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3.1 O olhar sobre as mídias – Produção, Textos e Recepção

3.1.2 O olhar sobre os textos midiáticos

Dos 20 estudantes, 14 registraram em suas produções observações sobre os textos midiáticos em relação a um ou mais aspectos desses textos, como detalhado ao longo desta subseção e no Quadro 16. Destes, oito voltam seus olhares aos processos de representação e seis abordam, além disso, aspectos relacionados ao uso da linguagem pelas mídias.

Em relação aos processos de representação, dois os abordam de modo bastante pontual, no sentido de registrarem que os textos não retratam a realidade, já que “fatos” podem ser “noticiados de várias formas” (Licenciando D) e as informações são “alteradas da realidade” (Licenciando O). Já o Licenciando L aborda especificamente a questão da reivindicação de veracidade, ao atribuir à mídia um modo específico de representação da Ciência, de “forma curiosa e verídica”, afirmando que:

“[...] a ideia de veridicidade não é nada boa, porque assim o público não sente interesse em questionar se aquilo que foi passado é de fato verdade ou não.” (Licenciando L)

Nesses três casos, notamos um tratamento da representação relacionada à ideia de “verdade” que pode ser identificado – de modo análogo ao já destacado na análise dos olhares sobre o polo da produção midiática – à concepção de que um retrato da realidade é possível desde que haja o compromisso com a “verdade” de “fatos”, em detrimento de uma compreensão da inevitabilidade de um processo de representação marcado por um recorte da realidade, de escolhas que acontecem à luz de contextos sociais, econômicos e institucionais específicos. Dois

outros licenciandos cujas produções também trazem reflexões sobre as reivindicações de veracidade e/ou autenticidade nos textos midiáticos o fazem de outro ponto de vista, evidenciando – e criticando – estratégias utilizadas na cobertura de Ciência e Tecnologia para conferir realismo e autenticidade às notícias, como a busca de fontes na comunidade científica que afirmem uma hipótese já pré-selecionada para ser noticiada e o uso da expressão “comprovado cientificamente” como argumento de autoridade, como exemplificado nos excertos a seguir:

“[...] meios de informações simplesmente procuram pessoas para ‘falar que laranja faz mal’ usufruindo do título de um cientista ou pesquisador [...].” (Licenciando E)

“[questiono a validade] de uma notícia de divulgação científica que não apresenta os dados da pesquisa, e somente os resultados, [...] afinal ‘comprovado cientificamente’ não nos dá nenhuma informação de ‘como?’ ou ‘por quem?’.” (Licenciando S)

Outro aspecto destacado pelo Licenciando E, que aparece também na produção do Licenciando I, é que a representação da Ciência na mídia a associa a interesses econômicos e políticos, sendo que, para esses estudantes, ela aparentemente é vista como desinteressada. Já os licenciandos A, B, H, Q e N tratam desse aspecto da visão de Ciência que é veiculada pela mídia em uma outra perspectiva, a partir da crítica à consolidação, nos textos midiáticos, dos mitos de uma Ciência neutra, linear, produtora de resultados e verdades.

Os licenciandos A, C, F, H, I, R e N trazem, em suas produções, reflexões sobre viés e objetividade nos textos midiáticos. Nas produções dos licenciandos F e R, viés e objetividade são tratados em termos de “vozes” presentes ou ausentes nesses textos. O Licenciando F afirma que a notícia “trabalha uma única vertente de pensamento”; e o Licenciando R, partindo do reconhecimento de que o texto midiático é sempre um recorte da realidade, destaca que ele será elaborado “da forma como aquele veículo quer passar adiante” e que é isto que determina a escolha de fontes e personagens. O Licenciando N aborda a questão dos estereótipos em relação a diferentes grupos sociais envolvida no processo de representação, ao afirmar que a mídia “reproduz o racismo, o sexismo, a homofobia e outros preconceitos”, bem como trata da questão de apenas algumas culturas encontrarem visibilidade na mídia. Esse aspecto do acesso das diferentes expressões culturais às mídias aparece também nas produções dos licenciandos A, C, H e I. O Licenciando A, como já destacado, afirma que a mídia “dá preferências para uma

cultura capitalista e neoliberal” e que a educação para as mídias é importante para que o acesso das diferentes vozes às mídias seja democratizado. Já os licenciandos C e H partem da constatação de que apenas algumas formas de cultura aparecem nas mídias para concluir que, por isso, elas têm influência sobre a forma como pensamos sobre nós mesmos e o mundo. Por fim, o Licenciando I registra que essa presença de apenas algumas vozes e pontos de vista na mídia acarreta perda de diversidade.

Em relação às linguagens utilizadas nos textos midiáticos, o Licenciando H apenas reconhece que há o uso intencional da linguagem e o Licenciando N que há o uso de diferentes linguagens em diferentes mídias. Já os licenciandos Q, R e S associam as linguagens utilizadas aos sentidos produzidos. Como vimos, o Licenciando R associa as escolhas de quais fontes serão ouvidas e quais não serão a objetivos e interesses dos veículos de comunicação, objetivos que associa também à determinação de quais imagens e outros “recursos jornalísticos” serão empregados para “dar aquela entonação que se deseja”. Essa associação entre linguagens e sentidos também aparece nas produções dos licenciandos Q e S quando destacam a correspondência entre a característica de fragmentação dos textos midiáticos evidenciada na leitura que subsidiou a Síntese 2 à visão de Ciência que se consolida a partir desses textos, como ilustrado nos excertos a seguir:

“[...] a fragmentação, que é a quebra da linearidade de uma pesquisa, pode, assim como a ‘mitologia dos resultados’, ser responsável por deixar uma notícia de ciência vazia, sem todo o conteúdo relacionado ao processo científico.” (Licenciando Q)

“Eu daria maior ênfase na fragmentação por acreditar que ela é mais prejudicial para a visão da ciência como ela é do que os outros aspectos da divulgação, pois acho que essa fragmentação é o que leva à visão da ciência como um show, onde tudo dá certo, só obtemos bons resultados e não temos quase nenhum esforço para alcançá-los.” (Licenciando S)

Não apareceram em nenhuma das produções, no entanto, reflexões específicas sobre efeitos do uso de diferentes tecnologias sobre os sentidos produzidos e, tampouco, sobre como convenções, códigos e gêneros diferentes produzem sentidos distintos, ainda que a produção do Licenciando A traga reflexões sobre convenções, códigos e gêneros das linguagens midiáticas, ao tratar, como registrado na apresentação dos resultados da análise sobre os olhares sobre a produção midiática, “técnicas de noticiabilidade” que definem o que será noticiado e como, bem

como ao afirmar que o gênero do jornalismo científico exige linguagens “mais diretas e menos técnicas”.

Quadro 16 – Olhar sobre os textos midiáticos nas sínteses – Resumo das abordagens sobre as linguagens e os processos de representação presentes nos textos midiáticos (continua na próxima página)

Categorias iniciais Categorias finais Ocorrências

(Licenciandos) Presença de reflexões sobre processos de representação nos textos midiáticos

Reconhecimento de que há processos de

representação Apenas reconhecimento de que há processos de representação D, O Reconhecimento de processos de representação em relação à visão de Ciência veiculada Crítica às mitologias da neutralidade e dos resultados A, B, H, L, N, Q, S Crítica à associação de interesses a uma Ciência desinteressada E, I

Reflexões sobre reivindicações de veracidade e/ou autenticidade nos textos midiáticos

Reflexões sobre reivindicações de veracidade e/ou autenticidade nos textos midiáticos E, L, S Reflexões sobre viés e objetividade nos textos midiáticos Reflexões sobre presenças e ausências de vozes e/ou grupos sociais

nos textos

midiáticos

Reflexões sobre presenças e ausências de vozes e/ou grupos sociais nos textos midiáticos A, C, F, H, I, N, R Reflexões sobre diferentes formas de representar grupos sociais específicos

Reflexões sobre diferentes formas de representar grupos sociais específicos N

Quadro 16 – Olhar sobre os textos midiáticos nas sínteses – Resumo das abordagens sobre as linguagens e os processos de representação presentes nos textos midiáticos (continuação)

Categorias iniciais Categorias finais Ocorrências

(Licenciandos)

Presença de

reflexões sobre as linguagens

utilizadas nos textos midiáticos

Reconhecimento de que há uso

intencional da linguagem nos textos midiáticos

Apenas reconhecimento de que há o uso intencional da linguagem

H Reflexões sobre uso de diferentes

linguagens em diferentes mídias

Reflexões sobre uso de diferentes linguagens em diferentes mídias

N Reflexões sobre convenções, códigos e

gêneros das linguagens midiáticas e como são estabelecidos

Reflexões sobre convenções, códigos e gêneros das linguagens midiáticas e como são estabelecidos

A Reflexões sobre quais são os efeitos das

linguagens sobre os sentidos produzidos

Reflexões sobre quais são os efeitos das linguagens sobre os sentidos produzidos

Q, R, S