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O LIVRO DIDÁTICO: DIVERSAS CONCEPÇÕES SOBRE UM MESMO OBJETO

3. O LIVRO DIDÁTICO NA ATUALIDADE: DISCUSSÕES E PROGRAMAS

3.1 O LIVRO DIDÁTICO: DIVERSAS CONCEPÇÕES SOBRE UM MESMO OBJETO

...mais do que contestar a existência do livro didático, trata-se de ver como ele anda hoje em dia e como poderia ser se o quisermos melhor (MARCUSCHI, 2008, p.46)

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Conforme levantamento do QEdu: Aprendizagem em Foco, em parceria entre a Meritt e a Fundação Lemann, organização sem fins lucrativos voltada para a educação (apud TOKARNIA, 2013).

Nas últimas décadas, o número de pesquisas voltadas para o estudo do livro didático tem se acentuado significativamente. Neste sentido, Choppin (2004, p.552) atribui esse interesse, entre outros fatores, “a causas estruturais: a complexidade do objeto “livro didático”, a multiplicidade de suas funções, a coexistência de outros suportes e a diversidade de agentes que ele envolve”. Levantamento feito por Batista e Rojo (2005) chama a atenção para esse fato. Dados apresentados em um artigo publicado por Munakata (2012) também dão conta dessa realidade e mostram, inclusive, que este fenômeno não se restringe apenas ao cenário brasileiro, mas que tem se revelado internacionalmente. Ainda conforme esse autor, essas pesquisas encontram-se disseminadas nas mais diversas áreas: letras, história, matemática, educação, etc. Neste sentido Soares (1996, p.53) afirma:

Muitos e vários olhares vêm sendo lançados sobre o livro didático nos últimos anos: um olhar pedagógico, que avalia a qualidade e a correção, que discute e orienta a escolha e o uso; um olhar político, que formula e direciona processos decisórios de seleção, distribuição e controle; um olhar econômico, que fixa normas e parâmetros de produção, de comercialização, de distribuição.

Considerando esse cenário, cumpre ressaltar que há também diversas concepções em torno da definição desse objeto, ou seja, o livro didático. Essa diversidade não implica dizer que elas sejam excludentes, mas que, ao assumir certa concepção deste objeto, estamos sobre ele lançando um determinado olhar que, certamente, estará relacionado com os modos através dos quais o compreendemos. Partindo desse princípio, Mello (2010, p.34) afirma que

Conforme a perspectiva adotada, o livro didático pode ser definido enquanto uma mercadoria, um objeto material, ou como um veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, uma cultura, ou ainda um depositário dos conteúdos escolares e um instrumento pedagógico, e mais do que isso, pode incorporar um conjunto de materiais impressos destinados ao uso escolar.

Lajolo (1996, p.4,5), ao fazer referência ao ensino formal, define o livro didático como o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e sistemática. (...) Além disso, o livro didático caracteriza-se ainda por ser passível de uso na situação específica da escola, isto é, de aprendizado coletivo e orientado por um professor.

A perspectiva adotada pela autora acima encontra também ressonância no que nos diz Batista (2009, p.41) ao afirmar que compreende livro didático como sendo “aquele livro ou

impresso empregado pela escola, para o desenvolvimento de um processo de ensino ou de formação”14; opinião para a qual também corrobora Soares (1996, p.55) que, ao lançar um

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olhar sobre o livro didático, numa perspectiva sócio-histórica, o enxerga “como um instrumento para assegurar a aquisição dos saberes escolares, isto é, daqueles saberes e competências julgados indispensáveis à inserção das novas gerações na sociedade, aqueles saberes que a ninguém é permitido ignorar”.

Para Munakata (2012, p.183):

O livro é papel e tinta formando a mancha (a área impressa de uma página); o que ali se imprime passa por edição e copidesque (que muitas vezes introduzem alteração no texto original), revisão e preparação do texto, que, então, é organizado em páginas (paginação), de acordo com o projeto editorial; as páginas formam cadernos de um certo formato, que são colados ou costurados e encadernados, recebendo procedimentos de acabamento editorial e gráfico; para, finalmente, ser distribuído, e (eventualmente) lido.

As definições desses autores parecem colaborar com o que nos diz Marcuschi (2008, p.178) que define, assim, o livro didático: “Seguramente, todos vamos concordar que o livro não é um gênero textual. Seja ele qual for, desde que visto como livro. Trata-se de um suporte maleável, mas com formatos definidos pela própria condição em que se apresenta (capa, páginas, encadernação etc.)”. Porém, o referido autor reconhece a existência de opiniões que divergem da posição por ele assumida: “O livro didático é nitidamente um suporte textual, embora a opinião não seja unânime a esse respeito (MARCUSCHI, 2008, p.179)”.

A despeito das considerações postas por Marcuschi (2008), Bunzen (2005) define o livro didático como gênero do discurso secundário:

Do ponto de vista linguístico e discursivo, numa perspectiva sócio-histórica e cultural o LDP é essencialmente, como defendemos em nossa dissertação um gênero do discurso secundário15 (Bakhtin, 1934, 1953) que procura sistematizar e organizar os conhecimentos escolares na forma de modelo(s) didático(s); e por isso mesmo não podemos deixar de perceber o sistema de valores que participa do processo de socialização e aculturação do público a que se destina (BUNZEN, 2005, p. 560).

Esse modo de compreender o LDP evocado pelo autor acima já tem sido apreendido por alguns pesquisadores, o que comprova a ideia de que não há um consenso quanto à definição desse objeto. Fernandes (2010), por exemplo, em sua dissertação de mestrado, intitulada “A leitura no livro didático de Língua Portuguesa de Ensino Médio”, apropria-se da ideia do livro didático como gênero discursivo, com objetivo de discutir/compreender os modos/formas da apresentação da leitura como objeto de ensino presentes nos livros didáticos por ela analisados.

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Chimello (2011) em seu trabalho de pesquisa sob o título “(Re)construções de sentido produzidas nas práticas de leitura mediadas pelo livro didático de Português”, com objetivo de analisar as (re)construções de sentido que os alunos de uma sala de 2º ano produziam nas práticas de leituras mediadas pelo livro didático, também assume a definição do livro didático como um gênero do discurso, tomando como base o que propõe Bunzen (2005) em seus estudos sobre o livro didático de Língua Portuguesa. Desse modo, a referida autora entende que o LD é “mais do que apenas um suporte de texto, mas uma construção discursiva proveniente do espaço escolar, em que vários gêneros se intercalam ao discurso do autor (CHIMELLO, 2011, p.28)”.

Essas considerações aqui efetuadas, em torno da definição do livro didático, nos faz compreendê-lo como objeto complexo e multidimensional, tal como o entende Mello (2010, p.08) e, também, Felicíssimo (2009, p. 61-62): “O LD é uma realidade complexa, um objeto que, por ser histórico, revela a história da organização do saber, da constituição das disciplinas, dos modos do homem se relacionar com o saber, das realizações políticas, econômicas e ideológicas que fundamentam a instituição escolar”. É desse modo que compreendemos o LD. E é considerando essas facetas que lhe são características que olharemos o LD, objeto de nossa pesquisa, tendo em vista que pretendemos verificar quais práticas de leitura podem estar subjacentes nesse material impresso, considerando o que nos diz Chartier (1999b, p.127):

é necessário recordar vigorosamente que não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que seja ele, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor. Daí a necessária separação de dois tipos de dispositivos: os que decorrem do estabelecimento do texto, das estratégias de escrita, das intenções do “autor”; e os dispositivos que resultam da passagem a livro ou a impresso, produzidos pela edição editorial ou pelo trabalho da oficina, tendo em vista leitores ou leitura que podem não estar de modo em conformidade com os pretendidos pelo autor.

No sentido proposto por Chartier, entendemos, tal como nos afirma, Munakata (2012, p.183-184), que “Entre a enunciação das ideias e dos valores e a sua recepção, há sempre a mediação, da materialidade do objeto-livro, que deve ser levada em conta”. Dessa forma, ao analisar os LDP, faz-se necessário “partir sempre das características do suporte material. Isso exige examinar o aspecto físico dos livros, a disposição do texto na página, a impressão, a encadernação, o tamanho e a extensão do livro, sua disponibilidade em determinados contextos (...) (ROCKWELL, 2001, p.15)”. Considerar esses aspectos frente à análise dos livros didáticos que pretendemos empreender é fundamental, posto que através deles é

possível encontrar um leitor desejável ou o protocolo de leitura pretendido (CHARTIER, 2001a). Ideia também compartilhada por Darnton (1990, p. 168-169): “Ao estudarem os livros como objetos físicos, os bibliógrafos demonstraram que a disposição tipográfica de um texto pode determinar um grau considerável a forma como era lido(...) .todos os textos tem propriedades tipográficas que guiam a reação do leitor, (...) O formato de um livro pode ser decisivo pra o seu significado”.

As discussões aqui apreendidas apenas encenam, de certa forma, a possibilidade de olhares vários para um mesmo objeto de pesquisa, e estão longe de tentar estabelecer “mais uma dicotomia classificatória – gênero x suporte”, tal como ressaltou Bunzen (2005, p. 28) em sua dissertação de Mestrado ao estudar também o LD. O que queremos é deixar claro o modo como compreendemos o LD: como objeto cultural capaz de revelar o exercício das práticas de leituras através da análise dos possíveis protocolos de leitura impregnados na sua materialidade e nos textos dados a ler. Neste sentido, é compreendendo o LD como suporte que o tomaremos como objeto de estudo, posto que temos por objetivo buscar “nos próprios textos e na materialidade do impresso, marcas indicativas que permitam a reconstrução do leitor pensado pelo autor e/editor no momento da produção do objeto da leitura (BATISTA: GALVÃO, 2009a, p.29)”. É neste sentido, que caminhará a análise do LDP nesta pesquisa. Sendo assim, convém refletirmos sobre a produção do livro didático.