• Nenhum resultado encontrado

REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA E OS ESTUDOS 

4.2 Geração e coleta de dados: as estratégias de pesquisa

4.2.4    Entrevistas focalizadas 

Quatro entrevistas focalizadas foram realizadas com membros do MNMMR/DF

entre outubro de 2006 e fevereiro de 2007. Participaram das entrevistas duas jovens protagonistas e duas educadoras do Movimento. As entrevistas são focalizadas, um tipo de entrevista que permite que a interação se desenvolva mais livremente, ainda que focalizada em pontos específicos de interesse (Doncaster, 1998). Esse método visa deixar os/as

[130]

participantes livres para relatarem o que considerem relevante acerca do tema estudado, o que tem o duplo mérito de alcançar a perspectiva dos sujeitos face ao tema e de não invadir de maneira indesejável sua privacidade.

Embora o objetivo tenha sido focalizar questões específicas, relacionadas à experiência das participantes com o MNMMR/DF, as entrevistas não passaram por um

planejamento rigoroso de questões a serem levantadas, uma vez que a participação essencial nessas entrevistas é a do/a entrevistado/a e não a do/a entrevistador/a (Magalhães, 1986). A vantagem desse tipo de entrevista é que garante o foco no tema de interesse da pesquisa mas ao mesmo tempo confere liberdade de expressão aos/às participantes, o que pode ser relevante para a construção discursiva de suas identidades. As entrevistas foram gravadas em áudio, e as transcrições resultaram em dados analisados sob o foco da ADC.

No método de entrevista focalizada não é desejável uma lista de perguntas a serem feitas, mas é útil levantar desde o início os temas a serem abordados, elaborando-se, tal como para os grupos focais, um tópico-guia. Para Gaskell (2005: 66), “duas questões centrais devem ser consideradas antes de qualquer forma de entrevista: o que perguntar (a especificação do tópico-guia) e a quem perguntar (como selecionar os entrevistados)”.

Quanto à primeira questão, a formulação do tópico-guia levou em consideração o fato de que as entrevistas deveriam servir para obter representações acerca do Movimento e sua atuação, da identificação das participantes em relação ao Movimento e das redes de práticas de que o Movimento faz parte. Quanto à segunda questão, aproveitei minha experiência anterior com o Movimento para ‘selecionar’ que participantes poderiam me ajudar a conhecer essas informações e teriam disponibilidade para tanto.

As duas jovens entrevistadas, Maria e Joana, haviam participado das oficinas pedagógicas que realizamos em parceria e haviam me recebido nos núcleos de suas cidades, no período da observação participante. A entrevista com Maria foi gravada, em 25 de outubro de 2006, em uma sala do ‘Corredor da Cidadania’, como é chamado o subsolo do prédio da polícia rodoviária onde se instalaram várias organizações não- governamentais voltadas para os direitos humanos, inclusive a Comissão Local do

MNMMR/DF. A sala em que gravamos a entrevista, de cerca de 45 minutos, é a do Comitê

[131]

Maria faz parte no comitê da juventude. Joana recebeu-me em sua casa para a entrevista em 16 de fevereiro de 2007. A entrevista com Joana durou pouco mais de uma hora, mas passei em sua casa quase a tarde inteira, tendo a oportunidade de conhecer sua família.

As duas educadoras entrevistadas eram também parceiras em meu projeto. Uma delas é a mesma a que me referi como ‘participante-chave’, a Júlia; a outra havia participado ativamente do projeto desenvolvido pelo Movimento com catadores/as de material reciclável, que teve um papel relevante na sua crise, e poderia me fornecer informações sobre a rede de práticas em que a organização atua (ver Capítulo 1). Trata-se de Vera, educadora do Movimento desde 1994. Ambas as entrevistas foram gravadas em salas da Comissão Local do MNMMR/DF em fevereiro de 2007. A entrevista com Júlia teve

duração de cerca de 45 minutos, e a de Vera demorou uma hora e vinte minutos.

As entrevistas, com as jovens e com as educadoras, foram baseadas em um tópico- guia focalizado em questões acerca de suas histórias no Movimento. No Quadro 4.2, a seguir, listo as questões que nortearam as entrevistas focalizadas.

TÓPICO-GUIA

Me fala do Movimento

Me conta como você começou no Movimento

Como era ser menina no Movimento? Como é ser jovem no Movimento? (apenas para as jovens) O que significa ser militante no Movimento?

Quadro 4.2 – Tópico-guia das entrevistas focalizadas

Planejei questões abertas e em pequeno número, pois meu objetivo era mais levantar tópicos para discussão que fazer perguntas propriamente. Outras questões foram sendo integradas às interações de acordo com o fluxo de cada entrevista. As entrevistas foram diálogos informais, em que tanto as entrevistadas quanto eu negociávamos conhecimentos e partilhávamos experiências sobre o Movimento. O período anterior, de observação, foi fundamental para as entrevistas por dois motivos: primeiro porque me permitiu estabelecer relação prévia com as participantes, o que é imprescindível para se realizar esse tipo de entrevista dialógica; segundo porque os conhecimentos que adquiri sobre o Movimento

[132]

durante a observação foram utilizados nas entrevistas para a construção desse diálogo, o que distancia as entrevistas que realizei do modelo pergunta-resposta.

Vale ressaltar que essas questões previstas não foram tratadas como imposições à pesquisa. É importante reconhecer que a pesquisa etnográfica, como um processo autoconstrutivo, se constrói a medida em que é feita, pode ser modificada e, como vimos, freqüentemente o é. Houve abertura também para as participantes inserirem outras questões, de acordo com sua própria agenda de interesses. Em cada uma das entrevistas essas questões levantadas deram ensejo a outras questões, de modo que as entrevistas seguiram distintos caminhos.