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PEARCE E CONKLIN Natureza humana

4. Analisar o que esses padrões revelam sobre a situação ou cena

4.3.4 Ensino de gêneros centrado no leitor

Anis Bawarshi, também participante da Conferência da AILA, discorreu sobre o termo “invenção”, na perspectiva retórica, estabelecendo relação com o ensino de gêneros em segunda língua. Ele propõe que o gênero seja o ponto de partida para o ensino da invenção a fim de se perceber que a invenção não se dá em um processo cognitivo no interior dos indivíduos, mas em um processo cognitivo situado dentro dos gêneros.

Como os escritores descobrem o que querem dizer, que conteúdo eles decidem incluir, por que eles devem incluí-lo e como eles devem estruturá- lo, e quais efeitos o que eles incluem vão provavelmente ter dentro de situações retóricas particulares – todos esses aspectos dependem do conhecimento do autor sobre o gênero que ele está escrevendo (BAWARSHI apud JOHNS et al., 2006, p. 244).

Todo processo de descoberta, de invenção, de pré-escrita, isto é, a concepção do que se vai escrever e de como se pretende avançar na escrita não se limita ao que já é próprio do escritor; existe também a iniciativa dele em observar o que está ao seu redor que pode lhe ajudar em seus propósitos de escrita bem como no modo como escreverá. Portanto, a busca por ideias e significados precede à escrita. Esse panorama sobre invenção consolida o que Hyland (apud JOHNS et al., 2006, p. 244) chamou de ‘ideologia do indivíduo’.

Nesse prisma, os gêneros são vistos como mundos simbólicos habitados por todas as pessoas textualmente. Por isso, devemos, como parte do processo de invenção, observar como esses mundos são formados em termos lexicais, sintáticos, estruturais, retóricos e temáticos; e também em relação à situação retórica típica: onde e por que é utilizado, quem o usa, em quais condições e quando (JOHNS et al., 2006).

Finalizando o simpósio, Richard M. Coe (apud JOHNS et al., 2006, p. 245), da Simon Fraser University, definiu gênero textual como uma “estrutura culturalmente típica que incorpora uma estratégia socialmente conveniente para responder a variadas situações”.

Diante da pergunta sobre os gêneros que deveriam ser ensinados, Coe sugeriu princípios que iluminam essa escolha, considerando, dentre outros fatores, a diversidade de situações de aprendizagem e os contextos sociais em que se inserem os alunos. Nesse sentido, gênero e situação de uso estabelecem relação de reciprocidade. Isso reforça o que grande parte das mais recentes concepções indica: entendemos gênero se entendemos a sua relação funcional entre forma e situação.

Os gêneros a serem ensinados aos alunos, então, serão aqueles relacionados às situações acadêmicas em que eles estarão inseridos e os que certamente atenderão aos propósitos deles nessas situações. Outro princípio apontado por Coe diz respeito ao ensino de gêneros que sejam do interesse dos alunos. Normalmente, essa motivação poderá surgir a partir da necessidade de uso imediato (como a produção de resumo acadêmico, relatório técnico ou resenha) ou porque eles sabem que precisarão futuramente (como um artigo científico).

Não basta apenas apresentar considerações sobre o gênero. É também importante envolver os alunos em exercícios que os possibilitem perceber, por exemplo, o que os professores desejam quando solicitam a produção de certo gênero. Bazerman (2007, p.47), a esse respeito, diz: “ao compreender o que fazemos como escritores, podemos achar útil olhar para nós mesmos do lado de fora, para considerar a dinâmica e os sistemas de comunicação de que participamos através do nosso ato de escrita”. Podemos, disso, depreender que a produção de um Manual do Professor requer também colocar-se no papel do professor que utilizará o Livro Didático ao qual encontra-se vinculado o MP.

Isso, no dizer de Coe, requer entender gêneros não como formas, mas como “functional strategies for achieving one’s purposes in particular types of situations” (apud JOHNS et al., 2006, p. 246) [estratégias funcionais para atingir os propósitos de alguém em tipos de situações específicas]. Ele também reforça que os alunos, movidos por um espírito investigativo, devem aprender pelo menos um gênero por disciplina.

Coe (apud JOHNS et al., 2006, p.246) afirmou também que o ensino da escrita, através dos gêneros, deve ser centrado no leitor:

Na Simon Fraser University, nós temos usado uma abordagem baseada em gênero para o ensino da escrita, por aproximadamente duas décadas. Nossa primeira disciplina é chamada de “Escrita Universitária” e ela ensina gêneros

acadêmicos e estruturas genéricas com forte foco nos tipos de escrita que os alunos da graduação precisam utilizar. Essencialmente, essa disciplina utiliza uma abordagem centrada no leitor – reconhecendo que as estratégias eficazes para a escrita a determinados leitores devem estar relacionadas às estruturas genéricas que aqueles leitores esperam.

O foco da aprendizagem, podemos assim dizer, para o aluno, está nos gêneros que ele escreverá, quer porque receberá atividades nas mais diversas disciplinas que cursará, quer porque deseje, por iniciativa própria, pleitear participação em projetos extraclasse, aqueles em que se deparará em atividades paralelas ao estudo acadêmico. Desse modo, o aluno analisará a expectativa do professor que fará a leitura da atividade acadêmica, no âmbito do processo de ensino-aprendizagem. E, fora da agência acadêmica, manterá também atenção em quem se constituirá como leitor de sua produção; para ilustrar: deverá atender ao exigido por determinado edital de concurso, sob pena de não alcançar êxito no propósito que o levou a escrever. Para qualquer cidadão, portanto, caberá aprender os gêneros com os quais necessitará transitar em sua comunidade de prática social de linguagem, quer seja na esfera profissional, quer em qualquer outra esfera (religiosa, política, familiar).

Conforme Johns et al. (2006), as contribuições dos especialistas citados nesta seção revelam a natureza complexa do estudo dos gêneros. Foram apresentadas diferentes concepções sobre gêneros, ressaltando-se pressupostos bem específicos em termos teóricos e pedagógicos. Apesar disso, também foram observadas considerações semelhantes no tocante a textos, contextos, autores e seus propósitos, além de todos os aspectos extratextuais que incidem em autores e seus leitores.

Analisar gêneros, entre outras objetos, requer considerações textuais e pragmáticas, assim como o estudo das comunidades discursivas e das estruturas de poder; no entanto, como notificou Chris Tardy (apud JOHNS et al., 2006, p.248), “individual researchers nearly Always need to limit themselves to only some of these” [pesquisadores individuais quase sempre precisam limitar-se a um desses].

Johns et al (2006) concluíram o seu artigo assegurando que, na esfera pedagógica, os alunos devem se deparar com uma variedade de gêneros escritos declinando-se com uma variedade de públicos e contextos, a fim de ampliarem sua competência em situações retóricas (seja na própria escola ou em qualquer outra campo social), como leitores e autores proficientes.

Neste capítulo, apresentamos categorias e conceitos centrais da abordagem sociorretórica dos gêneros textuais. Apesar de assumirmos essa abordagem como base teórico-metodológica de nossa pesquisa, não faremos uso, neste trabalho, de todas as categorias que ela nos oferece. Na análise dos dados gerados, à luz de Bazerman (2011) e de Reiff (apud JOHNS et al., 2006), priorizamos as seguintes categorias: constituição textual, organização retórica, sistema de gêneros e de atividades humanas, propósito, ambiente de interação e usuários.

5 DO LIVRO DIDÁTICO AOS CRITÉRIOS DE PRODUÇÃO DE UM MANUAL DO