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LEITURA: ALGUMAS CONCEPÇÕES E OS MODOS DE LER

5. A LEITURA EM QUESTÃO: O QUE DIZER?

5.1 LEITURA: ALGUMAS CONCEPÇÕES E OS MODOS DE LER

Refletirmos sobre a leitura como objeto de ensino na escola implica, inicialmente, fazermos algumas considerações no que se refere à definição da concepção de leitura. Koch & Elias (2009) afirmam que a concepção de leitura pode ser definida conforme a concepção de sujeito, de texto e de língua que adotamos. Sendo assim, de acordo com essas autoras, quando se concebe a língua como representação do pensamento, entenderemos o sujeito como um “ser psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações” (KOCH; ELIAS, p, 09) e o

texto como um produto do pensamento do autor, cabendo, então, ao leitor um papel passivo, já que compete a este apenas “captar” essa representação mental, junto com as intenções do produtor do texto. Por esse viés, a leitura é concebida como uma atividade de apreensão das ideias do autor, desconsiderando-se, então, os conhecimentos do leitor, a interação autor- texto-leitor. “o sentido está centrado no autor, bastando ao leitor captar suas intenções (KOCH; ELIAS, 2009, p.10)”.

E quando compreendemos a língua como código, conceberemos o sujeito como ser (pre) determinado pelo sistema “o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto, uma vez codificado, é totalmente explícito” (KOCH, 2002, p.16) e, neste sentido, prossegue a autora, “o papel do “decodificador” é essencialmente passivo” (KOCH, 2002, p. 16). Nessa perspectiva, de acordo com Albuquerque (2006, p.32) “o texto é tratado como algo universal, autônomo, que não se insere em um contexto específico de produção que faz com ele tome certas características específicas, constituindo-se em determinado gênero”. Ainda, segundo a referida autora, esta concepção de texto traz implícita a ideia de que todo o texto é dotado de uma ideia única, a qual precisa ser aprendida pelo leitor-aluno/professor, além de sinalizar, também, para a concepção de leitura como apreensão de um sentido único do texto. Mas, no sentido contrário, segundo o que nos é proposto por Koch (2002), quando a língua é concebida sob a perspectiva interacional (dialógica), em que os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, “o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos” (KOCH, 2002, p.17).

Ora, ainda de acordo com essa autora, essa última concepção de língua, de texto e de sujeito faz com que a compreensão deixe de ser entendida “como simples “captação” de uma representação mental como decodificação de mensagem resultante de uma codificação do emissor” (KOCH, 2002, p.17), e passe a ser percebida como

uma atividade interativa42 altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução deste no interior do evento comunicativo (KOCH, 2002, p. 17).

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Diante disso, fica evidente que “O sentido de um texto é, portanto, construído43

na interação texto-sujeitos (ou texto- coenunciadores) e não algo que preexista a essa interação (KOCH, 2002, p.17)”. Em outras palavras, o sentido do texto é construído, levando-se em consideração o que está posto na superfície textual pelo autor e os conhecimentos do leitor que, durante o processo de leitura, deverá assumir um papel ativo, ou seja, uma atitude que exigirá dele a mobilização de estratégias, tais como seleção antecipação, inferência, verificação, que o auxiliem na construção do sentido do texto (KOCH; ELIAS 2009).

E é essa a concepção de leitura, vista como uma atividade de produção de sentidos, que permeia os documentos oficiais que, de certa forma, são tomados como norte para o ensino de língua portuguesa pelas escolas brasileiras, conforme podemos visualizar na tabela abaixo.

Quadro 02 – Concepções de leitura

Fonte: Sulanita Santos, 2014.

O quadro acima parece nos deixar evidente a ideia de que a leitura não se resume a decodificação do código linguístico, mas a de que a leitura é concebida como atividade de construção de sentido, que se dá na relação texto-sujeitos (ou texto-coenunciadores), como já assinalara Koch (2002). E para que haja a construção do sentido, é preciso que o leitor tenha

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Grifos da autora.

CONCEPÇÕES DE LEITURA

QUEM FALA ENUNCIADO

PCNs (3º e 4º ciclos) “A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas” (pp.69-70)

PNBE Programa Nacional Biblioteca na Escola

Ao promover a seleção de obras de literatura para a educação de jovens e adultos - EJA (ensino fundamental e médio) é preciso também considerar a concepção de leitura e de literatura apresentada nos documentos curriculares para a EJA. Trata-se de compreender a leitura na perspectiva do diálogo e da participação ativa do leitor na construção de sentidos, para além da mera decodificação. (p.10) Proposta Curricular para

educação de jovens e adultos: segundo segmento do ensino fundamental

“Ler – lego, em latim – significa colher tudo quanto vem escrito. Interpretar é eleger (ex-legere: escolher), ou seja, é selecionar os elementos fundamentais para construir o sentido do texto.” (p. 14)

uma atitude ativa frente ao texto, e isto implica a utilização de estratégias de leitura que para isso contribuam, conforme assinalam os PCNs (1998).

Diante disso, convém reafirmar que essa concepção de leitura é fruto de uma “concepção sociocognitivo-interacional de língua que privilegia os sujeitos e seus conhecimentos em processos de interação (KOCH; ELIAS, 2009, p.12)”. Essa concepção, por sua vez, aponta para o texto como objeto de ensino de língua portuguesa, ideia que aparece disseminada nos PCNs, os quais são tomados como referência pelos programas/documentos oficiais que norteiam o ensino de língua. Neste sentido, vamos encontrar, nos PCNs, disseminada a ideia de que devam ser os gêneros textuais os elementos a serem tomados como uma das possibilidades legitimadas para o ensino de língua:

De forma geral, podemos dizer que “ensinar gêneros”, nos últimos anos, virou uma das possibilidades para resolver grande parte dos problemas do ensino de língua materna; principalmente por ser uma noção que possibilita uma concepção de língua mais ampla e permite uma integração dos principais eixos do ensino: leitura, produção e análise linguística (BUNZEN, 2005, p.71)

Ainda de acordo com o autor acima, uma das características desse processo, o de desenvolver um trabalho de ensino de língua sob a perspectiva dos gêneros, é a utilização cada vez mais efetiva de textos autênticos com uma pontuada diversidade de gêneros e de temas, presentes nos livros didáticos de língua portuguesa aprovados pelo PNLD, que também reitera a relevância um ensino de língua voltada para essa perspectiva, conforme podemos observar nos dados que seguem:

100% (36) das coleções de LDP, de 1ª a 4ª série, analisadas pelo PNLD 2004 e 100% (36), das coleções de LDP de 5ª a 8ª série, analisadas nos PNLD 2005, apresentam, segundo os avaliadores do Ministério, textos autênticos e diversidade temática em suas coleções (BUNZEN, 2006, p.45).

Contudo, não é apenas a presença da diversidade de gêneros presente nos LDP que vai garantir a formação de um leitor crítico e autônomo. Neste sentido, Bunzen (2006, p.46) enfatiza a necessidade de que o professor de português:

1. Reconheça a coletânea de textos trazida pelo livro didático adotado em sua escola para poder complementá-la e explorá-la em função do seu contexto de ensino e aprendizagem;

2. Observe atentamente o tratamento dado aos textos em gêneros diversos no projeto gráfico-editorial e nas atividades de leitura e compreensão textual.

Ao chamar a atenção dos professores para o reconhecimento da coletânea de textos e o tratamento dado aos textos em gêneros diversos como forma de refletir num ensino de língua

sob essa perspectiva, compreendemos que examinar o tratamento dado a esses gêneros pelos autores/editores dos livros didáticos se destaca como um ponto essencial a ser levado em consideração quando se tem como objeto de pesquisa a análise de livros didáticos, como é o nosso caso, até mesmo porque “são os conceitos de texto e gênero, advindos da linguística, que influenciam direta ou indiretamente, a seleção diversificada dos textos, atualmente presente nos LDP (BEZERRA, 2005, p. 35)”. Neste sentido, vários estudiosos nos chamam a atenção para alguns aspectos que, dentro dessa perspectiva, julgamos pertinente aqui considerar. Sendo assim, passaremos a refletir sobre o trabalho com textos enquanto objeto de ensino da língua portuguesa, já que nos debruçaremos sobre eles quando procedermos com a análise dos livros didáticos de língua portuguesa destinados à EJA e tendo como foco o eixo da leitura.