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ESTUDOS E PNLD: CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MANUAL DO PROFESSOR

Se as pesquisas sobre Livro Didático7 são consideradas por especialistas ainda pouco representativas em termos quantitativos, o que dizer de pesquisas sobre o Manual do Professor? Realizamos incontáveis investigações no sentido de identificarmos pesquisas no Brasil e no exterior sobre o MP. Encontramos apenas quatro trabalhos: um artigo sobre MP de LD de Língua Inglesa, resultado de uma pesquisa também de doutorado em andamento, apresentado no VI SIGET (Natal-RN) em 2011; um ensaio de Cemin (2003), que analisou como a noção de gênero do discurso, sinalizada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, à luz da teoria bakhtinana, vem se consolidando nas atividades propostas para a prática de produção textual escrita no MP, no livro didático de LP; um artigo de Beth Marcuschi (2001), que buscou identificar a concepção de avaliação defendida no MP analisado por ela, tendo em

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vista as competências pretendidas na aula de Português; e um artigo de Bueno (2004), que realizou uma análise exploratória sobre a imagem do professor nos MP de LD. Trataremos, brevemente, sobre esse dois últimos artigos.

Marcuschi (2001, p. 139) afirmou que nem sempre os MP têm cumprido o objetivo de “aprofundar com o professor as bases teórico-metodológicas que alicerçam o livro do aluno”. Todo MP deveria proporcionar ao professor condições para o desenvolvimento de habilidades e conteúdos e de atividades propostas pelo LD para determinado ano escolar. E inserido nesse contexto, a pesquisadora observou que um dos aspectos mais presentes no processo de ensino e aprendizagem que não tem recebido a devida atenção dos MP é a avaliação. Tópico importante porque o professor, como leitor privilegiado da obra didática (LAJOLO, 1996, p. 05), utiliza-se, em seu fazer pedagógico, de uma série de subsídios pedagógicos, dentre os quais se encontram o LD e o MP.

O que se constata, normalmente, em MP é a definição de respostas aceitas aos exercícios do LD, desconsiderando outras possibilidades.

Nessa polarização certo-errado, ignora totalmente que a proposta do estudante deve ser sempre considerada e analisada, pois é indicadora do caminho por ele percorrido, do que ele contemplou e deixou de contemplar na apresentação de sua hipótese e, um sinal, que não pode ser ignorado, da aprendizagem construída (MARCUSCHI, 2001, p. 142).

Por esse motivo, Marcuschi (2001) afirma que o MP deve apresentar concepções de avaliação bem explicadas, para que os procedimentos avaliativos não se restrinjam à medição.

Bueno (2004) analisou 3 (três) MP de diferentes níveis de ensino (um dos anos iniciais do Ensino Fundamental, outro dos anos finais do Ensino Fundamental e o terceiro do Ensino Médio), a fim de examinar também se as imagens construídas dos professores nos MP seriam diferentes ou de acordo com o nível de atuação pedagógica. Um dos MP analisados apresentou uma consideração que sintetizou a conclusão da referida pesquisa: “é extremamente importante que você, professor, acompanhe sempre sua prática em sala de aula com a leitura das orientações presentes no Manual, para que o trabalho possa ser mais eficaz” (CARVALHO et al, 2003). Segundo Bueno (2004, p.87),

A imagem de professor nos manuais analisados é a de alguém que sabe pouco e que tem uma prática que precisa ser alterada, ou seja, reforça-se o professor como um profissional do “déficit”, aquele a quem está sempre faltando algo que precisará ser dado por um outro, neste caso, pelo Manual.

Se por um lado trata-se de um equívoco dizer que a eficácia do trabalho docente está diretamente relacionada às orientações de um Manual, por outro é necessário reconhecermos que a formação acadêmica não é suficiente para nutrir o professor de componentes formativos essenciais à sua prática. Por esse e outros motivos, a formação continuada se apresenta como condição sine qua non do trabalho docente. Esse processo formativo pode ser percorrido também a partir de leituras pela iniciativa própria de cada professor.

[...] pesquisas mostram – e os Referenciais para a formação de professores reconhecem – que a formação docente, em nível médio ou superior, não tem se mostrado adequada para o desenvolvimento de competências básicas para a atuação profissional. No que diz respeito, por exemplo, a uma dessas competências – a leitura para desenvolvimento da atualização e formação profissional – estudo desenvolvido pela Fundação Carlos Chagas, com base em amostra de professores dos estados de Minas Gerais, Maranhão e São Paulo, evidencia que essa modalidade de leitura é pouco frequente e que é pequena a familiaridade dos docentes com fontes de informação educacionais. (BATISTA, 2001, p. 34)

Inúmeras questões devem ser observadas diante da constatação de que o professor lê pouco sobre a sua área, embora sejam muitos os cursos de pós-graduação não somente oferecidos por instituições públicas como também pela rede privada de instituições de ensino superior.

Um dos aspectos a ser evidenciado diz respeito ao fato de os programas de distribuição de livros do governo federal serem um tanto quanto recentes e boa parte dos professores de hoje não terem usufruído desse recurso quando foram alunos da educação básica. Portanto, tiveram pouco acesso a acervo significativo para a sua formação leitora. Além de que, segundo Manolo Florentino (do Departamento de História da UFRJ), citado no artigo O apagão da leitura, de Adriana Natali (2012, p. 41), “não somos educados para a leitura, para cultivar o vocabulário e compreensão. Não temos o hábito de frequentar bibliotecas e o livro- mercadoria é caro [...]”.

Outro aspecto que devemos considerar – esse na contemporaneidade – é o exaustivo trabalho a que é submetido o professor (uma carga excessiva em sala de aula), pela própria

necessidade de sobrevivência. As escolas, sobretudo as da rede privada, pagam pelo tempo em que o docente está em sala de aula, e não investem na qualificação de seus servidores. Consequentemente, se o professor não dispõe, em seu horário de trabalho, de tempo para outras atividades, não terá também como encontrar um espaço extra para realizar leituras que possibilitem a sua formação continuada, já que o período em que se encontra fora da escola é dividido entre as atividades que lhe são próprias em sua família e de correção de trabalhos dos alunos e planejamento de aula. Essa é a realidade de parte substancial da categoria docente.

É preciso dizer também que os Manuais, durante muito tempo, limitavam-se a apresentar uma súmula pouco atrativa do material didático, começando pelo projeto gráfico: uma fonte de letra miúda e nada convidativa à leitura.

Ressaltamos que esse quadro tem sido alterado a cada PNLD. As políticas públicas8 para LD alcançaram, por extensão, os MP, estabelecendo aspectos essenciais para a produção deste gênero que extrapolam o produto daquele. Não se trata apenas de explicar a estrutura do LD, mas de discorrer sobre a base teórico-metodológica e sobre outros aspectos ausentes linguisticamente neste gênero. Como referência para essa observação, tomamos o edital proposto às editoras para captação dos livros cujos MP se constituem em nosso corpus de pesquisa.

A seção 2.1.5, do Anexo III, do Edital de Convocação para Inscrição no Processo de Avaliação do Livro Didático – PNLD 2012 (publicado em 04 de dezembro de 2009), que trata sobre a observância das características e finalidades específicas do manual do professor, diz que:

O manual do professor deve visar, antes de mais nada, a orientar os docentes para um uso adequado da obra didática, constituindo-se, ainda, num instrumento de complementação didático-pedagógica e atualização para o docente. Nesse sentido, o manual deve organizar-se de modo a propiciar ao docente uma efetiva reflexão sobre sua prática. Deve, ainda, colaborar para que o processo de ensino-aprendizagem acompanhe avanços recentes, tanto no campo de conhecimento do componente curricular da obra, quanto no da pedagogia e da didática em geral. (BRASIL, 2009a, p. 21)

8Estamos entendendo políticas públicas como “conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em diversas áreas.

Expressa a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público”

O texto acima revela que o MP deve apresentar recomendações ao professor acerca do uso do LD e lhe possibilitar caminhos para a sua formação continuada. À medida que contribui para a organização do ensino, favorece o estudo do professor para o aperfeiçoamento dos conhecimentos específicos à sua área e de sua prática pedagógica, sem comprometer a sua autonomia como profissional.

Por isso, mais adiante, discutimos sobre o MP como tecnologia de formação docente inserida no processo de letramento do professor. Nessa relação, consideramos o MP no conjunto dos gêneros catalisadores, aqueles que “favorecem o desencadeamento e a potencialização de ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor quanto de seus aprendizes” (SIGNORINI, 2006, p. 08).

Esse mesmo edital (BRASIL, 2009a) ressaltou que seriam aprovados somente os MP que atendessem aos seguintes aspectos:

(1) explicitar os objetivos da proposta didático-pedagógica efetivada pela obra e os pressupostos teórico-metodológicos por ela assumidos;

(2) descrever a organização geral da obra, tanto no conjunto dos volumes quanto na estruturação interna de cada um deles;

(3) apresentar o uso adequado dos livros, inclusive no que se refere às estratégias e aos recursos de ensino a serem empregados;

(4) indicar as possibilidades de trabalho interdisciplinar na escola, a partir do componente curricular abordado no livro;

(5) discutir diferentes formas, possibilidades, recursos e instrumentos de avaliação que o professor poderá utilizar ao longo do processo de ensino- aprendizagem;

(6) propiciar a reflexão sobre a prática docente, favorecendo sua análise por parte do professor e sua interação com os demais profissionais da escola; (7) apresentar textos de aprofundamentos e propostas de atividades complementares às do livro do aluno.

Tratando especificamente sobre o MP do LD de Língua Portuguesa, o referido edital (BRASIL, 2009a, p. 24) disse que, no processo de avaliação e seleção, observaria se o manual:

(1) explicita a organização da obra, os objetivos pretendidos, a orientação teórico-metodológica assumida para os estudos da linguagem e, em particular, para o ensino de Língua portuguesa;

(2) sugere atividades complementares em função dos objetivos pretendidos;

(3) apresenta indicações de consulta a uma bibliografia especializada que contribua para a reflexão do professor face a seu trabalho a favor da educação linguística;

(4) relaciona a proposta didática da obra aos documentos norteadores e organizadores do ensino médio;

(5) apresenta propostas que auxiliam o trabalho de avaliação e de autoavaliação do professor e do aluno.

Portanto, o MP do LD de Língua Portuguesa não somente realiza uma explanação do LD, no sentido de destacar as concepções pedagógicas e as relativas aos estudos de linguagem assumidas no projeto autoral do LD, desenvolvendo, para isso, o necessário aporte teórico, como também agencia novas atividades e recursos que concorram para o letramento do professor e do aluno. As orientações do MP, quando adequadas à realidade pedagógica, certamente possibilitam o melhor aproveitamento dos estudos encaminhados aos alunos no LD.

Este capítulo discutiu, dentre outros aspectos, políticas públicas de LD e marcos da valorização da Língua Portuguesa. Isso nos permitiu reconhecer as diretrizes do PNLD 2012 que estabelecem a macroestrutura de um MP. Com base nessa observação e nas contribuições oferecidas pela abordagem sociorretórica, analisaremos os dados gerados no capítulo seguinte.