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Educação para as mídias como “remediação” de uma mídia poderosa, com efeitos

Em consonância com os aspectos destacados até aqui, também em relação especificamente às compreensões e expectativas associadas à educação para as mídias, os resultados apresentados evidenciam uma abordagem preponderantemente identificada com a

perspectiva da proteção contra efeitos deletérios de uma mídia poderosa, mas não necessariamente inscrita nos processos de reprodução de poderes hegemônicos.

Em relação às sínteses, dos 17 estudantes cujas produções trouxeram evidências dessas compreensões e expectativas em relação à educação para as mídias, nove podem ser identificados mais integralmente com a perspectiva da proteção – seja por considerarem o potencial de uso das produções midiáticas como fontes de conteúdo e/ou ferramenta pedagógica, porém de modo indissociável da necessidade de remediação de seus efeitos fundamentalmente deletérios; seja por associarem a necessidade de remediação desses efeitos apenas ao contato que os estudantes já têm com as mídias foram do ambiente escolar. Na produção de outros cinco estudantes, embora identifiquemos algumas evidências da identificação com a perspectiva da preparação para o uso das mídias – como, por exemplo, a abordagem da dimensão criativa da educação para as mídias, do potencial de desenvolvimento do olhar crítico para a própria Ciência ou da relevância da compreensão das relações sociais nas quais as empresas de mídia estão envolvidas –, também estão presentes compreensões que os aproximam sobremaneira da perspectiva da proteção, como comentaremos a seguir. Por fim, nas produções de três estudantes não foi possível essa identificação com as perspectivas da proteção ou da preparação, considerando a pequena ocorrência de reflexões sobre educação para as mídias em suas produções e a superficialidade com que o tema foi tratado. Também a análise dos relatórios dos exercícios de análise crítica de mídia e das propostas de atividades didáticas parece corroborar essa proximidade do conjunto de estudantes da perspectiva da proteção, pelas razões que detalharemos a seguir.

Um primeiro aspecto a ser destacado são as evidências de uma compreensão das audiências como fundamentalmente passivas e vulneráveis diante de uma mídia que oferece um retrato deturpado da realidade. Nas sínteses, como detalhado no Capítulo 3, os 17 estudantes cujas produções trouxeram reflexões sobre as audiências e os processos de recepção parecem compartilhar dessa compreensão das audiências como passivas e vulneráveis. Embora 14 desses 17 estudantes abordem alguma possibilidade dessas audiências tornarem-se mais ativas e/ou críticas, apenas quatro o fazem considerando a possibilidade de negociação de sentidos e um pela possibilidade de expressão. Os demais tratam da crítica como vontade – ou falta de vontade – de crítica ou de capacidade de identificação da “verdade”. Já nos relatórios, como registrado anteriormente, há evidência de pouca atenção às características das audiências e, nas poucas

reflexões sobre esse aspecto, a relação estabelecida é fundamentalmente entre um público vulnerável e uma mídia que, lamentavelmente – na visão dos estudantes –, não fornece um retrato fiel da realidade. Além disso, tanto nas produções individuais quanto nos relatórios do trabalho em grupo, parece estar ausente a reflexão sobre como diferentes contextos afetam as experiências e práticas das pessoas com as mídias, ou seja, está praticamente ausente um aspecto fundamental da educação para as mídias compreendida como preparação, que é valorização da cultura, das experiências, conhecimentos e visões de mundo dos estudantes.

Já em relação a reflexões sobre aspectos da educação para as mídias voltados à compreensão das produções midiáticas como um processo social, dos 17 estudantes que, nas sínteses, trataram da dimensão analítica da educação para as mídias, apenas dois tratam da compreensão de contextos internos à indústria midiática como relevantes para a interpretação de suas produções, com foco nos processos de atração de consumidores para os produtos midiáticos. Já nos relatórios, apenas dois grupos tratam desses contextos internos e, assim mesmo, na perspectiva da proteção contra características das indústrias midiáticas. No que diz respeito à compreensão das relações sociais das empresas de mídia, apenas quatro estudantes abordam, nas sínteses, a perspectiva de desvelamento de interesses de outros atores sociais que interagem com as mídias como relevante para avaliação e interpretação da informação, perspectiva esta presente na produção de apenas um dos cinco grupos que produziram os relatórios, nos quais, como destacado no Capítulo 4, a menção a contextos de produção da notícia é bastante genérica, sem a abordagem de contextos específicos de produção e reflexões sobre as influências desses contextos sobre o resultado dessa produção. Também as reflexões sobre a mídia como possível retrato da realidade são relevantes no sentido de evidenciar uma perspectiva preponderantemente protecionista entre os sujeitos cujas produções foram analisadas em nossa investigação, já que, nas sínteses, como detalhado na subseção anterior, a não identificação entre as produções midiáticas e uma suposta realidade é compreendida pela maior parte dos estudantes como falha cuja remediação é um dos principais objetivos da educação para as mídias, configuração que se repete nos relatórios produzidos pelos grupos, em que, como também já registrado, apenas o Grupo 2 indica compreender a educação para as mídias como formação para o desenvolvimento da capacidade de interpretação, e não para o discernimento entre o “certo” e o “equivocado”, entre o “real” e a “deturpação do real”.

Por fim, outros dois aspectos que associamos a uma proximidade maior dos sujeitos desta pesquisa com a perspectiva da proteção são a pouca atenção à dimensão criativa da educação para as mídias – já que, nas sínteses, apenas seis estudantes a abordam, sendo que apenas um o faz na perspectiva da produção de mídia alternativa associada à resistência a representações hegemônicas, e, nos relatórios, só o que aparece é a compreensão da educação para as mídias como relevante à participação em debates públicos e, ainda assim, de modo implícito, e não em afirmações inequívocas dessa relevância – e, também, ao potencial de desenvolvimento do olhar crítico para a própria Ciência advindo do uso das produções midiáticas no ensino das ciências, aspecto completamente ausente dos trabalhos produzidos em grupo e presente nas produções de apenas seis dos 20 estudantes cujas sínteses foram objeto de nossa análise.