• Nenhum resultado encontrado

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.5 Gestão eficiente do fundo de maneio

2.5.1 Gestão de créditos a clientes

Quando as empresas vendem bens e serviços podem exigir o pagamento antes da entrega, na data da entrega, ou ainda conceder crédito para os seus clientes, permitindo que o pagamento seja efetuado dentro de um prazo (pós data de entrega). A decisão de concessão de crédito constitui um investimento em clientes, e tem o principal objetivo de estimulação das vendas.

O investimento em contas a receber tem benefícios e custos, de modo que torna-se importante prestar especial atenção a esta rúbrica, observando ao duplo objetivo de liquidez e rendibilidade. Assim, a gestão do crédito a clientes é importante pois sem ela há uma grande probabilidade de constituição de níveis excessivos de contas a receber, que levariam a fluxos de caixa em declínio. A má gestão das contas a receber resulta em dívidas incobráveis que reduzem os níveis de rendibilidade e liquidez da empresa.

Nas últimas décadas várias pesquisas têm sido desenvolvidas de forma a estudar os prós e contras do investimento em contas a receber. Por um lado, o crédito comercial concedido é caro e envolve um custo de oportunidade. Além disso, o crédito comercial concedido aumenta o nível de investimento em ativo circulante envolvendo o risco de incumprimento por falta de pagamento, de modo que a sua concessão pode ter efeitos negativos sobre a rendibilidade e a liquidez (Cheng & Pike, 2003).

Por outro lado, algumas motivações para a concessão de crédito incluem a redução dos custos de transação, a estimulação das vendas em períodos de baixa procura por relaxar as condições de crédito (Emery, 1984), a redução da assimetria de informação entre o comprador e o vendedor (Pike, Cheng, Cravens & Lamminmaki, 2005), e o facto deste crédito funcionar como um mecanismo de discriminação de preços entre clientes que usufruem do crédito e aqueles que pagam a pronto (Petersen & Rajan, 1997).

24 Martinez-sola, García-Teruel e Martinez-solano (2013b) realizaram uma pesquisa sobre a relação entre o valor da empresa e o crédito concedido a clientes para uma amostra de empresas espanholas cotadas, no período de 2001-2007. Considerando o trade-off entre benefícios e os custos de investimento em créditos concedidos, encontraram uma relação não-linear entre as contas a receber e o valor da empresa. Então os resultados obtidos mostraram que a relação entre essas variáveis é positiva quando o investimento em contas a receber é baixo, tornando-se negativa para níveis mais elevados de crédito a clientes. Assim concluíram que existe uma relação em forma de U invertido entre o investimento em contas a receber e o valor da empresa, existindo um nível de crédito ótimo que maximiza o valor da empresa.

Os autores também salientaram que o investimento em contas a receber tanto implica custos como proporciona benefícios. Para além disso, tendo em conta que o investimento em contas a receber não é permanentemente benéfico para o valor da empresa, os investidores tanto vão pressionar as empresas em limitar o crédito concedido de forma a atenuar o custo de oportunidade, o risco financeiro, a redução da rendibilidade e da liquidez, como vão encorajar os investidores a manter esse investimento por forma a maximizar os benefícios operacionais, comerciais e financeiros.

Vieira, Pinho e Oliveira (2013) tendo por base uma amostra de cerca de 700 empresas portuguesas para o período de 2000-2008, analisaram a concessão de crédito como meio de financiamento dos seus clientes. Encontraram evidências de que os fatores que influenciam o nível de crédito concedido são a dimensão, a capacidade de acesso ao mercado de capitais, a discriminação de preços e os motivos de transação. Os autores concluíram que nas PME’s o nível de crédito é influenciado essencialmente pela rotação do ativo, ao passo que nas grandes empresas existem mais fatores que influenciam o nível de crédito concedido, como o custo da dívida, a rendibilidade operacional das vendas, a liquidez, a solvabilidade, a margem bruta e o setor de atividade onde a empresa se insere.

Foi ainda encontrada evidência de que as empresas com maior margem bruta concedem mais crédito comercial aos clientes, de forma a poderem praticar uma discriminação de preços legal e a poderem usufruir de relações comerciais com esses clientes por mais tempo. Contudo, não foi encontrada evidência de que o crédito comercial permite reduzir a assimetria de informação entre uma empresa e os seus financiadores.

25 No que diz respeito à duração do período de crédito, diversos fatores têm influência, porém dois dos mais importantes são o período médio de permanência dos produtos em armazém e a duração do ciclo de exploração. Cetéris paribus, quanto menores forem estes dois fatores, menor será o período de crédito concedido (Ross et al., 2008).

Salienta-se também que a concessão de crédito é muitas vezes uma questão de sobrevivência e não de escolha, pois pode ser inerente ao tipo de negócio que a empresa pratica, podendo ser um fator determinante de sucesso ou fracasso da empresa, pois esta pode perder os seus clientes para a concorrência se não conceder créditos comerciais. Dentro da gestão da conta clientes, os descontos de pronto pagamento (descontos financeiros) representam uma prática recorrente aquando das vendas a clientes. Para Ross et al. (2008), o motivo pela qual são oferecidos é a agilização do recebimento do valor das vendas, como forma de reduzir o montante de crédito oferecido e também constituem uma forma de cobrar preços mais elevados dos clientes que receberam crédito. Para Menezes (2008, p.153) «constitui uma forma de redução do PMR e do risco de concessão de crédito, mas o seu nível não deve ser dissociado das taxas de juro vigentes no mercado para operações de prazo idêntico».

Para Ross et al. (2008) regra geral, o montante ideal de crédito é determinado pelo ponto na qual os fluxos de tesouraria incrementais do aumento das vendas são exatamente iguais aos custos incrementais do aumento no investimento em contas a receber. A decisão de concessão de crédito assenta então no trade-off maximização do lucro vs minimização do número de incobráveis.

Nesta linha de raciocínio, Brealey et al. (2013) consideram que tal como a maioria das decisões financeiras, a concessão de crédito implica uma forte dose de bom senso, de modo que o gestor de crédito deve ponderar cuidadosamente a política de crédito a adotar, sendo que se a margem de lucro for grande, justifica-se uma política de crédito liberal, caso contrário, não poderá consentir muitos incobráveis.

Salientam ainda os autores que o gestor de crédito deve ter a noção de que na análise feita aquando da decisão de crédito, terá de levar em conta o impacto da sua decisão para além do presente, pois a decisão de crédito é um problema dinâmico. Por vezes, vale a pena aceitar um risco elevado desde que haja a possibilidade do cliente se tornar um comprador regular e de confiança. Portanto, novos negócios deverão estar preparados para consentir

26 mais créditos a clientes de que negócios já consolidados, pois isto faz parte do custo de constituição de uma boa carteira de clientes.

Da análise aos diversos estudos, fica claro que o sucesso da gestão de créditos a clientes pode proporcionar importantes desinvestimentos nesta componente do ativo corrente, reduzindo a possibilidade de ocorrência de incobráveis, contribuindo assim positivamente para a tesouraria de exploração, e consequentemente, para o equilíbrio financeiro de curto prazo que é essencial para a autonomia e desenvolvimento duma empresa. A acumulação de contas a receber implica em custos e tem implícito um maior risco, justamente pelo aumento do risco de incobráveis, pelo que é crucial que o gestor procure aproximar o montante de crédito concedido ao nível ótimo, que minimize os custos de investimento em contas a receber e o respetivo risco, e ao mesmo tempo maximize a rendibilidade, e consequentemente o valor da empresa.