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O ENSINO DA LEITURA NA ESCOLA: SOBRE O QUE É PRECISO REFLETIR?

5. A LEITURA EM QUESTÃO: O QUE DIZER?

5.3 O ENSINO DA LEITURA NA ESCOLA: SOBRE O QUE É PRECISO REFLETIR?

o modo como nos contextos escolares os indivíduos se encontram com os textos é reconhecidamente (...) determinante no seu futuro como leitores” (DIONÍSIO, 2000, p. 44)

Quando nos remetemos ao ensino da leitura, considerando os textos propostos pelo LDP, Bunzen (2006) nos adverte a não esquecer de que a escolha dos textos é realizada pelos autores e editores com um objetivo didático e, por esse viés, são várias as possibilidades de exploração didática, porque um mesmo texto pode ser lido com diferentes objetivos. Desse modo, quando tratamos do ensino da leitura tomando como referência o conjunto de textos disposto nos LDP, convém ressaltar que são os objetivos propostos pelos autores/editores que farão com que a opção por determinados aspectos para o ensino de leitura sejam selecionados e/ou priorizados em detrimento de outros, o que colabora para determinar certos modos de ler. Para isso também contribuem as escolhas dos gêneros textuais que compõem a coleção didática, as perguntas de compreensão textual e o leitor pretendido, tal como ressalta Fernandes (2010, p.33):

Os livros didáticos apresentam ao aluno na escola não somente uma coletânea de textos/gêneros selecionada e considerada relevante de acordo com o projeto autoral e editorial, como faria uma antologia, mas também exercem sobre esses mesmos textos, por meio das propostas de atividades de compreensão, leituras específicas que podem conduzir o aluno à percepção e à compreensão por certas vias e não outras.

Considerando o que nos diz a autora acima, é importante frisar que também Dionísio (2000, p.102-103), ao fazer referência aos textos propostos pelos LDP, assim se pronuncia: “De facto, os textos selecionados, as atividades apresentadas são factor constitutivo e constituinte de concepções partilhadas sobre textos e leitores, sobre leitura e literatura e sobre o processo do seu ensino-aprendizagem bem assim como dos valores a elas associados”.

Sendo assim, é importante que reflitamos sobre o que precisa ser considerado pelos autores dos livros didáticos na composição do conjunto de textos que devem compor os LDP, por entendermos que este deve contemplar, como já salientamos, uma diversidade de gêneros textuais, mas uma “Diversidade que permita espelhar a multiplicidade dos objetivos de leitura e que represente (...) os diferentes modos de realização de leitura, os seus distintos valores e funções, assim se lhe retirando o que nela ainda pode ser visto como actividade culturalmente etnocentrada (DIONÍSIO, 2000, pp. 141-142)”.

Nesta perspectiva, Rojo (2010) nos chama atenção para o fato de que, por conta da globalização, o mundo contemporâneo depara-se com mudanças significativas no que tange aos meios de comunicação e à circulação de informação, em função do acesso às tecnologias digitais (computadores pessoais, celulares, entre outros). Por esse viés, destaca a autora, torna- se necessário considerar a multiplicidade de letramento com os quais convivemos neste mundo multissemiótico:

Essas múltiplas exigências que o mundo contemporâneo coloca para a escola, portanto, vão multiplicar enormemente as práticas e textos que nela devem circular e ser abordadas (os). O letramento escolar, tal como o conhecemos, voltado principalmente para as práticas de leitura e escrita de textos em gêneros escolares (anotações, resumos, resenhas, ensaios, dissertações, descrições, narrações e relatos, exercícios, instruções, questionários, dentre outros) e para alguns poucos gêneros

escolarizados advindos de outros contextos (literário, jornalístico, publicitário) não será suficiente (...). Será necessário ampliar e democratizar tanto as práticas e eventos de letramento que têm lugar na escola como o universo e a natureza dos textos que nela circulam. (ROJO, 2010, p.438)44

Assim, em conformidade com a autora, a necessidade postulada pelo mundo contemporâneo com relação ao acesso aos mais diversos gêneros considerando a multiplicidade de letramento é colocada para escola, posto que “a escola pode e deve ser olhada em termos dos contextos de leitura em que introduz os alunos, dos sentidos em que os familiariza, quais ignora, que estilos estimula, que valores e atitudes promove (DIONÍSIO, 2000, p. 41)”. E nesta perspectiva, esta autora ressalta a importância do LDP, por considerá-lo um dos principais agentes de escolarização em nível de leitura, que através de “dispositivos

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discursivos particulares, se constitui como um dos principais fatores da construção e da consolidação de uma comunidade de leitores (...) pelo discurso os manuais contribuem para a regulação, transmissão e representação dos saberes, capacidades e atitudes de leitura (DIONÍSIO, 2000, p.91)”. Por esse viés, Rojo (2004, p.1-2) chama atenção para que, mediante o LD, promova-se uma leitura cidadã, que significa

escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-se em relação com outros textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir com os textos, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos; é, enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela. Mais que isso, as práticas de leitura na vida são muito variadas e dependentes de contexto, cada um deles exigindo certas capacidades leitoras e não outras.

O sentido da leitura proposto por Dionísio (2010) nos permite perceber que não é apenas a coletânea de textos oferecida pelo LDP que promove a leitura cidadã, mas que é necessário que a isto se atrele as propostas de atividades de leitura que promovam o desenvolvimento da capacidade de leitura, que vá para além do que está presente na superfície textual, posto que exija um papel ativo do leitor, interagindo com texto, construindo significados, avaliando, posicionando-se e etc. Sendo assim, as atividades de leitura se constituem em outro elemento a ser considerado, no ensino da leitura, da diversidade textual oferecida pelos LDs, posto que vamos encontrar neles, por exemplo, o questionário45 como um formato para instruir o aluno na interpretação do texto (DIONÍSIO, 2000). E,

no contexto pedagógico, as ‘perguntas’ constituem modos privilegiados de levar os interlocutores a tipos particulares de conclusão. (...) A par da especificidade linguística das próprias questões, a ordem em que ocorrem e a sua reiteração ao longo do manual 46 enformam normas de conduta a ter para com os textos (DIONÍSIO, 2000, p.120).

Sendo assim, entendemos que as perguntas, tais como os textos selecionados pelos autores dos LDs, também encenam determinados modos de ler ao optarem por determinado tipo de atividades. Outro aspecto, ainda com relação ao ensino da leitura deve aí ser adicionado. Nesta perspectiva, a referida autora, também chama a atenção para os

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Ao fazer referência ao questionário, a autora assim o define: “não são constituídos apenas por actos interrogativos, mas por uma série de actos, nomeadamente do tipo imperativo, que adquirem neste contexto, o valor pragmático de perguntas (DIONÍSIO, 2000, p.180)”, que visam instruir o aluno na interpretação do texto (p.119).

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Estamos entendo o vocábulo enformar com o sentido de colocar na “fôrma”, “enquadrar”, ou seja, observar determinado objeto apenas uma determinada ótica.

“enquadradores “ discursivos, ou seja, para os enunciados introdutórios47

das perguntas referentes aos textos presentes nas atividades de compreensão de leitura. De acordo com ela, esses “enquadradores” se realizam em forma de asserções ou frases imperativas que fixam fatos de natureza variada, ou seja, “descrevem estados de coisas por recurso a outras formas linguísticas que dão aos estados de coisas descritos o valor de verdades inquestionáveis: /Este

texto é uma narrativa/ (DIONÍSIO, 2000, p. 192)”.

A autora nos faz entender, ainda, que tanto as perguntas de compreensão sobre os textos como os “enquadradores” podem sofrer modificações de ordem linguística “de modo a manifestar distintas atitudes relativamente aos seus conteúdos proposicionais e/relativamente aos destinatários, com vistas à aquisição de saberes sobre os textos (DIONÍSIO, 2000, p.193)”. Por esse viés, entendemos que tanto as perguntas de compreensão de texto quanto aos “enquadradores” estão sujeitos a modificações que “revertem-se em diferentes graus de modalização que traduzirão a natureza mais ou menos normativa (e também prescritiva) do processo de leitura em contexto pedagógico (DIONÍSIO, 2000, p.193)”. Sendo assim, acreditamos, como Fernandes (2010, p. 154),

que tanto os enunciados introdutórios quanto as perguntas de compreensão formuladas pelos autores dos LDP podem moldar/direcionar não só os modos de ler, mas também acentuar o papel dos textos escolhidos para leitura, além de caracterizar o próprio leitor nesse processo de construção de sentidos considerados válidos para os textos lidos no contexto escolar

É nessa esteira que pretendemos analisar os LDP destinados a EJA. Acreditamos que o material textual, assim como as atividades de leitura/compreensão textual presentes na coleção a ser analisada ensejam modos de ler, modelo de ensino da aprendizagem da leitura. Compreendemos que, por meio de determinadas atividades e não outras, determinados textos e não outros emergem as concepções de leitor pretendido, e/ou idealizado, concepções de leitura, protocolos de leitura e de compreensão do texto. Assim sendo, vejamos a outra faceta sobre qual podemos conceber a leitura mediada pelo LDP.

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Os “enquadradores discursivos” são nomeados por Fernandes (2010) como “enunciados introdutórios”, e como “enunciados declarativos” por Martins (2008). Ambos tomam como referência Dionísio (2000). E Bunzen (2006, p. 52) a eles se referem como “comando de atividades”, que ele define como “breves informações sobre o objetivo da atividade que se resume, na maioria dos casos, à indicação da ação a ser realizada – ler, responder, observar – e de alguns breves elementos da situação de produção: o gênero (e-mail, fábula, poema, tira, anúncio) e os autores (Luís Fernando Veríssimo, Iêdo Dias, Quino)”.