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A interven¸c˜ao da Associa¸c˜ao para o Planeamento da Fam´ılia (APF) junto da popula¸c˜ao residente no Conjunto Habitacional da Biquinha, iniciou-se em 2004 com o projetoAprender a ter Sa´ude, que teve inicialmente como eixos

de a¸c˜ao principais a promo¸c˜ao da sa´ude sexual e reprodutiva e da igualdade de g´enero. O p´ublico–alvo da interven¸c˜ao eram todas as pessoas residentes no Conjunto Habitacional da Biquinha e inicialmente poucas pessoas Roma par- ticipavam nas nossas atividades. Com o decorrer do tempo estabeleceu-se a rela¸c˜ao de confian¸ca e gradualmente, as pessoas Roma come¸caram a frequentar assiduamente o projeto.

A nossa interven¸c˜ao assenta numa metodologia de investiga¸c˜ao–a¸c˜ao parti- cipativa. Dado n˜ao existir uma carateriza¸c˜ao desta popula¸c˜ao relativamente `a sa´ude sexual e reprodutiva, realizamos estudos caraterizadores e orientadores da interven¸c˜ao.

A interven¸c˜ao comunit´aria encerra em si alguns pressupostos fundamentais, a confian¸ca, a participa¸c˜ao e o empowerment, sem os quais um projeto pode estar condenado ao insucesso. A conquista da confian¸ca da popula¸c˜ao com a qual queremos trabalhar ´e, sem d´uvida, o passo inicial mais importante e o mais dif´ıcil de conseguir. Cativar a popula¸c˜ao para a participa¸c˜ao efetiva no desenvol- vimento do projeto foi o nosso principal objetivo inicial. A estrat´egia delineada para a implementa¸c˜ao do projeto e estabelecimento de rela¸c˜oes emp´aticas com a comunidade passou por diversas fases. Sem d´uvida que o mais importante meio de divulga¸c˜ao foi o contacto interpessoal e a rela¸c˜ao emp´atica criada.

Ao longo deste per´ıodo privilegiamos o trabalho em rede. Atuamos sempre numa perspetiva de envolvimento com os parceiros que trabalham direta e in- diretamente com a popula¸c˜ao residente no Bairro. Este trabalho de parceria foi formalizado e exponenciado com a nossa ades˜ao `a Rede Social de Matosinhos, atrav´es da Comiss˜ao Social de Freguesia de Matosinhos.

Com o decorrer do projetoAprender a ter Sa´ude a rela¸c˜ao de confian¸ca

com a comunidade sedimentada e a participa¸c˜ao foi crescendo progressivamente.

Em 2006 o nome do projecto alterou-se paraVIHQUINHA. Os eixos de

interven¸c˜ao principais foram a promo¸c˜ao da sa´ude sexual e reprodutiva, a pre- ven¸c˜ao do VIH/SIDA e desenvolvimento de competˆencias pessoais e sociais.

Esta popula¸c˜ao demonstra j´a alguma resistˆencia aos projetos que criam ex- petativas e que posteriormente, por variados motivos, deixam de existir. ´E fundamental perceber que a modifica¸c˜ao de comportamentos nestes contextos s´o ´e poss´ıvel a m´edio e/ou longo prazo. As dificuldades com que nos depara- mos foram ainda maiores, se tivermos em considera¸c˜ao que estamos a tentar incidir a interven¸c˜ao numa esfera ´ıntima da personalidade de cada um, o que provoca necessariamente maiores resistˆencias. A este facto acrescenta-se outra dificuldade dado que a maioria da popula¸c˜ao com quem trabalhamos ´e Roma com todas as condicionantes s´ocioculturais que os desprotegem em rela¸c˜ao aos factores de risco.

Esta popula¸c˜ao apresenta in´umeras carˆencias e debilidades que resultam de um processo de exclus˜ao social que existe h´a v´arias gera¸c˜oes, cujo pouco contato com modelos adaptados e ajustados, torna esta exclus˜ao c´ıclica e perpetuadora. Mais do que falta de recursos a todos os n´ıveis, verifica-se a falta de competˆencias para gerir os poucos recursos existentes.

As atividades que desenvolvemos tˆem como objetivo interromper este ci- clo. Realizamos treino de competˆencias parentais transversal a toda a fam´ılia em que tentamos envolver pais, m˜aes, av´os/avˆos e filhos/as. Criamos grupos divididos por faixas et´arias de crian¸cas, pr´e adolescentes e jovens aos quais diri- gimos sess˜oes de desenvolvimento de competˆencias pessoais e sociais e educa¸c˜ao sexual. O empowerment desta popula¸c˜ao, apesar de ser trabalhado diariamente, est´a a ser focalizado num grupo de mulheres ativistas que desenvolvem ativi- dades promovendo a melhoria das condi¸c˜oes de vida no conjunto habitacional da Biquinha. A express˜ao art´ıstica nas suas variadas vertentes (m´usica, dan¸ca, express˜ao pl´astica, teatro, capoeira e fotografia) tem sido uma aposta perma- nente que permite canalizar as energias das crian¸cas e jovens para actividades ajustadas prevenindo os comportamentos de risco. A nossa interven¸c˜ao passa tamb´em pelo treino de competˆencias de educa¸c˜ao sexual, dirigido aos t´ecnicos e t´ecnicas que trabalham com esta popula¸c˜ao, permitindo dar sustentabilidade ao projeto.

Sendo a auto estima desta popula¸c˜ao um fator negativo e que precisa de ser trabalhado insistentemente, tentamos melhor´a-la atrav´es do seu envolvimento na apresenta¸c˜ao p´ublica anual do trabalho realizado.

Ao longo deste tempo de interven¸c˜ao, ´e not´oria uma mudan¸ca comporta- mental consubstanciada na aquisi¸c˜ao de conceitos chave sobre VIH/SIDA, sa´ude sexual e reprodutiva e toxicodependˆencia assim como a ado¸c˜ao de comportamen- tos protetores face `a pr´opria sa´ude e `a dos/as descendentes/as. Para isto, muito contribuiu o trabalho de continuidade efetuado, possibilitando uma integra¸c˜ao s´olida na popula¸c˜ao e consequente ades˜ao da mesma `as atividades propostas. Al´em destes conhecimentos verifica-se atrav´es do discurso e dos comportamen- tos (principalmente nos/as mais jovens) que, de uma forma geral, existem j´a preocupa¸c˜oes que n˜ao existiam at´e ent˜ao, nomeadamente um aumento da asser-

tividade, do respeito pelos outros e do respeito pela diferen¸ca. Nos/as adultos/as os conceitos e comportamentos est˜ao muito mais cristalizados o que dificulta a interven¸c˜ao. Apesar disso ´e percet´ıvel que os/as adultos/as est˜ao mais informa- dos/as e conscientes podendo exercer o seu papel parental com maior efic´acia e responsabilidade.

Outro factor extremamente importante para esta popula¸c˜ao, e que o projeto

VIHQUINHA veio facilitar, ´e o acesso a material contracetivo, nomeada-

mente preservativos e p´ılulas, assim como a informa¸c˜ao sobre a correta utiliza¸c˜ao destes. Distribu´ımos cerca de 15000 de preservativos desde o in´ıcio do projeto. Dispomos de um gabinete de apoio `a comunidade (Espa¸co S) que visa conferir

ao projeto VIH QUINHAuma fun¸c˜ao de orienta¸c˜ao, enquadrado no ˆambito

mais lato da preven¸c˜ao, proporcionando assim, um espa¸co pessoal e confidencial, num contexto de prote¸c˜ao e solidariedade no qual os utentes podem expressar as suas d´uvidas e preocupa¸c˜oes, assim como, procurar orienta¸c˜ao no ˆambito da interven¸c˜ao de car´ater psicol´ogico.

O recurso a pessoas com notoriedade social, ditas figuras p´ublicas, tais como atletas profissionais de futebol, ´e uma estrat´egia fundamental para ativar apren- dizagens e modelar comportamentos. No caso do conjunto habitacional da Bi- quinha, o clube de referˆencia ´e o Leix˜oes S.C. pelo que as visitas dos atletas deste clube ao projeto tem-se revelado muito importantes para toda a popula¸c˜ao.

Ao longo destes anos tˆem sido trabalhadas as competˆencias pessoais e so- ciais promotoras de comportamentos igualit´arios e de n˜ao discrimina¸c˜ao. Re- for¸cam-se as no¸c˜oes de igualdade de g´enero e oportunidades na constru¸c˜ao de um planeamento familiar respons´avel. A preven¸c˜ao de gravidezes n˜ao desejadas e de infe¸c˜oes sexualmente transmiss´ıveis tem sido uma constante, mas sempre adaptada `as carater´ısticas s´ocioculturais Roma.

O trabalho na ´area da sexualidade e educa¸c˜ao sexual com grupos Roma, tem como pressuposto fundamental o estabelecimento de uma rela¸c˜ao de confian¸ca com o/as t´ecnico/as. At´e `a idade dos 12/13 anos tem sido poss´ıvel dinamizar grupos com a presen¸ca de elementos de ambos os sexos, sendo que a partir dessa idade existe um afastamento natural por parte dos rapazes que passam a acompanhar mais os pais – homens e irm˜aos mais velhos – noutras atividades de lazer. A partir deste momento a interven¸c˜ao com rapazes torna-se muito mais individualizada, descentrando-se do grupo.

Por outro lado, a partir dessa idade, as m˜aes das meninas solteiras e os ma- ridos das casadas n˜ao permitiriam que as raparigas frequentassem o grupo caso se verificasse a presen¸ca de rapazes. Tamb´em as meninas consideram que h´a assuntos que apenas dizem respeito `as mulheres e n˜ao consideram correto nem aceitam que sejam abordados na presen¸ca de algum elemento masculino. As caracter´ısticas do/a t´ecnico/a s˜ao assim, fundamentais pelo que o/a t´ecnico/a que dinamiza o grupo ter´a de ser preferencialmente de mesmo sexo que os ele- mentos do mesmo.

A cultura Roma torna a vivˆencia da sexualidade muito pr´opria e muito dife- rente da sociedade dominante. Os ganhos a este n´ıvel s˜ao enormes, percebendo-

se que os/as jovens que tˆem trabalhado connosco e que, ao longo destes anos, deixaram de ser solteiros/as, tˆem uma perspectiva diferente acerca do futuro dos/as seus/suas filhos/as.

O trabalho da APF em parceria com os servi¸cos de sa´ude tem potenciado os comportamentos protetores face `a sa´ude nomeadamente em rela¸c˜ao `a vigilˆancia da gravidez e a realiza¸c˜ao de partos em meio hospitalar.

Procura-se constantemente uma maior responsabiliza¸c˜ao do homem no acom- panhamento da gravidez e do parto, acompanhando a mulher em todos os mo- mentos.

Tal como se tem percebido, apesar de etariamente jovens, estes rapazes e raparigas tˆem necessidades (in)formativas muito particulares com enorme influˆencia da cultura. E fundamental que este/as jovens desenvolvam com-´ petˆencias que lhes permitam adotar comportamentos protetores sem desvirtuar as suas caracter´ısticas ´etnicas. As gravidezes continuam a acontecer na ado- lescˆencia, apesar de mais tarde do que as das suas m˜aes. Para isto contribui decisivamente o uso de m´etodos contracetivos sendo que, quando n˜ao o fazem na primeira gravidez, fazem-no nas seguintes.

A importˆancia de uma vivˆencia mais gratificante da sexualidade tem levado as jovens raparigas a colocarem quest˜oes relacionadas com a satisfa¸c˜ao sexual descentrando a sexualidade da vertente da procria¸c˜ao. Estas quest˜oes s˜ao mui- tas vezes trabalhadas em grupo mas frequentemente esclarecidas na primeira pessoa isoladamente. Uma vez que a t´ecnica que dinamiza o grupo de jovens dinamiza tamb´em o grupo de mulheres ativistas, tem sido poss´ıvel perceber que apesar de ainda muito jovens, estas mulheres n˜ao conseguem ver com tamanha naturalidade a satisfa¸c˜ao da mulher na vivˆencia da sua sexualidade, tal como as jovens o fazem.

Em suma, podemos concluir que conseguimos a confian¸ca e participa¸c˜ao da popula¸c˜ao, nomeadamente da mais jovem, alteramos alguns comportamentos e conseguimos uma actua¸c˜ao em rede atrav´es de parcerias efectivas e funcionais. Cada vez mais, este j´a n˜ao ´e considerado um espa¸co para a comunidade, mas da comunidade.

Tamb´em no conjunto habitacional da Biquinha, entre Agosto de 2010 e Setembro de 2011, financiado pela Dire¸c˜ao Geral de Sa´ude, esteve em imple- menta¸c˜ao o projeto ROMA dirigido exclusivamente a pessoas Roma, com os objetivos de diminuir a violˆencia de g´enero nas pessoas de etnia cigana, promo- ver o acesso a um gabinete de planeamento familiar e promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Desde 2008 e at´e `a presente data a entidade financiadora do projeto ´e o Instituto da Droga e da Toxicodependˆencia e a sua denomina¸c˜ao passou a ser XIS. Os seus objetivos s˜ao a preven¸c˜ao dos comportamentos de risco e promo¸c˜ao dos comportamentos protetores face `a toxicodependˆencia; o desenvolvimento de competˆencias parentais; o treino das competˆencias de t´ecnicos/as de educa¸c˜ao e de sa´ude na ´area da preven¸c˜ao da toxicodependˆencia; o treino das competˆencias

de estudo em crian¸cas; e a promo¸c˜ao do sucesso educativo em crian¸cas como comportamento protetor face `a toxicodependˆencia.