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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.6 Equilíbrio financeiro de médio longo prazo estrutura financeira

2.5.7 O endividamento das SNF portuguesas

As empresas portuguesas encontram-se frequentemente sobre-endividadas, sendo que regra geral estas apresentam níveis de passivo na sua estrutura financeira superiores às suas congéneres europeias. Em 2014 o endividamento do setor privado em Portugal, medido pelos passivos das contas consolidadas das SNF e particulares, foi de 189,6% do PIB, o nono mais elevado da União Europeia, situando-se acima do limiar de endividamento definido no Macroeconomic Imbalances Procedures (MIP), de 133% (Synek, 2015). Tendo em conta somente as SNF, verifica-se para o mesmo ano que estas tinham um endividamento em percentagem do PIB de 108,1%, valor que por si só está próximo do limiar total estabelecido pela Comissão Europeia (CE), sendo o remanescente da responsabilidade dos particulares.

Para Ferrão (2012) os fatores determinantes desse excessivo endividamento podem estar relacionados com diferentes aspetos de entre os quais se destaca os problemas de agência, como são definidos em Jensen e Meckling (1976), que muitas empresas possivelmente enfrentam quando têm a necessidade de recorrer a novas fontes de financiamento. Nesta linha, o mesmo autor faz menção aos resultados da investigação realizada por Kim e Sorensen (1986), que observaram que as empresas com uma maior proporção de capital

45 detido internamente eram aquelas que mais recorriam ao passivo financeiro, precisamente pelo facto de serem confrontadas com maiores custos de agência de capital próprio, no caso de decidirem pela abertura do capital.

Aos aspetos acima mencionados soma-se ainda o facto do grande dinamismo do setor financeiro português e do peso modesto do mercado de capitais na economia portuguesa, fazendo com que o recurso ao endividamento seja porventura a solução mais óbvia, logo após esgotados os fundos internamente gerados, em consonância com o exposto na teoria do pecking order.

Da análise ao quadro seguinte podemos constatar a débil situação financeira das empresas portuguesas, caraterizadas principalmente pelo excessivo endividamento e pela insuficiência dos resultados operacionais.

Quadro 1: Estrutura financeira das SNF Portuguesas

Fonte: Adaptado de Ferrão (2012:13)

Ao observarmos o Quadro 1 e particularmente a evolução do rácio EBITDA/VN, verifica- se uma clara degradação das condições de exploração das empresas portuguesas (com o seu pico em 2012). A capacidade de gerar cash flow operacional é reduzida, tornando-se assim mais difícil o pagamento de juros e impostos, e ainda a amortização dos empréstimos junto das Instituições Financeiras. Em 2015 a situação melhorou relativamente aos anos transatos, porém a performance operacional média das empresas portuguesas ainda é insatisfatória.

Indicadores

(em percentagem) Anos Q1 Q2 Q3 Aparada Agregado

2010 0,16 24,25 58,28 20,50 30,18 2011 -2,83 24,35 59,89 17,66 29,67 Autonomia Financeira 2012 -7,04 23,68 60,36 13,36 29,09 2013 -7,62 24,02 60,65 11,96 29,63 2014 -7,93 25,45 62,39 10,88 29,53 2015 -6,63 27,09 64,20 11,43 31,80 2010 -3,75 5,23 14,69 2,76 11,77 2011 -7,75 4,37 13,79 0,09 8,47

EBITDA/ Volume de negócios 2012 -11,78 3,45 12,66 -2,63 8,01

2013 -8,65 4,26 14,31 -0,34 8,94

2014 -7,35 4,87 15,86 1,00 8,85

2015 -4,21 5,57 16,69 3,01 10,74

46 Relativamente à autonomia financeira, verifica-se que a mediana dada pelo quartil 2 nos seis anos em análise ronda os 25%, o que é um rácio reduzido. Se tivermos em conta a média aparada (11,43% em 2015), a situação é ainda mais preocupante, face ao reduzido peso dos capitais próprios na estrutura de capitais das empresas portuguesas. Outra realidade alarmante exposta no Quadro 1 corresponde ao facto do quartil 1 apresentar valores muito reduzidos, sendo mesmo negativos a partir de 2011. Ora o quartil 1 representa o valor central da primeira semissérie da distribuição, correspondendo ao valor que se situa acima de 25% dos rácios da distribuição. Conjugando estas informações é fácil concluir que ao longo dos últimos anos e de forma consecutiva mais de 25% das SNF portuguesas apresentam capitais próprios negativos, o que equivale a dizer que estão tecnicamente falidas.

Segundo os estudos da central de balanços no âmbito da análise setorial das SNF, em 2015 29% das SNF portuguesas apresentavam capitais próprios negativos. Esta situação era registada por 31% das microempresas, mas apenas 5% das grandes empresas. A nível setorial os valores mais preocupantes estavam no setor do comércio e outros serviços (31% em ambos os casos), merecendo ainda destaque a situação crítica do subsetor do alojamento e restauração e similares onde a taxa sobe para 49%.

Porém não é de hoje que parte significativa das SNF são financiadas totalmente por capitais alheios, sendo que entre 2008 e 2012 cerca de 26% das empresas registaram capitais próprios negativos. Segundo informações da análise setorial do BdP 2012-2013, 49% das empresas com capitais próprios negativos no ano de 2006 cessaram atividade nos seis anos seguintes, sendo que só 17% conseguiram inverter a situação e passaram a ter capitais próprios positivos, o que leva a concluir que grande parte das sociedades que atualmente apresentam capitais próprios negativos tenderá a encerrar a sua atividade ao longo dos anos seguintes.

Outro facto ainda a realçar do estudo é que 19% das empresas com capitais próprios negativos em 2012 já estavam nesta situação desde 2006. Geralmente estas situações decorrem de anos consecutivos de acumulação de prejuízos ao nível de resultados líquidos, não conseguindo as empresas gerar rendimentos suficientes para suportar a manutenção da sua atividade, o que contribui para agravar o nível negativo dos capitais próprios.

47 Face ao excessivo endividamento das empresas portuguesas e à diminuição da disponibilidade de crédito sobretudo após a implementação do programa de ajustamento financeiro da Troika, as SNF têm sido obrigadas a reduzir o uso do passivo financeiro. Segundo informações da Central de Responsabilidade de Crédito do BdP, os empréstimos concedidos pelas instituições de crédito (IC) residentes às SNF tem diminuído continuamente nos últimos anos, representando no final de junho de 2016 apenas 75,4% do valor observado no final de 2011 (Figura 2). A desalavancagem das empresas portuguesas é notória, porém ela é feita de forma lenta. Segundo Ferrão (2012), uma das razões para essa lenta desalavancagem é a pouca dinâmica do mercado de capitais português, implicando que a reorganização financeira seja necessariamente um processo vagaroso.

Figura 2: Evolução do financiamento obtido junto de IC residentes e respetivo crédito vencido

Fonte: Análise setorial das SNF em Portugal 2011-2016, Estudos da central de balanços.

As PME’s representam o grupo dimensional responsável por mais de metade do crédito das empresas (50,9%). As microempresas por sua vez detinham 35,2% do crédito concedido por IC residentes (dados de junho de 2016), sendo que as grandes empresas eram responsáveis pela menor fatia do crédito (13,9%). Segundo a análise setorial das SNF em Portugal do BdP, esta repartição permaneceu relativamente estável ao longo dos últimos anos.

Sendo responsáveis por mais de metade do crédito concedido às empresas, as PME’s representam também a classe dimensional que mais tem contribuído para a desalavancagem das SNF portuguesas nos últimos anos. As grandes empresas por sua vez vêm apresentando um processo de desalavancagem muito mais lento, tendo inclusive os

48 empréstimos concedidos a esta classe dimensional aumentado em alguns períodos durante os últimos anos.

Apesar da evidente desalavancagem, a qualidade do crédito medido pelo rácio de crédito vencido tem deteriorado nos últimos anos, expondo a situação de grandes dificuldades financeiras que atualmente enfrentam boa parte das empresas portuguesas (Figura 2). De acordo com a informação da Central de Responsabilidades de Crédito do BdP, este rácio ascendeu a 16,7% no final de junho de 2016, que compara com 7,2% no final de 2011 (4,8% em 2010), traduzindo-se numa clara degradação da qualidade do crédito.

Por classes de dimensão eram as microempresas a apresentarem o maior rácio de crédito vencido (25,8%), traduzindo-se em maiores dificuldades em cumprir com as obrigações financeiras decorrentes de empréstimos contraídos junto de IC. As PME’s apresentavam um rácio de 13,7%, enquanto que as grandes empresas detinham a menor percentagem de incumprimento (4,3%). O aumento do nível de incumprimento é generalizado a todas as classes dimensionais, já que em 2010 o rácio de crédito era de 7,8%, 3,7% e 1,0% para as microempresas, PME’s e grandes empresas respetivamente.

É de se realçar ainda que o desendividamento do setor não financeiro privado não encontra correspondência no setor não financeiro público. Se é verdade que o caminho de desendividamento das empresas portuguesas continua, também é de se destacar que o crédito total à economia portuguesa aumentou de 640 mil milhões em 2010 para 711 mil milhões em julho de 2016 (Figura 3). O desendividamento conseguido pelas empresas privadas portuguesas, de 435 mil milhões para 405 mil milhões, foi compensado por um aumento do endividamento do setor público de 204 mil milhões para 306 mil milhões, ou seja, o esforço de liquidação de dívidas das empresas à banca foi anulado por um aumento ainda maior de crédito às instituições públicas.

49 Figura 3: Dívida total das SNF (milhões de euros)

Fonte: Carmona (2016), Missão crescimento.

Verifica-se assim que a «torneira de crédito» está fechada desde o eclodir da crise da dívida soberana essencialmente para as empresas de menor dimensão (microempresas e PME’s), dado que quando analisados os dados das grandes empresas, e principalmente do setor público não financeiro, observa-se que a realidade é um tanto diferente.

Segundo a análise da CE no âmbito do MIP apud Synek (2015), o elevado nível do endividamento empresarial em Portugal pode constituir um grande entrave à rendibilidade das empresas, à aceleração do produto potencial e estabilidade financeira do país, mediante o impacto de um grande número de créditos malparados no balanço dos bancos e a elevada exposição ao setor não financeiro. A desalavancagem operada no setor privado português foi enquadrada no tipo «ativa» (de acordo com os critérios da CE), relativamente bem sucedida mas não finalizada, dado que a necessidade de prosseguimento de desalavancagem e de reajustamento dos balanços das SNF ainda é elevada, e vai continuar a condicionar a atividade económica atual e as perspetivas para os próximos anos.

Assim sendo, conclui-se que o processo de desalavancagem das SNF em curso, face ainda aos excessivos níveis de endividamento, está longe de estar concluído. Salienta Synek (2015) que é necessário continuar com os esforços de ajustamento feitos até o momento, de modo a corrigir importantes desequilíbrios macroeconómicos, permitindo uma maior solidez futura do setor bancário, e tendentes a contribuir para uma melhoria da qualidade dos seus ativos e o regresso consolidado de uma rendibilidade positiva.

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