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4 ESTUDO DOS GÊNEROS NA CONCEPÇÃO SOCIORRETÓRICA

4.1 ESCOLA BRITÂNICA

4.1.2 Vijay Bhatia

Oriundo da Escola Britânica, juntamente com Swales, de quem recebeu influência substancial, Vijay Bhatia apresenta contribuições significativas ao estudo dos gêneros na abordagem sociorretórica, parte delas referente a inserções na teoria swalesiana. Partindo de

contextos profissionais, ele seleciona gêneros que circulam nas esferas sociais de negócio e jurídicas e, para analisá-los, baseia-se no modelo CARS, após reformular esse modelo.

Bhatia (1996), como suporte para a discussão sobre gênero, menciona Martin (1985) que diz: “genres are how things get done, when language is used to accomplish them” [“gêneros são como as coisas são feitas, quando a linguagem é usada para realizá-las”]. No Seminário sobre Gênero e Análise de Gênero na Escola de Negócios de Aarhus, em 08 de setembro de 1995, na Dinamarca, falando sobre o conceito de gênero, Bhatia (1996) visita também, dentre outras, as considerações de Bitzer (1968), que discorre sobre gêneros como respostas típicas a situações retóricas recorrentes, e Miller (1984), que relacionou a noção de repetição de situações retóricas a tipicidade das respostas e entendeu gênero como uma forma de ação retórica, demarcada pelo contexto social em que a situação surgiu; até chegar a definição de Swales (1990, p. 58) que compreende gênero como uma classe de eventos comunicativos, cujos participantes compartilham de um mesmo conjunto de propósitos comunicativos. A ação retórica comparável, reconhecida pelos especialistas da comunidade discursiva, estabelece a estrutura esquemática do discurso bem como a escolha de conteúdo e estilo, justificando a razão de ser específica de cada gênero.

Diante de diferentes empreendimentos de análise de gêneros, Bhatia (2009, p.160) cita que constituem a base comum entre as abordagens: a ênfase no conhecimento convencionado, a versatilidade da descrição dos gêneros e a tendência para a inovação.

No tocante ao conhecimento convencionado, ele apresenta três aspectos inter- relacionados fundamentais ao estudo dos gêneros, a saber: a recorrência de situações retóricas, os propósitos comunicativos compartilhados e as regularidades de organização estrutural. Do contexto sócio-cultural, observam-se as situações retóricas típicas, sendo provavelmente essencial conhecer como se consolida o contexto sociorretórico de determinado evento comunicativo. Como consequência desse processo, certificam-se o(s) propósito(s) comunicativo(s):

Uma boa e adequada compreensão da situação retórica típica leva à identificação do(s) propósito(s) comunicativo(s) mutuamente compartilhado(s) por participantes tipicamente associados a uma comunidade discursiva em particular. Os propósitos comunicativos compartilhados estão, dessa forma, imbricados dentro do contexto retórico relevante. (BHATIA, 2009, 161)

Ele entende também que os propósitos comunicativos compartilhados se constituem no mais significativo aspecto, pois reúne os dois primeiros, já que se inserem em contextos retóricos específicos e determinam escolhas estruturais e formas léxico-gramaticais específicas (BHATIA, 1996, p.48). Considerando como se apresentam as construções linguísticas dessas situações retóricas, reconhecem-se as regularidades típicas que caracterizam o construto genérico em suas formas estruturais e organizacionais.

Embora tenha citado os aspectos acima como essenciais a uma análise genérica, Bhatia (1996) esclarece que os gêneros não são estáticos. Mais adiante, destacaremos a natureza dinâmica do gênero. No entanto, é preciso, desde já, destacarmos, segundo o autor, que há uma forte tendência convencionalista das propriedades de construção e interpretação de gêneros a partir do que se percebe como denominador mais comum entre os exemplares de um mesmo gênero, institucionalizando essas características, ao invés de dar a análise do gênero um procedimento criativo, inovador e explorável.

Sobre a versatilidade dos gêneros, Bhatia (2009) afirma que acontece em diferentes níveis, como modelo retórico que especifica a relação entre texto e contexto (em sentido estrito), entre o uso da linguagem e o que possibilidade isso e entre língua e cultura (em sentido amplo). Se tomarmos como ponto de partida, para a análise de gêneros, o propósito comunicativo relacionado a uma situação retórica específica, observamos que o construto dos gêneros se estabelece em duas frentes: (1) numa visão mais geral dos usos da língua e (2) numa visão mais específica de sua realização. Isso se aplica, inclusive, a partir da noção de propósito comunicativo: tanto pode se realizar em termos gerais quanto pode ser limitado a determinado nível e situação.

[...] tanto pode haver um único propósito comunicativo como um bem detalhado conjunto de propósitos comunicativos. Dependendo do nível de generalização e do detalhamento em que o propósito comunicativo é especificado, pode-se chegar à condição de identificar o status de um gênero em particular, bem como o uso que ele faz das convenções do gênero. (BHATIA, 2009, p.164)

Em síntese, os propósitos comunicativos, formados em distintos níveis de generalização, na concepção acima, poderá identificar os gêneros. Bhatia (2009), para ilustrar, cita o caso dos gêneros profissionais, sobre os quais se encontram diversos níveis de

generalização, e dos gêneros promocionais, em que poderemos nos deparar com um nível mais alto de generalização.

No discurso promocional, descobrimos, sob a linha de um mesmo propósito comunicativo, uma constelação de gêneros estreitamente relacionados, a saber: anúncios, cartas promocionais, inscrições para empregos, sinopses de livros, panfletos comerciais, panfletos turísticos, entre outros. Todos esses gêneros buscam promover um produto ou um serviço para um cliente potencial, apesar de poderem também apresentar pequenas diferenças em sua realização. Bhatia (2009, p. 165) ressalta que cada gênero, acima citado, poderá ser observado em um nível mais baixo de generalização, permitindo distinções entre realizações mais específicas. Cita, como exemplo, os “anúncios”:

Exemplos óbvios incluirão anúncios impressos, comerciais de TV, anúncios radiofônicos e outros. As diferenças entre esses gêneros são pouco discerníveis em termos de propósitos comunicativos e mais em termos do meio de discurso, portanto pertencem, como gêneros, à mesma categoria geral popularmente conhecida como anúncios. Indo um passo adiante, considerando agora somente os anúncios impressos, ainda é possível considerá-los em termos de categorias como anúncios diretos, anúncios com associação de figuras e legendas, anúncios baseados na imagem, testemunhos, falsos gêneros etc. Seja qual for a subcategoria, todos esses anúncios servem ao mesmo conjunto de propósitos comunicativos, embora a maioria deles utilize estratégias diferentes para promover o produto ou serviço.

A distinção estará, portanto, nas estratégias de persuasão e nas relacionadas ao recurso linguístico (verbal ou estímulos visuais) ou no que se refere ao uso dos recursos linguísticos, quer seja para avaliação do produto, para indicar o tipo de produto a ser anunciado ou ainda em termos do tipo de cliente potencial a que se reporta o produto. São, nesse sentido, diferenças no que diz respeito à descrição, avaliação ou especificação do produto, as quais implicam em usos específicos de recursos linguísticos. Segundo Bhatia (2009), essas alterações acarretam novos gêneros a partir do instante em que indicam uma diferença significativa nos propósitos comunicativos.

O interessante na teoria de gêneros é que, caso se utilize a situação retórica ou o propósito comunicativo como critério privilegiado, isso implica que, enquanto o propósito comunicativo permanece o mesmo, os textos em questão são identificados como gêneros intimamente relacionados. À medida que nos movemos do nível mais alto para os níveis mais baixos de

generalização, precisamos definir o propósito comunicativo em uma crescente ordem de especificidade e detalhamento, se desejamos realmente distingui-los como gêneros ou subgêneros. (BHATIA, 2009, p.166)

Logo, categorizar gêneros requer o exame das semelhanças e diferenças encontradas entre eles, dentro da colônia de gêneros em que se inserem. Se o analista se empenha em conhecer as sutilezas do gênero, o foco dele será a definição dos propósitos comunicativos em um nível propriamente mais baixo de especificidade. Mas, se pretende estabelecer a distinção da variedade de realizações específicas de gêneros similarmente relacionados, deverá especificar os propósitos comunicativos em um nível mais alto de generalidade.

Retomando o caráter dinâmico genérico, vale salientar que a análise de gêneros exige também reconhecer que, mesmo estando tipicamente associados a contextos retóricos recorrentes e delimitados em propósitos comunicativos específicos, os gêneros podem estar em perene construção. Conforme Berkenkotter e Huckin (1995 apud BHATIA, 2009, p.167):

Gêneros são estruturas retóricas inerentemente dinâmicas que podem ser manipulados de acordo com as condições de uso, e que o conhecimento de gêneros é, por conseguinte, mais bem conceituado como forma de cognição situada e imbricada em culturas disciplinares.

Para esses autores, os gêneros se situam em local de disputa entre a estabilidade e o processo de mudança. Ou seja, os gêneros textuais se realizam como evento textual retoricamente situado, mas também apresentam naturalmente tendência à inovação e à mudança, resultado da habilidade dos membros da comunidade de usuários especialistas, que proporcionam novas formas a fim de corresponderem a novos contextos retóricos, quer sejam familiares ou não às formas em curso.

Se por um lado, temos a integridade genérica como uma força conservadora; do outro, encontramos a tendência à inovação, que sinaliza criatividade, mudança. As forças que impulsionam mudanças são imputadas às necessidades da multimídia, à tecnologia informacional, ao mundo do trabalho, ao ambiente profissional (crescente em termos competitivos, tanto do ponto de vista acadêmico como empresarial) e, sobretudo, à necessidade de criatividade e inovação na comunicação profissional. (BHATIA, 2009)

Os gêneros situam-se tipicamente em contextos sócio-retóricos específicos e, dessa forma, modelam futuras respostas retóricas a situações; eles sempre foram vistos como “lugar de contenda entre a estabilidade e a mudança” (Berkenkotter e Huckin, 1995, p. 6). Pode acontecer que alguém seja chamado a responder a uma necessidade sócio-cognitiva de mudança, o que exigiria dele negociar sua resposta à luz das convenções reconhecidas e estabelecidas, uma vez que os gêneros de fato transmutam através dos tempos, em resposta a necessidades sócio-cognitivas. (BHATIA, 2009, p.168)

A inovação, portanto, está vinculada aos limites amplos dos gêneros, sob pena de se perder a categorização genérica e não ter o reconhecimento da comunidade que manipula o gênero alterado.

Bhatia (1997) faz também considerações sobre a natureza híbrida no estudo dos gêneros. A hibridização, para ele, é resultado da composição de dois gêneros inteiramente distintos em um evento comunicativo, com um único propósito; por exemplo, uma entrevista e um email que se constituem hibridamente para a realização de uma única ação de linguagem.

Em suma, para uma análise de gêneros, Segundo Bhatia (1993), a metodologia se constitui de sete fases agrupadas em três etapas fundamentais: a exploratória, que compreende à escolha e delimitação do gênero e reúne as quatro primeiras fases; o desenvolvimento da pesquisa, fases 5 e 6; e a apresentação dos resultados, a última fase; conforme quadro a seguir:

Quadro 9 – Fases na análise de gêneros propostas por Bhatia 1ª. fase

Localização de um gênero em um contexto situacional 2ª. fase

Levantamento da literatura sobre o assunto 3ª. fase

Refinamento da análise do contexto situacional 4ª. fase

Seleção do corpus 5ª. fase

Estudo do contexto situacional 6ª. fase

Seleção de níveis de análise linguística 7ª. fase

Verificação das informações / conclusões com informante especialista da comunidade discursiva Fonte: Bhatia (1993)

As fases de 1 a 3 se referem à classificação do objeto de estudo investigado em um contexto. É importante, portanto, nesses passos, investigar o contexto em que o gênero se insere, além da literatura que precedeu essa análise. As fases 4 a 6 se reportam à seleção do corpus e à seleção dos níveis de análise linguística. Sobre a seleção do corpus, é fundamental selecionar um conjunto de textos adequado ao objetivo do estudo. Sobre a análise, Bhatia (1993) ressalta a necessidade de se estudar o contexto institucional, inserindo o sistema em que o gênero é usado e as regras e as convenções – de natureza linguística, social, cultural, acadêmica e profissional – que regem o uso da linguagem no específico contexto. Ainda sobre a fase 6, ele aponta os três níveis em que a análise pode se realizar, a saber: (a) elementos léxico-gramaticais, cuja análise se dá quantitativamente; (b) padrões-textuais ou de textualização (em termos lexicais, sintáticos ou discursivos); e (c) gênero em termos de movimentos retóricos.

Essa metodologia contribuiu para a ressignificação do conceito de gênero postulado por Swales. Como destaca Palma (2004, p. 34), Bhatia enfatizou o gênero textual como “resultado de práticas discursivas convencionalizadas e institucionalizadas em comunidades discursivas”.