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Na Europa estima-se que os ciganos sejam mais de 10 milh˜oes de pessoas, consti- tuindo assim o maior grupo ´etnico minorit´ario do continente e um vasto mosaico ´etnico e cultural em cada um dos estados europeus. Mas quem s˜ao os ciganos europeus? Qual ´e a sua relevˆancia pol´ıtica, econ´omica e social? Que desafios se colocam `a sua plena integra¸c˜ao nos pa´ıses onde vivem, seja tempor´aria ou permanentemente?

Origin´arios do norte da ´India, os ciganos iniciaram o seu processo de dis- pers˜ao geogr´afica por volta do ano 1000 D.C. por motivos ainda n˜ao claramente identificados. Por volta do s´eculo XV a di´aspora cigana j´a estava presente em toda a Europa, principalmente nos pa´ıses de leste do continente.

SegundoTanner(2005) os ciganos eram conhecidos pelas suas aptid˜oes nas seguintes ´areas: m´usica, artesanato, militares e at´e mesmo leitura da sina – este facto permitiu-lhes frequentemente ser alvo de atitudes de acolhimento e respeito, nas localidades por onde passavam ou se estabeleciam. No entanto, a cor da pele, a mobilidade permanente, as hierarquias pr´oprias e rituais sagrados fizeram com que, ao longo da sua hist´oria, os ciganos enfrentassem igualmente in´umeras acusa¸c˜oes de crime e delinquˆencia, que levaram, muitas vezes, `a ex- puls˜ao da periferia das cidades que inicialmente os acolhia.

Por conseguinte, devemos come¸car a an´alise destas comunidades por salien- tar a grande heterogeneidade interna por debaixo desta designa¸c˜ao abrangente

Ciganos. Crepaldi et al. (2008, p. 1) dizem-nos que por toda a Europa

existem v´arias comunidades diferenciadas pelo modelo de fixa¸c˜ao, cultura, re- ligi˜ao, estatuto legal, l´ıngua e per´ıodo migrat´orio e que essas diferen¸cas tˆem implica¸c˜oes fortes no seu estatuto, oportunidades e qualidade de vida, mas em particular no seu n´ıvel de integra¸c˜ao na comunidade nacional mais vasta. Para al´em disso, muitas destas sub–comunidades sofrem dos mesmos problemas es- truturais, nomeadamente: discrimina¸c˜ao laboral, d´efice nos n´ıveis de educa¸c˜ao e forma¸c˜ao, bem como segrega¸c˜ao residencial.

ecnica do Projeto RomaniArt in Europe, Centro Municipal de Cultura e Desenvolvi-

Fonte: Constru´ıdo a partir de dados do Conselho da Europa, Roma and Travellers Division, 2010 Gr´afico 1: Pa´ıses com popula¸c˜ao cigana entre 100.000 e 3.000.000, no ano de 2010

Fonte: Constru´ıdo a partir de dados do Conselho da Europa, Roma and Travellers Division, 2010 Gr´afico 2: Pa´ıses com popula¸c˜ao cigana entre 10.000 e 60.000, no ano de 2010

Os mesmos autores (Crepaldi et al., 2008, p. 2) afirmam que, de entre as mais de dezoito categorias que se podem identificar, o Conselho da Europa e a OCDE reconhecem cinco grupos principais, que podem ser posteriormente divididos em dois ou mais subgrupos, distinguidos pelas diferen¸cas culturais, especializa¸c˜ao ocupacional e/ou origem territorial. A existˆencia de diferentes grupos ´e igualmente reconhecida pelos pr´oprios ciganos, por vezes com base nas similaridades, outras nas diferentes tradi¸c˜oes, culturas, l´ınguas, etc..

Embora a designa¸c˜ao Roma seja a mais comum na Europa, por ser usada pela popula¸c˜ao n˜ao–cigana ou pelos pr´oprios ciganos quando se querem diferen- ciar da popula¸c˜ao n˜ao-cigana (que eles designam de gadj´e), esta ´e uma cate- goria ex´ogena `as comunidades ciganas e inclui todos os grupos, n˜ao sendo por isso consensual, havendo mesmo alguns autores que distinguem Roma, Sinti e Travellers ou Viajantes. Outras designa¸c˜oes ex´ogenamente criadas e que nor- malmente est˜ao associadas a representa¸c˜oes negativas das comunidades ciganas s˜ao: Gypsies, Tsigane (Fran¸ca), Cigano, Tzigane, Zingari (It´alia), Gitano (Es- panha), Cigano (Portugal) e Zigeuner (Alemanha) (Council of Europe,2006, p. 2–9).

Ainda em rela¸c˜ao a este aspeto ´e de referir que n˜ao s´o as comunidades ci- ganas n˜ao partilham um mesmo territ´orio de origem, mas tamb´em n˜ao existe consenso quanto a aspetos b´asicos identit´arios e fundamentais para a coes˜ao do grupo, em particular a existˆencia comum de uma bandeira, hino, l´ıngua, etc., e at´e a pr´opria designa¸c˜ao do grupo n˜ao ´e consensual existindo, como vi- mos, praticamente designa¸c˜oes diferenciadas de pa´ıs para pa´ıs. Esta realidade pode conduzir-nos a in´umeras quest˜oes em particular, sobre constru¸c˜ao e repre- senta¸c˜ao identit´aria e nacionalimo/transnacionalismo, com reflexos evidentes na elabora¸c˜ao de pol´ıticas ajustadas.

Quadro 1 – Principais Comunidades Ciganas na Europa Designa¸c˜ao (Grupos) Localiza¸c˜ao

Sinti

Regi˜oes de L´ıngua alem˜a – Alemanha, Su´ı¸ca e ´

Austria; Norte de It´alia; Alguns Pa´ıses Escandinavos Manouche Fran¸ca e B´elgica

Polske Pol´onia

Kal´o Espanha, Sul de Fran¸ca, Portugal e Finlˆandia

Romanichels or Gypsies

Reino Unido A denomina¸c˜ao Travellers ´e bastante utilizada referindo-se aos viajantes,

sejam Roma, Sinti ou n˜ao ciganos (gens du voyage), mas que partilham caracter´ısticas, estilos de vida e estatuto social semelhante. Kalderash Balc˜as e Europa Central – Rom´enia Erlides (Yerlii or Arlije) Sudeste Europa – Gr´ecia e Turquia

Outros subgrupos importantes s˜ao: Machvaya (Machwaya), Lovari, Churari, Rudari, Boyash, Ludar, Luri, Xoraxai,

Ungaritza, Bashald´e, Ursari e Romungro.

Fonte: Constru´ıdo a partir das informa¸c˜oes apresentados emCrepaldi et al.(2008, p. 2). Outro assunto que devemos ter em conta quando estudamos as comunida- des ciganas ´e o seu estatuto socioecon´omico e legal, bem como as pol´ıticas de

integra¸c˜ao na Europa.

De acordo com um estudo realizado para o Banco Mundial, as pol´ıticas europeias para com as comunidades ciganas, quer lhes sejam especificamente direcionadas ou sejam integradas em pol´ıticas mais vastas, sempre visaram di- minuir a visibilidade destes cidad˜aos e podem ser agrupadas em dois grupos: as que pretendem excluir as comunidades ciganas do resto da sociedade, atrav´es de expuls˜ao ou guetiza¸c˜ao social e geogr´afica; e as que pretendem a assimila¸c˜ao total das comunidades ciganas na sociedade maiorit´aria, atrav´es de medidas coercivas (Ringold, Mitchell e Wilkens, 2005, p. 13). Se as primeiras expres- sam abordagens pol´ıticas hist´oricas, as segundas s˜ao mais recentes e espelham as tendˆencias e influˆencias que atualmente marcam o desenvolvimento das pol´ıticas europeias. No quadro seguinte encontra-se resumida a tipologia proposta por

Ringold, Mitchell e Wilkens(2005, pp. 13–22).

Quadro 2 – Tipologia de Pol´ıticas Europeias para os Ciganos Coercivas Baseadas em Direitos Ciganos enquanto

Exclus˜ao Direitos das minorias grupo desigual

Ciganos enquanto

Assimila¸c˜ao Integra¸c˜ao membros da sociedade global

Fonte: Traduzido deRingold, Mitchell e Wilkens(2005, p. 14).

Segundo os autores (Ringold, Mitchell e Wilkens, 2005, p. 14), esta tipo- logia retrata as diferentes formas como as sociedades nos diversos pa´ıses euro- peus tˆem abordado as comunidades ciganas e reflete diferentes respostas para quest˜oes fundamentais que surgem em torno destes grupos, como por exemplo, se devemos olhar para as comunidades ciganas enquanto grupos desiguais ou como indiv´ıduos pertencentes a uma sociedade global, independentemente das suas peculiaridades culturais; se devemos centrar-nos em medidas coercivas e de assimila¸c˜ao ou com respeito pelos direitos individuais e diferen¸cas culturais e identit´arias.

O relat´orio (Ringold, Mitchell e Wilkens, 2005, p. 192) conclui que, seja qual for a abordagem utilizada, para que as pol´ıticas sociais sejam efetivamente inclusivas devem superar-se divergˆencias, tens˜oes e conflitos e criar bases de entendimento e colabora¸c˜ao entre os diferentes atores sociais nacionais e in- ternacionais: comunidades ciganas e n˜ao ciganas, ONGs, governos nacionais e autoridades locais. Em segundo lugar, as iniciativas devem ser diferenciadas, isto ´e, devem ser pensadas e adaptadas `as realidades nacionais, bem como `as circunstˆancias e m´ultiplas necessidades das diversas comunidades ciganas. Por ´

ultimo, as pol´ıticas sociais direcionadas aos ciganos devem resultar do equil´ıbrio de trˆes princ´ıpios:

• Aumentar as oportunidades econ´omicas, facilitando e promovendo a sua inser¸c˜ao laboral, qualificando-os profissionalmente.

• Construir Capital Humano, melhorando os n´ıveis de educa¸c˜ao e sa´ude. • Fortalecer o Capital Social e Desenvolvimento Comunit´ario, facilitando a

participa¸c˜ao c´ıvica na esfera p´ublica e pol´ıtica; incentivando iniciativas da sociedade civil.

No que respeita ao estatuto socioecon´omico e legal das comunidades ciganas na Europa, o estudo de Crepaldi et al. (2008) informa-nos que no continente europeu o estatuto legal das minorias ciganas difere de pa´ıs para pa´ıs e de co- munidade para comunidade e est´a relacionado n˜ao s´o com o per´ıodo migrat´orio dos grupos (pode ser longo ou curto; permanente ou tempor´ario), mas tamb´em com o reconhecimento legal de minorias ´etnicas ou nacionais em cada um dos pa´ıses (2008, p. 8). Os autores v˜ao mais longe chegando a afirmar que, atu- almente, uma grande maioria dos ciganos na Europa s˜ao nacionais de pa´ıses pertencentes `a comunidade europeia como por exemplo a Rom´enia, Bulg´aria e Rep´ublica Checa e por isso eles tˆem acesso aos mesmos direitos que o resto dos cidad˜aos nacionais, como por exemplo, o direito `a livre circula¸c˜ao no Espa¸co Schengen. N˜ao obstante, uma percentagem consider´avel de popula¸c˜ao cigana nos estados membros europeus n˜ao tem qualquer estatuto legal oficial, situa¸c˜ao que influencia fortemente o acesso a direitos b´asicos como sa´ude, educa¸c˜ao e assistˆencia social, assim como dificulta o exerc´ıcio de cidadania atrav´es de uma participa¸c˜ao ativa na vida p´ublica e pol´ıtica (Crepaldi et al.,2008, p. 19).

Por fim, chamar a aten¸c˜ao para os desafios complexos e multifacetados que se colocam tanto `as comunidades ciganas, como aos respons´aveis pol´ıticos e que se prendem com duas situa¸c˜oes principais:

• a generalizada e duradoura exclus˜ao social destes grupos face ao emprego, educa¸c˜ao, sa´ude e seguran¸ca social, com ´obvias consequˆencias pessoais, sociais, demogr´aficas e econ´omicas.

• a luta contra os estere´otipos que resultam, frequentemente, de atitudes racistas e discriminat´orias, sendo reproduzidas frequentemente nos media, e que impedem a comunica¸c˜ao e aproxima¸c˜ao entre ciganos e n˜ao ciganos, agravando dessa forma a situa¸c˜ao de isolamento e marginaliza¸c˜ao destes grupos.