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Em 1967, o Teatro Oficina encenou pela primeira vez O Rei da

5. Guerras espirituais: eufemização, o paradigma da censura

5.2. Em 1967, o Teatro Oficina encenou pela primeira vez O Rei da

Vela. A peça, escrita por Oswald de Andrade em 1933, quando seu autor

militava nas fileiras comunistas (no mesmo ano, declarou, no conhecido prefácio de Serafim Ponte-Grande, querer “ser pelo menos casaca de ferro da Revolução proletária”327), satirizava as desventuras do capitalismo na periferia global. Publicada em 1937, era repleta de implementos formais – anti-ilusionismo, interpelação do público, intertextualidade, hibridismo de gêneros, metalinguagem (um dos personagens é “O Ponto”) – quando a tônica da época no Brasil era o teatro de costumes. O personagem “Abelardo I”, dono de uma indústria de velas e agiota, cuja fortuna construiu à base do roubo e da corrupção, quer se casar com “Heloísa” (“de Lesbos”) para obter o status social da família oligárquica-latifundária desta (retratada com todos os tons da decadência). Uma tal aliança entre “Ordem e Progresso” (para usar o lema positivista da bandeira de nosso país) conta com a aprovação de “Mister Jones” (“O Americano”), verdadeiro “controlador” dos empreendimentos de Abelardo I – cabe a ele até mesmo o “direito de pernada”, a noite de núpcias. Porém, na última hora, Abelardo I é traído por seu sócio/funcionário “Abelardo II” (chamado de “socialista”, numa clara crítica stalinista a toda forma de comunismo não-ortodoxo), que lhe arrebata criminosamente a fortuna e o casamento, pois “Heloísa será sempre de Abelardo. É clássico!” – tudo sob as bênçãos d’O Americano,

326

MARTINEZ CORRÊA, José Celso. Primeiro ato. p. 131. 327

ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. 9. ed. Estabelecimento de texto de Maria Augusta Fonseca. São Paulo: Globo, 2007. p. 58.

a quem cabe a última palavra da peça “Oh! good business!”.328 A peça realiza um diagnóstico bem acabado da mercantilização do homem, como agudamente percebeu Graciliano Ramos, constituindo, segundo Gonzalo Aguilar, “um instrumento de dissecação dos sujeitos e de seu desejo em uma sociedade entregue ao automatismo da mercadoria”329: o mesmo substituindo o mesmo incessantemente. De alto teor político, o “happening tupi”, como um dos espectadores definiu a encenação, consagrou o grupo do diretor Zé Celso de Martinez Corrêa, convertendo-a em marco do ambiente cultural a que se daria o nome de “Tropicalismo”. De fato, em seu depoimento, que consta nas “Opiniões do Público sobre o espetáculo”, datado de novembro de 1967330, Caetano Veloso declarava que só compunha “depois de ter visto ‘O Rei da Vela’ (...) a coisa mais importante que eu vi. O Brasil”. O Rei da Vela tornava legível não só uma série de intervenções artísticas do período, mas a própria condição periférica: na peça até os nomes dos personagens (Abelardo I e Abelardo II – e, igualmente, O Cliente, A Secretária, O Americano) indicam que o sujeito se converte em função a cumprir: todos podem ser substituídos, mas o papel a ser desempenhado continua.

A fórmula teatral do Oficina, o te-ato, visava justamente mostrar “o teatro nas relações humanas”, ou seja, questionar a assunção

voluntária de papéis por parte de atores no jogo político:

Quando você descobre o teatro nas relações humanas você tira as máscaras. (...) Te-ato é uma atuação exatamente de desmascaramento do teatro das relações sociais. Desmascaramento do teatro que existe a partir das relações sociais, de filho com a mãe, de pai e filho, patrão e empregado etc. Nesse desmascaramento, o te-ato provoca uma nova consciência física da existência. Não é uma experiência intelectual, mas sim uma experiência com o corpo que passa por uma ação real. É uma coisa mais próxima de Artaud, ou então de macumba, ou de dança primitiva. É alguma coisa que provoca e tem a pretensão de provocar uma

328

As citações da peça foram extraídas de ANDRADE, Oswald de. O Rei da

Vela. São Paulo: Globo, 2004. 329

AGUILAR, Gonzalo. Por una ciencia del vestigio errático. Seguido de La

única ley del mundo (de Alexandre Nodari). Buenos Aires: Grumo, 2010. p. 73. 330

O documento nunca foi publicado, e encontra-se no arquivo do próprio Teatro Oficina, onde obtive uma cópia.

mudança física. É através da ação que você chega a mudar alguma coisa. E no te-ato há isso, essa crença de que o homem é que muda o homem.331

Desse modo, o Oficina buscava reforçar a forte carga política do texto e o seu “mau gosto” intrínseco332 com o “o poder de subversão da forma” pelo qual se estabelecia “uma relação de luta (...) entre atores e públicos”: “A peça agride intelectualmente, formalmente, sexualmente, politicamente. Isto é, chama muitas vezes o espectador de burro, recalcado e reacionário. E a nós mesmos também”.333 A estratégia, que chegou a ser chamada, pejorativamente, de “teatro da agressão”, e equiparada ao “teatro da crueldade” de Artaud, visava uma reação, uma resposta do público, o que já restava claro em um anúncio da peça, em que se lia “VOCÊ VAI AMAR OU ODIAR! Atenção: quadrados

331

MARTINEZ CORRÊA, José Celso. Primeiro ato. p. 321. O valor paradigmático da encenação d’O Rei da Vela para o Tropicalismo e do Tropicalismo para a cultura brasileira reside aqui. Toda uma série de proposições, que vão desde o “jagunço civilisado” de Araripe Jr. (“de posse da eletricidade, [o jagunço] terá sobre o estrangeiro a vantagem de conhecer não só os caminhos secretos da vida interior, mas também de saber que são de pedra os monstros, que fazem esgares das torres da velha catedral e não obstante assustam os desprecavidos que ali penetram”), passando pela Antropofagia (“O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará”, como lemos no Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade), até chegar nos Parangolés, de Hélio Oiticica (“se eu vou para a rua feito doido de CAPA pra dar pra vestir, eu vou pra DAR DE VESTIR: a capa veste e desnuda ao mesmo tempo”), e na Tropicália (Rogério Duarte “psicografaria” Gilberto Gil, em 1968, no texto da contra-capa do álbum deste: “Qual a fantasia que eles vão me pedir que eu vista para tolerar meu corpo nu? Vou andar até explodir colorido. O negro é a soma de todas as cores. A nudez é a soma de todas as roupas”) se condensam no “te-ato” d’O rei da vela: a ficção mostraria o substrato ficcional da vida e, com isso, se converteria em meio de transformá-la. Dito de outro modo: a alocação, em esferas separadas, da arte e da política, era questionada.

332

“Ele [Oswald de Andrade, em O Rei da Vela] deflorou a barreira da criação no teatro e nos mostrou as possibilidades do teatro como forma, isto é, como arte e antiarte. Como expressão audiovisual. E principalmente como mau gosto. Única forma de expressar o surrealismo brasileiro. Fora Nelson Rodrigues, Chacrinha talvez seja seu único seguidor, sem sabê-lo” (MARTINEZ CORRÊA, José Celso. “O Rei da Vela: Manifesto do Oficina”. Em: ANDRADE, Oswald de. O Rei da Vela. pp. 21-29; citação na página 26). 333

festivos pudicos NÃO VENHAM!”.334 E, de fato, a montagem produziu efeitos. O mencionado documento do Oficina, que contém as “Opiniões do Público sobre o espetáculo” – entre as quais encontramos depoimentos de artistas, estudantes, professores, operários, capitalistas, anônimos, e até mesmo de um diplomata, que declarou, simplesmente: “Horroroso” –, revela um compósito de reações heterogêneas. A começar pelo ponto de vista estético: se, por um lado alguns estudantes destacam seu valor de retrato “da realidade do seu tempo”, da “autenticidade do ambiente sócio-econômico que vivemos”, “da verdadeira realidade brasileira”, de “nossa realidade em [19]67”, ou seja, o seu caráter representativo e didático – “Há muito tempo que não se faz coisa tão real” –; por outro, dois espectadores o relacionaram ao dadaísmo: um anônimo, de forma pejorativa, caracterizou a peça como sendo “dadaísmo caboclo”, uma volta à “verborragia futurista”; por sua vez, o artista Nelson Leirner conferiu à encenação o “mesmo significado que dentro das artes o dadaísmo teve para com o mundo contemporâneo”. Do mesmo, a atualidade da peça é ora ressaltada como “flagrante”, como vimos, ora negada por repetir “velhos chavões dos anos 1930”, década em que foi originalmente publicada, estando “superada” e ligada “aos círculos da esquerda irresponsável de 1964”, em uma referência à explicação oficial sobre o golpe militar daquele ano. Se a maioria das opiniões é favorável, há também várias negativas – “faccioso”, “Demagogia”, “Merda”, “Fogo! (não palmas)”, etc. –, bem como acusações de imoralidade – “É imoral pelo simples fato de quer[er] ser imoral” –, e desrespeito “a presença do espectador”. Neste último ponto, confluem tanto as opiniões contrárias quanto as favoráveis: o “happening tupi” cumpria a proposta do “te-ato”, como se vê pelos adjetivos constantemente invocados pelo público: “incômodo”, “chocante”, “arrepiante”, “mordaz”, “cruel”, “destruidora”, etc. Era o valor do choque, do efeito produzido pelo “poder subversivo da forma” que estava em jogo: por um lado, aqueles que acreditavam que isso de nada contribuía “para a reorganização da grande Pátria”; por outro, os que achavam que a peça era “O melhor que se pudesse fazer para ‘acordar’ as platéias adormecidas e no completo marasmo”.

Quando encenada pela primeira vez já durante a ditadura militar instaurada em 1964, O Rei da Vela sofreu com a censura335: primeiro, os

334

Ibidem, p. 104. 335

A dramaturgia de Oswald de Andrade é inseparável da censura a que foi submetida. Em 1934, policiais – “grilos”, como eram chamados – fecharam o espaço, de nome sugestivo, onde seria encenado O Homem e o Cavalo: o

órgãos censores determinaram o corte da cena em que o protagonista era empalado, e apreenderam um canhão de luz gigante que servia de pênis a um boneco, sob a justificativa de ser “material subversivo”.336 Mais tarde, depois do Ato Institucional n.5337, a peça foi integralmente “Teatro da Experiência”, idealizado por Flávio de Carvalho. Mais tarde, em 1972, a mesma peça receberia parecer negativo dos censores da ditadura militar: “a técnica de censura Maria Luiza Barroso Cavalcanti (...) destacou dois pontos fundamentais com implicações no campo da segurança nacional: o texto teatral, no campo político, apresentava apologia ao comunismo, enaltecia o regime soviético e exaltava a revolução do proletariado; na esfera moral, evidenciava tese antirreligião e anticristo. Em resumo, a censora federal considerou a força do argumento e o poder de convencimento de O Homem e o Cavalo como elementos atentatórios à segurança nacional” (SOUZA, Miliandre Garcia de Souza. “‘Ou vocês mudam ou acabam’: aspectos políticos da censura teatral (1964-1985)”. Topoi – Revista de História (UFRJ). v. 11, n. 21. Rio de Janeiro: jul-dez/2010. pp. 235-259; citação: p. 240). Em 1967, mesmo ano da encenação pioneira de O Rei da Vela, outra peça (ou melhor, os “mistérios gozosos à moda de ópera” chamados de O santeiro do Mangue), foi proibida de circular como separata da revista Mirante das Artes – não aparecendo, também devido à censura, nas suas Obras completas, que saíram em 1971. Nela também um programa político se traduz em afrontas ao conservadorismo moral, usando de paródias à Igreja Católica – “o pão nosso de cada dia” se converte em “o pau nosso de cada noite” – para tratar do “esgoto sexual da burguesia”, a zona de prostituição carioca conhecida como Mangue. Em 1995, O Santeiro do Mangue foi encenado pelo Oficina em Araraquara, o que rendeu ao grupo um processo por “vilipendiar atos e objetos de culto religioso” – pois, na encenação da comunhão do corpo de Cristo, a hóstia era substituída por uma banana, em outra referência fálica –, acusação da qual o grupo só foi inocentado em 2000. 336

Com o boneco, não se fazia referência somente à subsunção, presente no texto da peça, do sexo aos interesses econômicos, mas se criava uma nova acepção para o significante “vela”: além do atraso, do colonialismo, do casamento entre tradição e modernidade, “a vela como falus”, insígnia do patriarcalismo, como lemos no “Manifesto do Oficina” (MARTINEZ CORRÊA, José Celso. “O Rei da Vela: Manifesto do Oficina”. p. 24).

337

O artigo 9º desse ato que decretou o golpe dentro do golpe facultava ao “Presidente da República (...) adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e e do §2º do art. 152 da Constituição” de 1967, ou seja, a “suspensão da liberdade de reunião e de associação” (alínea d) e a “censura de correspondência, da imprensa, das telecomunicações e diversões públicas” (alínea e). O próprio regime revelou, no famoso julgamento sobre o censura da revista Opinião, que era esse o fundamento jurídico da censura pós- 68. À época, até mesmo certos juristas não entenderam o amparo legal da censura, na medida em que o §2º art. 152 da Constituição se referia às medidas que só podiam ser tomadas no estado de sítio, o qual não havia sido

proibida. Contudo, o mais intrigante é que, feitas algumas alterações nos diálogos que não modificam a trama e o tom satírico, a censura autorizou que fosse levada aos palcos novamente. Assim, por exemplo, depois da censura, o termo “renovação” substitui o mais carregado ideologicamente “Revolução Social”. Mesmo que a ditadura houvesse se iniciado com a auto-intitulada “Revolução de 64”, a palavra remetia de modo mais forte ao ideário de esquerda; já “renovação” possui uma grande dose de ambigüidade no cenário político, podendo tanto remeter a um programa “progressista”, quanto a uma proposta “conservadora” – e o próprio partido de apoio ao regime militar se chamava Aliança Renovadora Nacional (ARENA). A maioria das alterações visava retirar referências diretas a certos sujeitos, passando-as ao impessoal. Assim, “A polícia me perseguiria” dá lugar a “Eles me perseguiriam”. Depois da censura, a guerra “contra a Rússia” se torna uma guerra “contra eles”. O caráter conflitual e político das relações sociais também se esfuma: “uma multidão de trabalhadores para nos dar a nota” fica sendo “uma multidão para nos ajudar”; “algum comunista morto num comício” se converte em “alguém morto num comício”. O que se deve sublinhar novamente é que, no contexto da peça, tais alterações não escondem tanto o que apagam formalmente. Isto fica mais evidente quando o estatuto de colônia econômica do Brasil não é omitido pela censura, que faz questão, apenas, de apagar os nomes dados aos imperialistas: “Os ingleses e os americanos temem por nós” passa a ser “Todos temem por nós”. Todavia, o personagem chamado “O Americano”, ou “Mr. Jones”, não foi cortado da peça; ao contrário, mesmo com a censura, continua controlando as peripécias dos capitalistas brasileiros e continua cabendo a ele a última frase: “Good business!”. Uma alteração, destarte, é sintomática do procedimento censório: a substituição de “um tostão de cada morto nacional” por “um tostão de cada um que se vai”: uma

eufemização. Nas palavras do diretor do Oficina: “Eles [os censores

brasileiros responsáveis pelas alterações a’O Rei da Vela] reescreveram algumas palavras do texto, colocando palavras mais fracas. Fizeram

formalmente decretado. Mas o pulo do gato do AI-5 consistia justamente em liberar juridicamente os poderes de exceção: através dele, o regime podia fazer uso dos poderes do estado de sítio fora do estado de sítio, julgando caso a caso a necessidade das medidas em “defesa da Revolução”. Não era preciso decretar o estado de sítio, o AI-5 era a decretação do estado de sítio, a normalização da ditadura militar como exceção permanente.

igual ao que acontece na União Soviética, onde os textos são alterados”.338

A preocupação excessiva com os significantes, as palavras e a forma não é uma excrescência da nossa ditadura, mas o modus operandi de sua prática censória. De fato, é conhecida a obsessão da censura por cortar palavrões – por vezes, os artistas os incluíam em grande número para garantir que alguns passassem pelo crivo –, ou substituí-los (“foda- se” por “dane-se”, por exemplo). A atenção aos significantes às vezes beirava ao absurdo, como na substituição de “lavagem” por “enema” em uma encenação de O doente imaginário, ou na supressão de “eczema” em outra peça.339 Caetano Veloso sofreu com esse tipo de obsessão do aparato repressor pela forma, pelo significante. No seu livro Verdade

Tropical, o músico tropicalista relembra uma conversa, de quando

estava preso, que travou com um capitão militar treinado nos EUA, o qual citava Freud e Marcuse:

338

“O rei da vela ‘e a revolução social’”. Luz & Ação: jornal da Cooperativa

Brasileira de Cinema. s/d. p. 5. Curiosamente, o “eufemismo” encontrado pra

“feudal” e “semi-colonial” foi “tropical”. Para um elenco maior das alterações textuais impostas pelos órgãos censores (ou negociados entre estes e o Teatro Oficina) à peça, cf. MAGALDI, Sábato. Teatro da ruptura: Oswald de

Andrade. São Paulo: Global, 2004. pp. 102-108. Sobre a censura nos regimes

soviéticos e socialistas reais, é interessante notar que, em muitos casos, não havia órgãos explícitos de censura, mas sim de planejamento da atividade literária, de tal modo que seus integrantes, na medida em que planificavam a literatura da mesma maneira que se fazia com a economia, sentiam-se legitimados a sugerir (o que equivalia a impor) alterações. Cf. DARNTON, Robert. “O significado cultural da censura: a França de 1789 e a Alemanha Oriental de 1989”. Como se sabe, a forma artística privilegiada que a URSS adotou a partir do primeiro Congresso de Escritores Soviéticos, realizado em 1934 com a organização de Andrej Zdanov, foi o “realismo socialista”, que se amparava na tipicidade exemplar de personagens e situações. Uma das fontes dessa concepção é Engels, o qual formulava que o “realismo (...) implica, além da verdade do detalhe, a verdade na reprodução de personagens típicos em circunstâncias típicas” (citado em JANSEN, Sue Curry. Censorship: the knot

that binds power and knowledge. Nova Iorque: Oxford University Press, 1991.

p. 234; n. 20). Por meio do tipo exemplar, o romance soviético servia de

propaganda ideológica da virtude socialista e de pedagogia do regime. 339

Para mais exemplos de censura teatral, cf. COSTA, Cristina. Censura em

cena: teatro e censura no Brasil: Arquivo Miroel Silveira. São Paulo: EdUSP;

[O capitão] Referiu-se a algumas declarações minhas à imprensa em que a palavra desestruturar aparecia, e, usando-a como palavra-chave, ele denunciava o insidioso poder subversivo do nosso trabalho. Dizia entender claramente que o que Gil e eu fazíamos era muito mais perigoso do que o que faziam os artistas de protesto explícito e engajamento ostensivo.340

Com relação ao controle da imprensa, também havia censura que não dizia respeito ao conteúdo, mas à forma em que ele era transmitido. Assim, proibia-se “a divulgação de notícias tendenciosas, vagas ou falsas”, e o uso de termos como “fonte fidedigna”, “pessoa ou político bem informado”, “fontes autorizadas da Presidência”, etc.341 Os assaltos a bancos promovidos pela guerrilha por vezes podiam ser noticiados, desde que se “resumisse o mais possível e nas páginas internas dos jornais periódicos”. Uma Recomendação para a imprensa escrita,

falada e televisada ordenava “Não publicar manchetes ou títulos, que

chamem a atenção do público, referentes a crimes, nem estampar fotografias que despertem a concupiscência ou atentem contra a moralidade da família brasileira, sejam obscenas ou deprimentes (...). É vedada a descrição minuciosa do modo de cometimento de delitos”.342 Não foi à toa, portanto, que Cristina Costa tenha argumentado que “A negociação pelas palavras é a moeda do processo censório”.343 Como entender essa preocupação da censura com a forma para além do conteúdo, com o significante para além do significado? Como entender a cotação dessa moeda?

5.3. Pode ser que seja só o leiteiro lá fora, peça de Caio Fernando

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