• Nenhum resultado encontrado

1.1

Dinˆamicas de exclus˜ao/integra¸c˜ao social da etnia ci-

gana

Antes de mais importa referir que a bibliografia sobre comunidades ciganas em Portugal apresenta esta etnia como uma popula¸c˜ao que vive, de uma forma ge- ral, processos de profunda exclus˜ao social que se traduzem em fracas condi¸c˜oes habitacionais, sanit´arias e de salubridade, t´enues taxas de alfabetiza¸c˜ao, margi- naliza¸c˜ao relativa ao mercado de trabalho, incidˆencia de certo tipo de doen¸cas cr´onicas, segrega¸c˜ao social e cultural, conce¸c˜oes e discrimina¸c˜ao de que fre- quentemente s˜ao alvo sendo mesmo a etnia sobre quem recaem mais conce¸c˜oes negativas (Bruto da Costa e Pimenta 1991;Castro 1995;Obra Nacional para a Pastoral dos Ciganos 1995;Nunes 1996in Magano e Silva,2000).

A etnia cigana est´a em Portugal h´a pelo menos cinco s´eculos. As origens do povo cigano levam-nos aos grupos de povos n´omadas origin´arios da ´India do Norte, cuja designa¸c˜ao era Manusch ou Rom.

Apesar de refrat´aria `a integra¸c˜ao social, a etnia cigana n˜ao criou grandes problemas no passado `as popula¸c˜oes, nomeadamente em Portugal. Os proble- mas maiores come¸caram a surgir com a tendˆencia recente de sedentariza¸c˜ao, volunt´aria ou for¸cada (Fernandes,1995;Bruto da Costa e Pimenta, 1991;Gar- rido,1998;Li´egeois,1989;Enguita,1999).

As situa¸c˜oes de pobreza e exclus˜ao social s˜ao originadas por um conjunto de problem´aticas que na maioria das vezes n˜ao existem isoladas, pelo contr´ario, em grande parte destas situa¸c˜oes pode-se verificar uma etiologia multicausal na qual coexistem uma s´erie de factores adicionais de desfavorecimento (Cer- tal, 2007). Por outro lado, as situa¸c˜oes de risco e/ou situa¸c˜oes problem´aticas vivenciadas por esta popula¸c˜ao tˆem grandes consequˆencias no seu desenvolvi- mento e envolvimento em todo o processo de forma¸c˜ao e aprendizagem (Carlson, Uppal e Prosser,2000; Matos e Gaspar, 2003). A estes indicadores juntam-se

Projeto Gera¸c˜ao Tecla, Programa Escolhas, Cruz Vermelha Portuguesa – Delega¸c˜ao de

tamb´em factores culturais e condicionantes de car´acter subjectivo, que consti- tuem obst´aculos significativos ao acesso das minorias, `a participa¸c˜ao c´ıvica e a direitos constitucionais de acesso a bens e servi¸cos, contemplados na Rep´ublica Portuguesa (Matos e Gaspar,2003).

Existe um outro indicador extremamente relevante, que contribui largamente para a perpetua¸c˜ao da exclus˜ao social em grupos socialmente desfavorecidos: a habita¸c˜ao. Segundo Blanquart (1997) e Viellard-Baron (1996), a forma como a popula¸c˜ao ´e distribu´ıda geograficamente no territ´orio nacional tem influˆencia directa nas situa¸c˜oes de exclus˜ao social gerando, n˜ao raras vezes, processos de segrega¸c˜ao espacial e territorial e de consequenteguetiza¸c˜aoe separa¸c˜ao dos

circuitos comuns. A exclus˜ao territorial e geogr´afica pode ser, inclusivamente, um dos factores mais decisivos de exclus˜ao social.

Grande parte dos problemas sociais intimamente relacionados com situa¸c˜oes de exclus˜ao social, ocorrem em contextos espaciais e territoriais espec´ıficos, no- meadamente, zonas perif´ericas de grandes metr´opoles, bairros sociais, acampa- mentos de barracas, bairros de lata e guetos (ilhas) que se caracterizam, na

sua maioria, por um conjunto de handicaps que desvalorizam o pr´oprio contexto de vida dos indiv´ıduos e a dignidade humana (Delarue,1991).

Estas zonas territoriais caracterizam-se sobretudo pelas fracas condi¸c˜oes ha- bitacionais, sanit´arias e de salubridade, sobrelota¸c˜ao dos fogos habitacionais, degrada¸c˜ao patente da zona envolvente (associada, n˜ao raras vezes, a comporta- mentos de risco como o tr´afico e consumo de drogas, mendicidade, delinquˆencia e prostitui¸c˜ao) e insuficiˆencia ou inexistˆencia de equipamentos sociais b´asicos (Carlson, Uppal e Prosser, 2000; Matos e Gaspar, 2003). Como tal, habitar em bairros degradados ´e mais um dos factores que contribui largamente para a exclus˜ao social dos indiv´ıduos e os exclu´ıdos n˜ao s˜ao apenas rejeitados fisi-

camente (racismo) e materialmente (pobreza), como tamb´em s˜ao escorra¸cados geograficamente para autˆenticos guetos(Dias, Alves e Valente,2006, p. 22).

1.2

A etnia cigana no Concelho de Braga

As fam´ılias de etnia cigana do Concelho de Braga, agrupam-se em n´ucleos fami- liares mais alargados, como sejam os Pinto, Maia, Monteiro, Soares, Montolha e Ximenes, etc. A fam´ılia funciona assim, n˜ao como uma adi¸c˜ao de individuali- dades, mas como um todo entre os quais se estabelecem la¸cos de solidariedade e ao qual o indiv´ıduo permanece ligado mesmo depois do casamento (Certal,

2007,2010).

Pode-se verificar que as profiss˜oes desempenhadas no agregado familiar est˜ao grandemente relacionadas com a atividade comercial tradicional cigana, nomea- damente feirante, ajudante de feira e vendedor ambulante.

Os indicadores relativos aos modos de vida das fam´ılias ciganas d˜ao ainda dados mais concretos acerca da sua situa¸c˜ao socioecon´omica. Assim, um n´umero significativo de pessoas n˜ao tem qualquer meio de subsistˆencia pr´opria e s˜ao re- ferenciadas como n˜ao tendo qualquer modo de vida, o que comprova a grande

precariedade econ´omica destas fam´ılias e a consequente situa¸c˜ao social muito aqu´em dos n´ıveis m´ınimos, repercutindo-se obviamente na situa¸c˜ao escolar das crian¸cas. Verifica-se tamb´em que a grande maioria das mulheres s˜ao dom´esticas (Certal,2007).

Globalmente, os n´ıveis de escolaridade da popula¸c˜ao de etnia cigana s˜ao bastante baixos, embora se verifique uma diferencia¸c˜ao de g´enero bastante re- levante, uma vez que a taxa de analfabetismo nas mulheres ´e muito superior `

a dos homens. ´E de salientar que a cultura e as tradi¸c˜oes ciganas tˆem uma grande influˆencia no processo educativo dos alunos (sobretudo mulheres), no- meadamente a tradi¸c˜ao do casamento, que marginaliza o acesso da mulher `a escola e `a educa¸c˜ao (Certal,2010).

Os pais de etnia cigana s˜ao tendencialmente desconfiados relativamente `a es- cola e `a sua fun¸c˜ao. Consideram que a escola pode ser desvirtuadora da cultura cigana que ´e ´agrafa, onde o saber ´e transmitido oralmente no contexto familiar. Poder´a ser esta uma das raz˜oes pelas quais muitas vezes estas crian¸cas s˜ao con- sideradas inadaptadas ao contexto escolar e resistem, ao longo do processo de escolariza¸c˜ao, `a aprendizagem de um saber transmitido por uma pessoa estra- nha `a fam´ılia (Certal,2010).

A pr´atica profissional predominante nas fam´ılias de etnia cigana parece tamb´em servir para explicar o pouco interesse pela escola, que se traduz por nela se pretender apenas a aquisi¸c˜ao de instrumentos essenciais para a vida fu- tura, como saber ler, escrever e contar, e praticamente n˜ao aceitando os valores sociais e culturais por ela veiculados. A feira e venda ambulante s˜ao as pro- fiss˜oes caracter´ısticas na etnia cigana. Profiss˜oes estas que requerem escassas capacidades e conhecimentos abstratos que n˜ao precisam de ser aprendidos na escola. S˜ao saberes que se constroem no exerc´ıcio da profiss˜ao e em perma- nente intera¸c˜ao, coordena¸c˜ao e solidariedade global com os restantes membros da fam´ılia.

A comunidade cigana ´e considerada uma minoria ´etnica, com ra´ızes culturais distintas, existindo uma s´erie de preconceitos relativamente aos ciganos. Tˆem uma forte tradi¸c˜ao cultural, alicer¸cada em r´ıgidas normas sociais, com modos de vida muito pr´oprios, dos quais sentem orgulho e querem continuar a preservar, que visam a sua autodefesa face a uma sociedade que parece desagregar-se de alguns dos seus valores tradicionais (Certal,2010;Casa–Nova,2009).

As suas formas de agir e estar na vida que se afastam das da sociedade envol- vente conduzem a que, involunt´aria ou voluntariamente, sejam marginalizados pela mesma (Certal,2007;Casa–Nova,2005,2009).