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3 A TIPOLOGIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.2 A CONCEPÇÃO DE TIPO NA CIÊNCIA DO DIREITO

3.2.1 O tipo como forma de pensamento, ou em sentido próprio

3.2.1.2 Tipo e sua relação com a teoria dos protótipos

Embora os doutrinadores apresentem algumas variações acerca do sentido de tipo propriamente dito, todas as concepções fundam-se sobre um núcleo comum: os tipos identificam-se com a teoria dos protótipos de Eleanor Rosch, ora equivalendo ao conceito prototípico, ora ao protótipo da categoria.

Inicialmente, vale reprisar que o tipo ideal ou heurístico não é encontrado nas normas de direito positivo, podendo ser utilizado pelos doutrinadores no processo de construção de teorias jurídicas. Os tipos direito penal do cidadão e direito penal do inimigo, de Günther Jakobs, por exemplo, constituem tipos ideais114, não identificados com nenhum ordenamento

112 KAUFMANN, op. cit., p. 94-95.

113 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

114

Nas exatas palavras de Jakobs, o “direito penal do cidadão” e o “direito penal do inimigo” são “dois tipos ideais que dificilmente aparecerão trasladados à realidade de modo puro.” (JAKOBS, Günther. O direito penal do cidadão e o direito penal do inimigo. In: JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas. Organização e tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 21). Por rigor conceitual, cumpre notar que o autor enunciou as suas construções teóricas como tipos ideais, mas, em seguida, ao asseverar que só dificilmente manifestar-se-ão na realidade de modo puro, reconheceu-lhes característica de tipos extremos, já que uma das marcas do tipo ideal weberiano é a impossibilidade de sua aparição no mundo real. Não obstante essa dissonância com a teoria de Max Weber, parece que o “direito penal do cidadão” e o “direito penal do inimigo” são, de fato, tipos ideais no sentido atribuído pelo sociólogo alemão.

jurídico em especial, tendo sido elaborados com o intuito de servir de instrumento para comparar e analisar a realidade de cada sistema jurídico específico.

Outro ponto que merece ser relembrado é que a teoria dos protótipos nasceu da constatação empírica de que nem todos os membros de uma categoria ou classe são igualmente representativos, havendo alguns que são considerados mais típicos ou mais exemplares que outros. Esse integrante mais representativo é chamado de protótipo, e a partir da comparação com ele é que se procederia à classificação dos demais membros da categoria. Esses resultados levaram os pesquisadores a formular uma nova teoria sobre o conceito, que, na concepção clássica ou aristotélica, era entendida como uma abstração formada por conjunto de propriedades necessárias e suficientes. Para a teoria dos protótipos, os conceitos são também abstrações, mas compostas por propriedades que não precisam estar presentes ao mesmo tempo, sendo, portanto, renunciáveis, e cujos limites são obscuros e imprecisos. Outra diferença é que, no modelo tradicional, todos os objetos abrangidos pelo conceito possuiriam o mesmo status na categoria, o que não é aceito pela teoria prototípica.

No capítulo anterior, demonstrou-se que as duas teorias convivem, tendo em vista a existência tanto de conceitos precisos e bem definidos por propriedades necessárias e suficientes, quanto de conceitos vagos em que a classificação deve ser realizada a partir da comparação com o protótipo.

Entretanto, não existe um limite preciso que separe os conceitos tradicionais dos

conceitos prototípicos. As características de uma dessas espécies de conceito são graduáveis,

e podem estar presentes em maior ou menor medida, ou mesmo ausentes, em cada conceito, e combinadas das mais variadas formas. Por isso, reconhece-se que a própria estrutura dos conceitos é prototípica. Os conceitos são como um espectro de cores, cujas características das espécies clássicas e prototípicas entrecruzam-se, formando uma continuidade indiferenciada.

O tipo extremo de Hempel e o tipo médio de Radbruch correspondem à noção de protótipo na teoria de Rosch. Em outras palavras, o tipo extremo e médio exerce o papel de membro mais característico de uma categoria ou classe, com base no qual serão comparados os demais fenômenos individuais.

A equivocada associação do tipo extremo ou médio a uma abstração e do protótipo a um fenômeno real levaria à negação da identidade entre esses conceitos. Contudo, deve-se evitar tal confusão, pois tipos e protótipos constituem a mesma realidade. Primeiramente, não se pode olvidar que os tipos extremos e médios, diferentemente dos ideais, podem coincidir com a realidade, embora tal situação possa até não ocorrer com frequência. Ademais, o

protótipo tanto pode ser um indivíduo do mundo real quanto uma abstração. Se se afirma que os Estados Unidos é o protótipo de federação, tem-se um protótipo real; mas quando se afirma que a andorinha é o exemplo mais representativo de ave, tem-se um protótipo abstrato, pois não se está referindo a uma determinada andorinha específica, mas às andorinhas em geral.

Na doutrina de Karl Larenz, o tipo real corresponde ao conceito prototípico, haja vista que os standards são exemplos característicos de conceitos com limites vagos. Os tipos de frequência ou médio, tal qual na teoria de Radbruch, identificam-se com protótipos. Os tipos reais normativos, já que são formados por notas distintivas graduáveis, também são espécies de conceitos na acepção prototípica. Por fim, os tipos jurídicos-estruturais, que são os encontrados na realidade, geralmente serão conceitos prototípicos, podendo, no entanto, apresentar a forma de conceitos tradicionais, pois a diferença entre as duas modalidades de conceito está fundada na estrutura e não na origem.

Analisando a construção de Kaufmann, observa-se que o tipo pode assumir a forma de protótipo e de conceito prototípico. Quando o tipo é considerado como o ponto médio entre o particular e o geral, o qual funcionará como instrumento de comparação do fato e norma, identifica-se com o protótipo da teoria de Rosch. Por outro lado, quando o tipo é entendido como um conceito de ordem, funcional ou de sentido, aberto e graduável, será um conceito prototípico.

A posição de Yonne Dolacio de Oliveira115 merece ser destacada. A autora, com base no pensamento de Karl Larenz, antes da sua reformulação, e Miguel Reale, defende a existência de tipos abertos e cerrados. Os primeiros seriam os de limites fluidos, flexíveis, e características graduáveis, que procuram conservar a continuidade da vida. Os tipos cerrados seriam resultantes da transformação dos tipos abertos, mediante a sua limitação que se dá pela fixação de características eleitas como necessárias.

Ora, também não se percebe qualquer diferença, exceto talvez pela forma de constituição, entre tipos abertos e conceitos prototípicos, e tipos cerrados e conceitos no sentido clássico.

Em resumo, no Direito, o conceito no sentido aristotélico é chamado de conceito, conceito de classe ou classificatório, conceito de gênero, conceito fechado ou tipo fechado; enquanto os conceitos prototítpicos são conhecidos por tipo, conceito de tipo, conceito de ordem, conceito funcional, conceito de sentido, conceito aberto, tipo aberto, dentre outros que

115

OLIVEIRA, Yonne Dolácio de. A tipicidade no Direito Tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 22-28.

serão analisados mais adiante. Deve-se ter em mente que tanto tipos quanto conceitos (de classe) constituem conceitos em sentido amplo. Já o protótipo ganha pela doutrina jurídica a alcunha de tipo, tipo médio, tipo extremo ou tipo de frequência.

A designação do tipo como conceito de ordem (cf. Kaufmann) ou conceito de tipo (cf. Radbruch), em oposição ao conceito tradicional, chamado de conceito de classe, é até mais adequada que a classificação em tipo e conceito. Afinal, tipo e conceito (de classe) não possuem natureza distinta, mas são ambos conceitos latu sensu. O conceito é uma abstração representativa de uma pluralidade de seres e o tipo é uma espécie daquele, porque também é empregado para se pensar unitariamente acerca de uma pluralidade. O tipo usos comerciais, por exemplo, engloba uma multiplicidade de práticas para as quais é possível conferir tratamento unitário.

Assim como os conceitos clássicos e os conceitos prototípicos não estão separados por fronteiras rígidas, os tipos (conceitos de tipo ou ordenadores) e conceitos (conceito de classe), para utilizar a terminologia mais usual na literatura jurídica, também constituem pontos opostos, cujos limites, que podem ser nítidos na teoria, são frequentemente imperceptíveis empiricamente. Com razão, Misabel Derzi116, citando o jurista alemão Detlev Leenen, aduz que “a distinção entre tipo e conceito é gradual e tipológica. Entre os dois pólos identificáveis nitidamente – de um lado, o tipo puro e, de outro, o conceito classificatório fechado – surgem várias transições fluidas”. No mesmo sentido, Humberto Ávila117

ensina “que não é sustentável uma separação entre tipo e conceito”.

A posição ora sustentada, vale registrar, não é inédita. De acordo com Misabel Derzi118, em trabalho posterior, a questão dos limites entre o tipo e o conceito encontra três propostas de solução na Ciência do Direito: a) para uma primeira corrente, representada por Winfried Hassemer, Arthur Kaufmann, os tipos permeiam todo o campo jurídico, inexistindo uma alternativa entre tipo e conceito; b) a segunda corrente aceita a dicotomia, “quer identificando os tipos aos conceitos abertos (Strache e H. J. Wolff), quer opondo tipo a conceito de forma gradativa para diferenciar os conceitos abertos e indeterminados, dos tipos

116 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 62.

117 ÁVILA, Sistema constitucional…, 2012, p. 261.

118 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Mutações, complexidade, tipo e conceito, sob o signo da segurança jurídica e da proteção da confiança. In: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Tratado de direito constitucional tributário: estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 264.

propriamente ditos”; c) a última corrente confunde o tipo com o conceito determinado e fechado, identificando-o a uma versão equivocada de Tatbestand.

Nesse trabalho, contudo, Misabel Derzi119 reafirma a sua tese no sentido da distinção entre tipos e conceitos, mesmo aqueles indeterminados, aduzindo que os tipos são abertos pela renunciabilidade de suas notas, enquanto que as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados são abertos em razão da sua vagueza.

Assim, para a doutrinadora, os tipos nada mais são que os conceitos que possuem a primeira característica ou efeito dos conceitos prototípicos, conforme exposto no item 2.4.2.3, isto é, não são definidos por um conjunto de atributos necessários e suficientes. Por sua vez, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados são conceitos que possuem a quarta característica ou efeito, vale dizer, a obscuridade de seus limites.

Não obstante, essa distinção não parece oferecer qualquer vantagem. Primeiro, porque o critério utilizado não permite classificar os conceitos que não são formados por atributos necessários e suficientes e ainda apresentam limites obscuros. Segundo, porque os tipos, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados estão submetidos a idêntico tratamento jurídico.

Desse modo, é melhor entender que tipos e conceitos (de classe) são os pontos extremos de uma mesma escala, a dos conceitos latu sensu, cujas propriedades, que os caracterizam, vão sendo gradualmente realçadas ou atenuadas a cada ponto de referência.