proposições matemáticas não-provadas − indicadores para a investigação matemática, estímulos para construções matemáticas. Certamente é interessante que Wittgenstein pareça ter compartilhado com Lakatos a crença de que as provas das conjecturas matemáticas não podem ser realizadas por um processo dedutivo ou mecânico. Mas, para Lakatos, a prova é um dispositivo explanatório que torna uma conjectura matemática mais convincente, e que, através do processo de aduzir e responder aos contra-exemplos, produz maior precisão e plausibilidade para suas conjecturas.

A despeito de sua oposição à identificação entre prova e experimento, Wittgenstein não precisou opor-se completamente aos traços gerais do quadro do diálogo matemático de Lakatos. De fato, pode-se mesmo sustentar que, longe de ser hostil a isso, Wittgenstein foi fundamentalmente simpático ao espírito subjacente a um tal modelo, e que isto explica o interesse de Wittgenstein em uma filosofia empírica da matemática o qual Dummett enfatiza. Mas o ponto em que Wittgenstein teria fundamentalmente discordado de Lakatos seria o da interpretação do status lógico da prova matemática.

Tomando como ponto de partida a perspectiva de Wittgenstein, Shanker afirma que Lakatos confundiu a maneira como usamos provas com o status lógico real de uma prova. A resposta wittgensteiniana ao quadro de Lakatos seria a de que o processo de ‘descoberta’ matemática que este retrata não é uma espécie de ‘descoberta’ científica em relação à qual o critério de testabilidade constantemente aguilhoa-nos para explicações cada vez mais sofisticadas. Melhor, a ‘descoberta’ matemática seria uma atividade normativa na qual pressões similares àquelas que motivam o cientista (e a base matemática da física contemporânea realça esta afinidade) encorajam o matemático a produzir, cada vez mais, estruturas normativas complexas. O status lógico de tipos diferentes de refutação, os quais Lakatos chama de contra-exemplos ‘local’ e ‘global’ (isto é, críticas dos passos em uma prova versus críticas da conclusão), permanece em Wittgenstein sob a forma de regras da sintaxe: reformulações gramaticais que são ocasionadas, talvez, pela crença de que uma regra existente não elucida algum aspecto da imagem mental (experimento mental em Lakatos) que está nos guiando. Daí, a objeção fundamental de Shanker à perspectiva de Lakatos é que ela confunde complexidade sintática com complexidade explanatória, e é isso o que, por sua vez, teria induzido Lakatos a misturar a natureza gramatical da prova com a natureza empírica do experimento. Para Shanker, Lakatos, ao descrever a fenomenologia da descoberta matemática, foi levado a fazer vista grossa ao fato de que a própria ‘descoberta’ é um conceito de semelhança de família (isto é, não definido analiticamente), que implica alguma coisa radicalmente diferente em matemática, (por exemplo a construção de estruturas gramaticais cada vez mais complexas) em relação ao seu significado em ciências (Shanker, 1987: 114-16).

A filosofia da matemática de Imre Lakatos

Paul Ernest situa as raízes da filosofia da matemática de Lakatos em Hegel, em Polya e em Popper. Seguramente este último fora uma das maiores influências no pensamento de Lakatos. Alguns paralelos dão conta dessa influência: a metodologia de Popper é chamada de lógica da descoberta científica; a metodologia de Lakatos:

lógica da descoberta matemática (LDM), o que é uma transposição direta, segundo Ernest. Outro exemplo é o nome

do maior trabalho de Lakatos, Provas e refutações é um jogo direto sobre Conjecturas e refutações de Popper. As duas obras surgem no mesmo ano. É claro para Ernest que Lakatos está fazendo uma homenagem ao seu mentor.

E para ilustrar essa asserção, Ernest estabelece alguns paralelos entre termos usados por Lakatos em filosofia da matemática, como transposições de termos usados por Popper em suas obras dedicadas à ciência. Um exemplo está na tabela a seguir:

Popper Lakatos Lógica da descoberta científica Lógica da descoberta matemática

Conjecturas e Refutações Provas e Refutações

Outra afirmação de Ernest é que o falibilismo antifundacionista de Lakatos foi muito influenciado por Popper. Quando em Regressión infinita y fundamentos de la matemática, Lakatos afirma que qualquer tentativa de estabelecer de forma conclusiva a verdade da matemática leva a um regresso ao infinito (in: Lakatos, 1981), ele apenas fez transposição para a matemática do argumento de Popper que sustenta que qualquer tentativa de estabelecer a verdade de proposições ou teorias com base em um conjunto de proposições primitivas leva irrevogavelmente a um regresso ao infinito (Popper, 1975: 125).

Um quadro tomado e adaptado de Yuxin (1990, apud Ernest) apresenta algumas relações existentes entre a LDM de Lakatos e a lógica da descoberta científica de Popper; e mais elementos comprobatórios apresenta acerca da influência de Popper sobre Lakatos:

Uma comparação da Lógica da Descoberta Científica (LDC) de Popper com a Lógica da

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