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As denominações da sociedade contemporânea como “sociedade da informação” ou “sociedade do conhecimento” estão relacionadas, fundamentalmente, à presença e à influência crescentes, como abordado em seções anteriores, das tecnologias de informação e comunicação em todos os espaços de convivência humana. Concomitantemente, o surgimento dessas alcunhas diz respeito ao fato dos impactos do desenvolvimento científico e tecnológico permearem o cotidiano de todos os cidadãos. A escola, nesse contexto, precisa se relacionar e responder aos desafios colocados por essas novas configurações sociais.

Tanto na área de Educação em Ciências quanto na de comunicação pública da Ciência, há, na atualidade, convergências relacionadas à necessidade de promoção de uma cultura científica e de se trabalhar as inter-relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente e, consequentemente, de formar cidadãos aptos a participarem plenamente dos cada vez mais frequentes processos de tomada de decisão envolvendo Ciência e Tecnologia. Tais convergências abarcam a diretriz de se trabalhar, concomitantemente, com a especificidade do conhecimento científico e com a função social da atividade científica, em uma perspectiva interdisciplinar, bem como os objetivos de formar cidadãos capazes de aplicar o conhecimento científico na resolução de problemas cotidianos, de avaliarem riscos e benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico e de poderem exercer plenamente sua cidadania ao participarem das decisões que envolvem esse desenvolvimento (PEZZO, 2012; PEZZO; PIERSON, 2014).

A partir desses objetivos compartilhados, uma compreensão comum da relação entre a educação escolar e aprendizagens informais – particularmente aquelas decorrentes do contato com produtos midiáticos com conteúdos de Ciência e Tecnologia – é a de que a mídia deveria suprir uma falta, corrigir a “dificuldade da escola de cumprir sua função de ensinar” (PFEIFFER, 2001, p. 41). Porém, nos parecem mais ricas e condizentes com a proposta de consolidação de uma cultura científica as perspectivas que partem do pressuposto de que as

11 Parte das reflexões apresentadas nesta seção foram publicadas no artigo “Desvelando o espetáculo – Formação para leitura

pessoas aprendem ciências a partir de uma variedade de fontes, por uma diversidade de razões e de diferentes maneiras, e que alertam que visões limitadas e com foco estreito do empreendimento de ensino e aprendizagem de ciências limitam o entendimento desse esforço e a compreensão de seus impactos (FALK; DIERKING, 2002).

A Ciência e a Tecnologia que aparecem na mídia podem ser incorporadas ao ensino formal com vários objetivos distintos, como veremos mais adiante. Porém, como destacado ao longo de todo este capítulo, essa inserção não pode acontecer sem que a escola assuma a responsabilidade de formar os estudantes para que possam se relacionar criticamente com as informações de Ciência e Tecnologia presentes na mídia, desde os veículos jornalísticos em diferentes suportes até o entretenimento e a publicidade.

Um impacto do contato dos estudantes com informações de Ciência e Tecnologia nos meios de comunicação destacado por diferentes autores diz respeito ao questionamento do professor como única fonte de conhecimento. Macedo e Katzkowicz (2003) apontam como o modelo de intervenção pedagógica caracterizado pela transmissão verbal e pela visão do aluno como um receptáculo vazio pronto para ser preenchido pelo conteúdo trazido pelo professor – tão criticado e, ao mesmo tempo, ainda tão comum em todos os níveis de ensino – é abalado pela compreensão da existência dessas outras fontes de informação. No entanto, esses mesmos autores destacam como tais informações são fragmentadas e não configuram um saber organizado, o que oferece ao professor a oportunidade – e, mais do que isto, a necessidade – de ressituar seu papel face a esse contexto, passando a atuar como mediador entre o aluno e o conhecimento (MACEDO; KATZKOWICZ, 2003). Krasilchik (2000) também destaca as representações sociais que prevalecem entre professor e aluno como obstáculo à transformação da escola como um todo – e do ensino das ciências em particular – em um ambiente em que a interação social e a exposição a diferentes ideias é elemento essencial. Nesse contexto, a autora vislumbra a utilização de novos recursos tecnológicos no ensino formal como elemento potencialmente favorecedor – porém ainda subutilizado – de superação desse obstáculo, no sentido da formação de um aluno ativo na busca, integração e criação de novas informações e de uma atuação do professor marcada pelo apoio a esse processo de coordenação daquilo que é aprendido dentre de um esquema conceitual mais amplo (KRASILCHIK, 2000).

Tratando da escolarização da imprensa especificamente no âmbito do ensino das ciências, Wellington (1991) classifica as possibilidades de interação entre as aprendizagens formais e informais em cinco categorias: a aprendizagem informal auxiliando e oferecendo suporte ao currículo formal; a aprendizagem informal estabelecendo conflitos e prejudicando

o ensino formal; o ensino de ciências apoiando e estimulando a aprendizagem informal; o ensino de ciências em conflito com a aprendizagem informal; e ambos os espaços – formal e informal – apoiando-se e auxiliando-se mutuamente (WELLINGTON, 1991). Reconhecendo que a mídia geralmente retrata a Ciência como uma atividade dramática, produtora de certezas, fruto de mentes geniais e de descobertas inovadoras isoladas no tempo, o autor pondera que, no entanto,

São estas as mensagens com as quais os alunos serão confrontados quando deixarem a escola, particularmente se forem leitores dos jornais mais sensacionalistas. Assim, certamente, um dos objetivos da educação científica deve ser a capacitação para que possam estudar criticamente as notícias jornalísticas sobre inovações, maravilhas e excentricidades científicas e pesquisadores não convencionais. Isto pode ser alcançado ao se confrontar tais matérias jornalísticas na sala de aula, desenvolver atividades relacionadas aos textos e, dessa forma, envolver a mídia no currículo formal de ciências. (WELLINGTON, 1991, tradução nossa).

Nessa mesma direção, López (2004) – considerando a educação formal e a divulgação científica como canais distintos e complementares através dos quais a Ciência chega, ou pode chegar, aos cidadãos – defende que sua integração é imprescindível. Especificamente em relação à utilização de materiais de divulgação científica no ensino das ciências em ambiente escolar, o autor aponta três razões para esse uso: a possibilidade de motivação dos estudantes; o fato de que a mídia já é uma fonte importante de aprendizagem para amplos setores da sociedade; e a necessidade de que a escola assuma para si o objetivo de trabalhar com os produtos da mídia como objeto de estudo (LÓPEZ, 2004).

Em consonância com aspectos importantes das abordagens de educação para as mídias com as quais nos comprometemos nas seções anteriores – especificamente com a compreensão de que as dimensões de inserção da mídia como fonte de conteúdo, ferramenta pedagógica e objeto de estudo são indissociáveis –, Ribeiro e Kawamura (2008) apresentam um posicionamento que acrescenta a essas preocupações o potencial de articulação entre o olhar crítico para a Ciência e a Tecnologia e o olhar crítico para a mídia, uma vez que partem do pressuposto de que a compreensão crítica de produtos midiáticos de divulgação científica diz respeito aos significados sociais tanto dos meios que os veicula quanto da própria C&T.

A nosso ver, esse olhar crítico para a realidade está relacionado tanto ao processo de produção do conhecimento científico e suas aplicações (foco na Ciência e Tecnologia) quanto ao de produção das próprias informações sobre Ciência e Tecnologia e sua veiculação pelos diferentes meios de comunicação (foco na mídia impressa). Embora as pesquisas da área apontem as potencialidades que os materiais de divulgação apresentam para a formação do espírito crítico, sobretudo em relação ao primeiro foco, ressaltamos que a articulação e problematização desses dois focos são fundamentais para uma reflexão sobre as formas de incorporação desses materiais em nossas aulas. (RIBEIRO; KAWAMURA, 2008, p. 2).

Embora as autoras dirijam sua atenção à mídia impressa, entendemos que essa potencialidade se estende – e se amplia – a todos os suportes e linguagens midiáticos, evidenciando, como fazem as autoras, a necessidade de reflexão sobre algumas das características da Ciência apresentada na mídia, para que o trabalho com os meios de comunicação na escola possa de fato ser efetivo na formação de leitores, espectadores e “internautas” críticos da Ciência e Tecnologia, da mídia e do mundo. Em relação à forma como a Ciência aparece na mídia, Ribeiro e Kawamura (2008) destacam que, geralmente, a representação da dinâmica da Ciência e Tecnologia é marcada por uma “mitologia dos resultados” – que ignora os processos e procedimentos, o fato do erro e do acaso serem parte do fazer científico e, também, que há mais na pesquisa científica do que aquilo que é imediatamente aplicável – e pela contribuição ao “mito da neutralidade” da Ciência – pela ausência do contraditório na cobertura de Ciência e, assim, pelo fortalecimento da ideia da Ciência como produtora de verdades inquestionáveis. De outro lado, as autoras sintetizam algumas particularidades dos próprios meios de comunicação e de sua linguagem especialmente relevantes para o contexto do ensino das ciências: o sensacionalismo (vinculado a estratégias de atração de leitores), a simplificação (da complexidade de conteúdos e linguagens, podendo envolver ou não o comprometimento da precisão de conceitos) e a fragmentação (ausência de contexto).

Assim, como destacado anteriormente, o professor ganha, ao trabalhar com a interface entre os conteúdos escolares e as informações sobre Ciência e Tecnologia veiculadas pelas mídias, a oportunidade e, mais do que isso, a necessidade de atuar como mediador entre o aluno e os produtos midiáticos, auxiliando-o na análise crítica tanto da forma de representação da Ciência quanto das características próprias da cultura da mídia e, assim, no desvelamento das relações estabelecidas entre informação, conhecimento, poder e dominação. Porém, para tanto, os próprios professores devem estabelecer uma relação crítica com os meios de comunicação e, nesse sentido, os aportes sobre a educação para as mídias

apresentados neste capítulo, juntamente com aqueles relacionados especificamente à inserção de produtos midiáticos no ensino das ciências em contexto escolar evidenciam que a reflexão sobre o potencial e a qualidade do uso das mídias na sala de aula de ciências, assim como qualquer proposição de ações visando o aprimoramento e o pleno aproveitamento de iniciativas dessa natureza, precisam buscar compreender, antes de mais nada, como se estabelece essa relação dos professores com a mídia em sua vida pessoal e profissional, bem como suas percepções e os sentidos que atribuem às interações entre o ambiente escolar e o ambiente midiático.

2 Sujeitos, campo e corpus de pesquisa e referencial metodológico

Como anunciado na Apresentação e no Capítulo 1, nossa pesquisa partiu da indagação sobre como as relações de professores de ciências com a mídia e suas concepções e expectativas relacionadas à inserção das produções midiáticas no ambiente escolar como um todo e no ensino de ciências em particular podem interferir em sua prática profissional e, a partir dessa questão, buscou compreender essas relações junto a professores de ciências em formação, com o objetivo geral de, a partir dessa compreensão, poder oferecer contribuições ao conhecimento sobre a temática e, assim, também ao desenvolvimento de políticas e projetos de educação para as mídias na formação de professores de ciências e, consequentemente, de utilização qualificada de produções midiáticas com conteúdos de Ciência e Tecnologia no ensino das ciências.

Para a consecução desses objetivos, a investigação foi realizada junto a 23 estudantes dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas, Física e Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Campus São Carlos, matriculados na disciplina “Estratégias para a utilização de notícias de Ciência e Tecnologia no Ensino das Ciências”, oferecida sob nossa responsabilidade no segundo semestre de 2014. O corpus da pesquisa foi constituído pelas produções desses estudantes ao longo da disciplina, que constituíram um conjunto de documentos analisados à luz do referencial metodológico da análise textual discursiva. Assim, neste capítulo, apresentamos esse campo de pesquisa, os sujeitos nele inseridos e as características dos documentos que foram objeto da análise, bem como o referencial da análise textual discursiva e as categorias de análise decorrentes desse referencial metodológico e do referencial teórico apresentado no Capítulo 1.

2.1 O campo – Disciplina “Estratégias para a utilização de notícias de Ciência e Tecnologia