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Um mundo que se parece com o real, mas é falho justamente por não ser o real

Um outro aspecto relevante evidenciado na articulação entre os resultados referentes aos diferentes focos da análise realizada é que, embora a totalidade dos estudantes evidencie, nas sínteses, compreender que as produções midiáticas não são um retrato da realidade, que são marcadas por processos intencionais de seleção e ocultação, motivados por interesses internos – e, como já destacado, em menor medida também externos – às instituições midiáticas e que resultam em representações do real, a maior parte deles o faz, novamente, enfatizando efeitos negativos desse processo de representação, e não suas implicações sociohistóricas. Assim, em relação aos distintos focos da análise e, também, na produção de diferentes estudantes – 12 estudantes no total –, aparecem oposições entre fato e “especulação” ou “opinião”, real e “realidade deturpada”, verdadeiro ou não verdadeiro, que parecem evidenciar uma compreensão não da inevitabilidade do processo de representação associada à compreensão da produção

midiática como um processo social ou dos mecanismos pelos quais as mídias reivindicam autenticidade às suas produções, mas sim dessa “alteração da realidade” como principal falha – e perigo – das mídias, bem como de que as produções midiáticas poderiam ser imparciais e objetivas se houvesse um “compromisso com a verdade”.

Assim, na análise do olhar sobre o polo da produção midiática, são quatro os estudantes cujas produções trazem evidências dessa compreensão, sendo que dois, ao refletirem sobre a produção consciente dos textos midiáticos, reconhecem uma dimensão de autoria em relação à presença de “fatos” ou, no outro extremo, de “opinião do autor”, e outros dois associam a conformação dos textos midiáticos à presença ou à ausência de um compromisso com a verdade. Já na abordagem específica dos textos midiáticos, dois estudantes tratam da ideia de representação como “alteração da realidade” ou ausência de verdade. Por fim, no olhar sobre as audiências, cinco estudantes falam em audiências passivas por não questionarem o que é verdade e o que não é, e um por aceitarem informações alteradas da realidade.

Já no olhar sobre a inserção das produções midiáticas no ambiente escolar, um estudante, ao indicar que as mídias podem ser utilizadas como ferramenta pedagógica de motivação, associa esse uso à necessidade de “remediação” de uma representação que distorce a “verdadeira Ciência”. Em relação à inserção das mídias no contexto escolar como objeto de estudo na dimensão analítica, quatro estudantes colocam como objetivo relacionado à compreensão dos contextos internos às indústrias midiáticas o questionamento e/ou a percepção do que é verdade e o que não é. No que diz respeito à compreensão das relações sociais das indústrias midiáticas, dois estudantes colocam como objetivo da educação para as mídias o alerta de que a associação de interesses externos à Ciência nas produções midiáticas distorce uma Ciência que é desinteressada, sendo que esses mesmos estudantes abordam essa mesma questão ao refletirem sobre a identificação da produção consciente dos textos midiáticos, cujo objetivo seria a percepção dessa mesma distorção. Por fim, é na abordagem da educação para as mídias como formação para o discernimento que culmina essa ênfase à distinção entre real e “real deturpado”, já que cinco estudantes falam em uma formação instrumental que prepare as pessoas para não acreditarem em tudo o que veem na mídia como verdade absoluta; três para que façam a distinção entre fato e opinião, engano e verdade ou real e não real; e quatro para que identifiquem que a Ciência retratada na mídia não é a verdadeira Ciência. Além disso, três estudantes, ao tratarem da questão da parcialidade, veem a possibilidade de uma reconstrução

objetiva do real pela consulta a várias fontes de informação – ou seja, aparentemente retiram da educação para as mídias o objetivo de desvelamento de questões de ideologia e poder, atribuindo a ela apenas a ideia de combate a uma fragmentação não associada a essas questões – e um estudante fala em alertar as crianças do fato que a mídia não é imparcial.

A análise dos relatórios de análise crítica de mídia e das propostas de atividades didáticas corrobora, em grande medida, os resultados encontrados nas sínteses – que apontam para a compreensão da parcialidade e/ou do distanciamento da realidade como falhas em relação a uma mídia idealmente imparcial, e não como inerentes ao processo de produção midiática – e, além disso, coloca em destaque uma compreensão de suma relevância no contexto do ensino das ciências, que é a de que a presença do ponto de vista da Ciência e/ou de informações científicas teria justamente a função de corrigir essa parcialidade vista como falha. Ou seja, de um lado temos também nos relatórios a compreensão da parcialidade e dos processos de representação, seleção e ocultação como falhas advindas de algo como uma falta de compromisso com a verdade e, de outro, o conhecimento científico compreendido como sendo dotado de objetividade e neutralidade passíveis de corrigirem essas falhas. Assim, notamos nos relatórios de análise crítica de mídia fundamentalmente uma classificação das produções analisadas como “boas” ou “ruins” de acordo com a presença ou ausência, respectivamente, de informações científicas e, nas propostas de atividades didáticas, a ideia de crítica associada à oferta de ferramentas e/ou conhecimentos que permitam aos alunos suprir essas lacunas, com exceção de um único grupo – Grupo 2 –, cuja compreensão parece se aproximar mais da perspectiva de superação de uma parcialidade inerente às produções midiáticas pela formação voltada ao desenvolvimento da capacidade de interpretação.

5.4 Educação para as mídias como “remediação” de uma mídia poderosa, com efeitos