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Elementos de biografia e bibliografia

Benedetto Croce nasceu em 25 de fevereiro de 1866, em Pescasseroli, nos Abruzzos. Foram seus pais Pascual Croce e Luiza Sipari Croce, família de grandes proprietários de terras e atividades comerciais. Essa circunstância, a riqueza da família, permitiu a Croce dedicar-se quase que integralmente à vida intelectual autônoma. Suas outras atividades como administrador de instituições de ensino, como ministro e senador foram exercidas por pequenos períodos de tempo e não interromperam, de fato, sua exaustiva atuação como pesquisador e escritor. Sua fortuna permitiu-lhe criar uma revista, uma academia de estudos, a Pontaniana, lançar livros, publicar coleções de livros e documentos, estimular escritores e iniciativas culturais, e ainda apoiar a Editora Laterza de Bari, que se tornou a maior da Itália. Sua condição permitiu-lhe também uma vida inteira confortavelmente dedicada aos estudos.

Essas muito favoráveis circunstâncias materiais não impediram a tragédia, que também frequenta os ricos. Em 1883, em Casamicciola, um terremoto provocou a morte de seus pais e de sua irmã, sendo que o próprio Benedetto ficou soterrado por várias horas, tendo sofrido várias fraturas. A tragédia familiar, da qual só escaparam Benedetto e seu irmão, Alfonso, significou a mudança dos dois irmãos para Roma, quando passaram a ser tutorados por Silvio Spaventa, primo de seu pai, político liberal e irmão do filósofo neo-hegeliano Bertrando Spaventa (1817-1883). Na casa de Silvio Spaventa (1822-1893) Benedetto Croce foi exposto a um ambiente político e cultural em tudo diferente do que até então tinha conhecido. Pela casa de seu tio, em Roma, circulavam políticos, escritores e artistas sintonizados com as perspectivas críticas e modernizantes. Tinham sido, exatamente, as atitudes e teses antitradicionalistas o que afastara Silvio Spaventa de seu primo Pascual Croce, católico e conservador. Croce, na casa de Silvio Spaventa, conheceu grandes nomes da cultura italiana, entre eles Antonio Labriola (1843-1904), que exerceria grande influência sobre sua formação intelectual.

Foram anos difíceis para Benedetto Croce aqueles passados em Roma. O apoio e o incentivo de Silvio Spaventa não foram suficientes para reverter o desânimo, a depressão, disse Croce:

Foram esses meus seis anos mais dolorosos e sombrios: os únicos em que, ao cair da noite, apoiava a cabeça na almofada, desejando, com todas as minhas forças, não despertar pela manhã. Cheguei a pensar em suicídio. Não tinha amigos, não participava de nenhuma diversão, não saía nunca de noite, ao ponto que a Roma noturna me era desconhecida. Assistia na universidade aos cursos de Direito, porém sem nenhum interesse: não era sequer um aluno destacado e não me apresentava para os exames[185].

Se não se interessava pelo Curso de Direito, descobriu as grandes bibliotecas de Roma e nelas, a partir de seu critério e de seus interesses, descobriu, por seus próprios meios, a paixão pelo estudo, pela pesquisa. Foi decisiva, neste quadro, a presença de Antonio Labriola:

[...] resolvi seguir as lições de filosofia moral de Antonio Labriola, a quem já conhecia, pois frequentava assiduamente a casa de Spaventa. Sentia grande admiração por ele durante suas conversas noturnas, em que brilhava por seu brio e sua grandeza, transbordante de ideias novas. Essas lições, inesperadamente, foram ao encontro da angustiosa necessidade de recriar em mim mesmo, de forma racional, uma fé sólida na vida e nos deveres. Desde que havia perdido o guia da doutrina religiosa, sentia-me solicitado por teorias materialistas, sensualistas e associacionistas, que não me iludiam, já que via nelas uma substancial negação da moralidade mesma, resultado de um egoísmo maior ou menos oculto. A ética herbatista de Labriola pôde restaurar em minha alma a majestade do ideal, do dever ser oposto ao ser, misterioso nessa oposição, porém, pelo mesmo motivo, absoluto e intransigente[186].

De volta a Nápoles, em 1886, sem ter concluído o Curso de Direito, Croce se entrega totalmente à pesquisa erudita. Viaja à Alemanha, à Espanha, à França, à Inglaterra, como homem de letras. Entre 1886 e 1892 pesquisou, sobretudo, vários aspectos da história de Nápoles e continuou a estudar filosofia a partir do ponto de vista de Labriola. É deste período os estudos que levaram à publicação dos livros: Rivoluzione napolitana del 1799; Teatri di Napoli dalla Rinascenza sino alla fine del

settecento, entre outros volumes sobre a história de Nápoles[187].

Em 1893 toda a até então emaranhada, como ele mesmo diz, busca de um método, de uma compreensão clara das questões, resolve-se. Depois de um dia inteiro de intensa meditação, ele vai escrever A história subsumida ao conceito geral de arte. É uma revelação, de certo modo um programa, que ele não mais abandonará. Seu propósito então, e sempre, seria a construção de uma metodologia que superasse o positivismo, então dominante. Estabelecido o que pode ser considerado seu ponto de partida lógico e metodológico, com o texto de 1893, Croce volta-se, novamente, para os estudos históricos, dedicando-se ao estudo das relações entre Itália e Espanha, ao mesmo tempo em que publicará, em 1894, um texto polêmico que causou grande impacto sobre a metodologia dos estudos literários: Critica letteraria[188].

Em 1895 Labriola enviou-lhe de Roma seu ensaio sobre o Manifesto comunista. Desde que conhecera Labriola, em 1884, este transitara do herbartismo ao marxismo. Friedrich Herbart (1776- 1841), nascido na tradição do Idealismo alemão, aluno de Fichte (1762-1814), em certo momento passou a desenvolver uma crítica ao idealismo baseado na inversão da tese idealista. “Enquanto para o idealismo a realidade é colocada pelo eu, para Herbart a realidade é uma posição absoluta, isto é, absolutamente independente do eu”[189].

Labriola diz que 1879 iniciara seu caminho para o socialismo. Ainda em 1892, em carta para Engels (1820-1895), Labriola dá conta de seus estudos sobre o marxismo, que ainda não lhe permitem total adesão. Finalmente, em 1894, Labriola não só já aprendeu o marxismo como vai interpretá-lo de maneira rica e criativa, em nada prisioneiro do mecanicismo típico da tradição da II Internacional[190].

É para Croce que Labriola envia, em 1895, seu primeiro ensaio marxista – “Em memória do Manifesto dos Comunistas”. Esse ensaio, que Labriola pede que Croce leia e publique, desperta em Croce forte entusiasmo. Diz ele: “lê-lo e relê-lo foi sentir, de novo, que meu espírito todo se acendia, a ponto de não poder separar-me desses pensamentos e desses problemas que se ramificavam sem cessar” [...] “Durante vários meses entreguei-me com ardor indizível aos estudos de Economia, até

então desconhecidos para mim”[191].

A enorme capacidade de trabalho e reflexão de Croce se fazem particularmente patentes no referente aos seus estudos sobre o marxismo. Já em 1896 ele publica um artigo sobre a concepção materialista da história; a que se seguem artigos em 1897, 1898 e 1899, que, reunidos, foram publicados no livro Materialismo histórico e economia marxista, publicado em 1900.

Não é o caso de discutir, neste momento, a leitura que Croce fez do marxismo, de Marx, sua adesão ou não ao marxismo, senão que registrar que sua atitude variou: “desde o entusiasmo que suscita a primeira leitura da obra de um escritor genial como Marx, até o desgosto pelas pedanterias, os sofismas e as vaidades de seus discípulos próximos [...]”[192].

Publicado Materialismo histórico e economia marxista: Croce diz: “minha paixão acalmou-se” e ele pôde voltar para os temas que lhe eram mais caros, cada vez mais profundamente informados por perspectiva idealista. É dessa época sua aproximação e amizade com o jovem filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), relação que se prolongou até o início dos anos de 1920 e que foi decisiva em vários projetos culturais liderados por Croce. Em 1900 Croce assumiu a direção das escolas elementares e médias de Nápoles, cargo que ocupou por 6 meses. Livre dessa incumbência pode se dedicar à elaboração do livro que foi publicado em 1902 e que afirmou o nome de Croce na vida cultural italiana e europeia: A Estética como Ciência da Expressão e Linguística geral[193].

Em 1903 Croce lançou a revista La critica, que editou, praticamente, até sua morte, em 1952, e que foi o instrumento principal da intervenção de Croce na vida cultural italiana. Nessa revista Croce se encarregou da temática literária, cabendo a Gentile os temas filosóficos.

Em sua Contribuição à crítica de mim mesmo, Croce diz que aqueles anos de 1902/1903 marcaram o início de sua maturidade pessoal e intelectual, que vai se traduzir tanto numa impressionante produção intelectual quanto numa permanente intervenção na vida política e cultural da Itália, da qual vai ser, na primeira metade do século XX, a figura-chave.

No plano pessoal, casou-se, em 1914, com Adela Rossi, com quem teve quatro filhas. Em 1910 foi eleito senador pelo critério censitário, era o homem mais rico de sua região. Entre 1920 e 1921 foi ministro da Educação do último período do governo de Giovanni Giolitti (1842-1928), que chefiou o governo italiano, quase ininterruptamente, entre 1903 e 1914, tendo sido antes ministro das Finanças, entre 1899-1900, e ministro do Interior entre 1901 e 1903. Adepto de um reformismo moderado e pragmático, Giolitti foi responsável pela instauração do sufrágio universal na Itália, em 1912, sendo, ao fim e ao cabo, a figura mais característica do que foi chamado de “transformismo” e que marcou a política italiana desde o Risorgimento e que está esplendidamente sintetizada na frase famosa do romance O leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1987), quando o príncipe de Salina diz que é preciso mudar alguma coisa para não mudar nada. Croce, em 1914, lançou-se em campanha para eleições em Nápoles a partir de programa patriótico e liberal, que, grosso modo, vai ser a sua posição política básica apesar das muitas nuanças que experimentou em sua longa vida, como mostrou Norberto Bobbio[194].

A queda do governo Giolitti, em 1921, é parte da crise geral da governança burguesa, que diante do avanço da luta socialista não hesitou em apelar para o fascismo, que vai dominar a Itália de 1922 a 1943.

No calor da crise geral que a Itália viveu, pós-1918, com a aceleração da luta socialista e a reação extremada da direita italiana, vários importantes nomes da cultura italiana apoiarão a tragédia fascista. Alguns, como Gabriele D’Annunzio (1863-1938) e Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) são como que seus precursores; outros, como Giovanni Gentile, vão acompanhá-lo até os estertores. Outros ainda, como Croce, como o grande maestro Arturo Toscanini (1867-1957), como o grande Luchino Visconti (1906-1976), deram-lhe apoio inicial, que logo foi substituído por firme oposição.

Depois da ambiguidade inicial com relação ao fascismo, que vai até 1925, Croce tornou-se a grande voz da oposição ao fascismo, com firmeza e coragem. Depois da queda do fascismo foi novamente ministro da Educação, eleito para o Senado foi membro da Assembleia Constituinte. Fundou e presidiu o Partido Liberal, até 1947, quando abandonou as atividades políticas. Morreu em 20 de novembro de 1952. A obra de Croce soma mais de 80 volumes distribuídos em variada matéria. Nas referências finais seguem os títulos de alguns textos mais significativos.

Trabalhador infatigável, intelectual e homem político que não se omitiu, Croce é dessas figuras, que, no conjunto de sua vida, nas circunstâncias em que teve que atuar, nas escolhas éticas, estéticas, políticas e morais que fez, traduz todas as grandes questões de seu tempo, de sua classe, no muito que tem de semelhante a figuras como Max Weber (1864-1920), como Thomas Mann (1875-1955), que também eles compartilharam a mesma tragédia da consciência burguesa.