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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

3 CONCEPÇÕES DE GÊNERO TEXTUAL: DOS ESTUDOS CLÁSSICOS ÀS PERSPECTIVAS ATUAIS

3.2 PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS DE ESTUDO DOS GÊNEROS

3.2.1 Perspectiva sociossemiótica

Para iniciar a discussão sobre estudos de gêneros na contemporaneidade, começando pela perspectiva sociossemiótica, apresentamos, nesta seção, questões relacionadas ao texto e ao contexto, segundo estudos de Motta-Roth e Heberle (2005) a partir da proposição de Hasan, que trata sobre elementos essenciais à análise da Configuração Contextual (CC) de um gênero textual. Veremos adiante que a relação entre texto e contexto gera a possibilidade de obter elementos obrigatórios e outros opcionais na estrutura do gênero.

Motta-Roth e Heberle (2005), tomando por base a análise da linguagem como sistema sociossemiótico, preconizada por Hasan, passam pela recontextualização da teoria sociolinguística de Bernstein (vinculada ao estudo da variação sociossemântica da linguagem), enfatizando o exame dos fatores referentes aos contextos em que a vida humana

se realiza. Para Bernstein (1990 apud MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2005, 13), “[...] o texto é a forma visível palpável e material da relação social. Deveria ser possível recuperar a prática interacional específica original a partir da análise do(s) texto(s) no contexto dessa prática”.

De acordo com Motta-Roth e Heberle (2005), Hasan entende que a construção de significações (a partir da linguagem) e a construção do contexto, conforme tais significações, são atividades intimamente relacionadas entre si.

A linguística sistêmico-funcional discute as relações entre texto e contexto, sobretudo examinando como o contexto adentra o texto. Nessa abordagem, tem-se o contexto de cultura como tudo que constitui a história cultural dos participantes das interações verbais via linguagem – objeto de investigação; enquanto que o contexto de situação remete não somente à situação mas também ao ambiente verbal em que o texto se insere (FERREIRA, 2010, p. 72).

Sobre contexto de situação, Motta-Roth e Heberle (2005, p.14) dizem:

A teoria sócio-semiótica da linguagem hallidayana define a “ocasião de uso da linguagem” em termos de “contexto de situação” e “contexto de cultura”. Cada “contexto de situação” é um sistema de “relevâncias motivadoras” para o uso da linguagem, de forma que uma determinada atividade humana em andamento e a interação entre os participantes são mediadas pela linguagem. Por conseguinte, a percepção do que é relevante em termos de uso da linguagem em dada situação é, ao mesmo tempo, um processo individual (pelo pensamento) e compartilhado (pela interação), que também define o que conta como “contexto”. Assim, numa relação dialética, o contexto da situação se constitui em uma “força dinâmica” na criação e na interpretação do texto”.

Essas autoras (2005) afirmam que o contexto da cultura corresponde a um conjunto compartilhado de contextos de situação. Trata-se, portanto, de um sistema de experiências com significados compartilhados. Cada pessoa é o resultado de suas interações e das convenções semióticas das comunidades em que está inserido.

Elas asseguram também que contexto de cultura é o produto da padronização do discurso em termos de atos retóricos ou atos de fala, já que esses são realizados via linguagem, de características retóricas recorrentes e de circunstâncias específicas. Por isso, contexto e texto estão profundamente relacionados no processo de significação, de organização e construção da experiência humana, conforme Heberle (2000, p. 297).

Motta-Roth e Heberle (2005, p. 15) asseveram, retomando Hasan, que o contexto de situação equivale a tudo que, na interação, é considerado relevante e está definido por três variáveis: campo (natureza da prática social), relação (natureza da conexão entre os participantes da situação) e modo (natureza do meio de transmissão da mensagem). Tais variáveis são realizadas a partir de metafunções da linguagem.

Assumindo essas variáveis da configuração contextual e considerando que elas estabelecem relação recíproca com os elementos textuais opcionais e obrigatórios de uma Estrutura Potencial de Gênero (EPG), Hasan assegura que o texto se instaura através de pistas contextuais, enquanto que o contexto resulta do conjunto de textos produzidos numa situação específica de um contexto de cultura. Serão as especificidades de um contexto que promoverão os elementos textuais tidos como obrigatórios e opcionais da EPG e vice-versa. Ao mesmo tempo, registra a teoria (apud MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2005, p. 18), a estrutura do gênero estará passível de variações, conforme os limites delineados na própria EPG, que se evidenciam nas questões a saber.

1) Que elementos DEVEM ocorrer em cada exemplar de um determinado gênero? (Elementos obrigatórios)

2) Que elementos PODEM ocorrer, embora não precisem estar presentes em cada exemplar de um determinado gênero? (Elementos opcionais) 3) Que elementos PODEM ocorrer MAIS DE UMA VEZ ao longo do texto? (Elementos iterativos)

4) Que elementos TÊM UMA ORDEM FIXA de ocorrência se comparados a outros elementos?

5) Que elementos TÊM UMA ORDEM VARIÁVEL de ocorrência se comparados a outros elementos?

Os traços específicos de um contexto, no dizer de Motta-Roth e Herbele (2005), possibilitar-nos-ão perceber a sequência e a recorrência dos elementos obrigatórios e dos opcionais da EPG. Como não há um “plano rígido com relação à estrutura genérica”, a EPG poderá receber variações em relação, por exemplo, a que elementos são obrigatórios em determinado gênero. Os elementos opcionais dizem respeito à porção associada a determinado gênero que não necessita estar presente em qualquer exemplar textual. A terceira questão se refere aos elementos interativos, que aparecem mais de uma vez num evento comunicativo sem seguir uma ordem rígida. As questões seguintes, como vimos, se referem aos elementos de ordem fixa e outros de ordem variável, tendo como base diversos exemplares de um gênero. Desse modo, a CC representa a situação específica em que o gênero se constitui e a EPG se estabelece como a linguagem que medeia a atividade social nessa situação. Esta instrui aquela e vice-versa.

Para essas mesmas autoras, o principal objetivo, portanto, da EPG é:

Dar conta do leque de opções de estruturas esquemáticas específicas potencialmente disponíveis aos textos de um mesmo gênero, de tal forma que as propriedades cruciais de um gênero possam ser abstraídas e qualquer exemplar desse gênero possa ser representado. (MOTTA-ROTH; HEBERLE, 2005, p. 19)

Segundo essas autoras, a EPG recebeu críticas de pesquisadores adeptos à gramática sistêmico-funcional. Motta-Roth e Heberle (2005, p. 27) citam Eija Ventola (1989), para quem a EPG é “uma abstração sem correspondência fiel aos dados da linguagem real”, e Jim Martin que “argumenta que, até certo ponto, a EPG impõe uma visão linear e objetiva de gêneros, o que a coloca como uma categoria desconectada do evento que lhe deu origem”.

Ventola (1989) diz que a EPG impõe rígidos padrões sequenciais para estágios do texto, que não corresponde ao que acontece na linguagem natural; além disso, a maior recursividade na dinâmica dos elementos linguísticos presentes na realidade, que vai além do que a EPG estabelece. Hasan (1995) rebate às críticas de Ventola, considerando que qualquer teoria deve se realizar num contexto de generalização, a fim de que se possa aplicá-la a todas as instâncias de mesmo tipo de ocorrência.

Hasan (1995) também responde à crítica de Martin. Tomando como argumento Pierre Bourdieu (mesmo autor utilizado por Martin para criticar a EPG, assegurando que ela não revela a individualidade e a dinâmica de cada evento particular), que refutou a naturalização do conceito de “subjetividade”. Motta-Roth e Heberle (2005, p. 27) registram que, para Bourdieu,

[...] qualquer ação humana, inclusive o uso da linguagem, de modo geral, é uma conjuntura, um encontro de fatores causais independentes: de um lado, as disposições, socialmente modeladas, que implicam uma certa propensão a falar e a dizer determinadas coisas – o habitus linguístico, definido ao mesmo tempo como competência linguística e capacidade social de usar essa competência numa dada situação; e, de outro lado, as estruturas do mercado linguístico, que se constituem como um sistema de sanções e censuras específicas a cada contexto.

Para Hasan (1995, p. 28), a linguagem se realiza no exercício da vida e o gênero2 se constitui na linguagem, inserida em contextos e funções recorrentes na vivência humana. Assim, o contexto incide no modo como o conteúdo, as relações interpessoais e a estrutura da informação se realizam textualmente.

Em suma, o estudo dos gêneros textuais, segundo a perspectiva sociossemiótica, visa entender a relação bidirecional entre discurso e estruturação sociais, considerando a linguagem como prática social de significação que (1) estrutura experiências diárias, (2) [re]constrói relações interpessoais e se revela na forma de textos sociossituados.