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Episódio 6: consultando um mapa

No documento neildarochacanedojunior (páginas 160-164)

6.3. Segundo momento: definindo uma problemática

6.3.4. Episódio 6: consultando um mapa

Esse episódio se refere ao sexto encontro e deveria ser o último sem a presença da Internet. Como já havia sinal de Internet nos computadores da secretaria da escola, da sala da diretora, e da sala dos professores. Bastava que o técnico responsável conectasse os computadores do laboratório de informática, que são aqueles disponíveis aos alunos, para que eles pudessem acessar a Internet.

Nesse encontro, da mesma maneira que nos encontros anteriores, ao colocar os gravadores ligados em meio a cada um dos grupos, os alunos do grupo investigado puseram-se a cantar e a simular entrevistas com o gravador enquanto eu atendia aos demais. Ao terminar os atendimentos aos outros grupos, aproximei- me dos nossos sujeitos e expus a questão da Internet.

Neil: Então, a gente precisa fazer o seguinte. Na próxima aula, nós vamos ter

Internet. Ainda que não tenha no laboratório de informática...

Rafa: Eu vou entrar no Facebook... [Interrompendo-me com entusiasmo]

Neil: A escola já tem Internet, já tem o sinal, só que não foi colocado no laboratório

de informática, ainda. Estão esperando o técnico vir instalar, é um técnico só para a prefeitura inteira. Então, não tem jeito. Mas eu vou trazer o notebook, pra gente ter acesso à internet aqui... E o que a gente precisa fazer antes de entrar na internet? A gente precisa ter um objetivo.

Rafa: Entrar no Facebook (ENCONTRO 6, arquivo mp3 do CD anexo, 5:44-6:08).

O comentário que Rafa faz, por duas vezes, sobre o desejo de acessar o Facebook, revela um motivo que viria a se tornar muito presentes nas ações do coletivo. Seguindo com a conversa, procuro lembrá-los de alguns destinos que mencionaram ao longo do trabalho. Então, sugiro que escolham três destinos específicos, para os quais eles devem pesquisar os preços das passagens, a partir de Juiz de Fora, e fazer comparações considerando as várias formas possíveis de se viajar.

Neil: É, vamos escolher três destinos diferentes. Tenta escolher, por exemplo,

usando um pouco do conhecimento de Geografia aí, um pro lado do nordeste ou norte, um pro lado do centro-oeste, Brasília é um bom exemplo, e outro lá pro Sul.

Neil: Três destinos diferentes. E fazer uma comparação (ENCONTRO 6, arquivo

mp3 do CD anexo, 7:34-7:53).

Ao fazer a sugestão por três destinos distintos, deixo o grupo trabalhando a sós e vou atender aos outros dois. Rafa e Teves estão dispersos e são convocados por Sara a trabalharem.

Sara: Escutou? Os três destinos. Vamos lá então: Brasília. Teves: É. Brasília, Salvador...

Sara: Não, Salvador não. Deixa Salvador pra lá.

Teves: É, então, Brasília, Curitiba Paraná... [pausa] Curitiba. Sara: Curitiba é Minas.

Teves: Alagoas?

Sara: Alagoas também é Minas. Teves: Mentira.

Sara: É Minas.

Teves: [Diz palavras incompreensíveis na gravação]. Sara: Maranhão...

Teves: E Bahia (ENCONTRO 6, arquivo mp3 do CD anexo, 9:01-9:53).

Teves e Sara estão se confundindo com relação aos estados e às cidades. Em seguida, os dois ficam em dúvida sobre a escrita correta da palavra Maranhão, se é com um ou dois erres. Decidem me perguntar sobre a forma correta de escrever a palavra Maranhão. Nesse momento, estou ocupado com outro grupo. Ainda assim, respondo dizendo que Maranhão não é cidade, mas sim, estado. Então perguntam sobre a capital do Maranhão e respondo que é São Luis do Maranhão.

A conversa segue entre Sara e Teves sem que a fala de Rafa seja ouvida em nenhum momento. É quando Sara sugere Goiás, São Luis e Brasília para serem os três destinos escolhidos. Teves questiona dizendo que Goiás fica em Minas e Sara diz que Goiás é Goiânia.

Os dois resolvem me chamar para resolver o impasse. Mas, ocupado com os outros grupos, demoro a atendê-los. Sara toma do gravador e passa a simular uma entrevista com Rafa e, em seguida, com Teves. Ao me aproximar, digo para Sara não mexer no gravador, pois ela pode desligá-lo de forma acidental e comprometer a captação do áudio. Ela, então, menciona os destinos que escolheram.

Sara: Goiás, São Luis e Brasília. Neil: Tanto Goiás... Goiás é estado. Sara: Goiânia.

Neil: Mas Goiânia e Brasília estão muito perto. Tenta escolher uma lá do Sul. Tira ou

Goiânia...

Sara: Não sei o que você considera do Sul. [Interrompendo-me] Neil: Oi?

Sara: Não sei o que você considera do Sul.

Neil: Não lembra de nenhuma cidade do Sul? Alguém sabe? Teves: Bahia.

Neil: Bahia não é no Sul não. Teves: Ah é, Bahia é no Nordeste. Neil: Você sabe Rafa?

Rafa: Oi?

Neil: De alguma cidade que fica no Sul? Rafa: Rondônia? Tocantins? Goiás? Neil: Goiás é centro oeste.

Rafa: Ah... Não sei não, Neil. Neil: Ninguém sabe?

Teves: Distrito Federal.

Neil: Distrito Federal também é Centro-Oeste. Uma cidade do Sul? (ENCONTRO 6,

arquivo mp3 do CD anexo, 21:25-22:10).

A conversa segue e a confusão entre o que é estado e o que é cidade continua. Acompanhada de certo desentendimento a respeito da localização das cidades nas respectivas regiões do Brasil. Nesse momento, enquanto pergunto sobre os estado da região Sul, Teves sugere que consultemos um mapa e se dispõe a ir pegar um na biblioteca da escola.

Enquanto Teves sai em busca do mapa, Rafa e Sara voltam a usar o gravador para brincarem de entrevistador e entrevistado. Quando o mapa chega, aproximo-me do grupo e a conversa volta a girar em torno dos três destinos a serem escolhidos para a comparação de preços entre as viagens.

Neil: Bom. Cidades do Sul. Mas aí não tem cidades? Ah, tem, tem, tem... Sul é aqui,

ó. Escolhe uma cidade do Sul.

Sara: Paraná.

Neil: Tenta escolher as que tem bolinha em volta, que são as capitais. Sara: Paraná.

Rafa: Pelotas.

Neil: Pode ser Porto Alegre? Sara: Porto Alegre?

Neil: Tem Porto Alegre, tem Florianópolis, tem Curitiba. Sara: Pelotas.

Neil: Mas aí não é capital e a gente não sabe se tem aeroporto. Escolhe uma dessa

que tem bolinha em volta que são as capitais.

Sara: Florianópolis.

Neil: Pode ser Florianópolis? Teves: Pode.

Neil: Então escreve, lá, Florianópolis nos destino de vocês. Florianópolis é capital de

Santa Catarina.

Sara: Calma aí, Professor E a... [Palavras incompreensíveis na gravação]

Neil: Então a gente já tem material pra trabalhar na próxima aula. Trabalhar em cima

dos destinos aí (ENCONTRO 6, arquivo mp3 do CD anexo, 28:54-29:54).

De fato, as buscas feitas na Internet em encontros posteriores dar-se-iam em torno desses três destinos escolhidos. Mas, de quem foi a escolha dos três destinos? Embora os alunos presentes nesse encontro, de uma maneira ou de outra, tenham todos participado dessa escolha, a palavra do professor teve um peso relevante nesse processo. Foi minha a sugestão por apenas três destinos, também fui eu quem propôs que escolhessem uma cidade do norte ou nordeste, outra do centro-oeste e outra do Sul, sem falar na dica referente às capitais.

Hermínio (2009) menciona o peso que a palavra do professor pode exercer na escolha, por parte dos alunos, dos temas de seus projetos de Modelagem. De forma bastante similar, o que temos aqui é a palavra do professor influenciando decisivamente na dinâmica das práticas de Modelagem. Basta dizer que tivemos três destinos, três capitais, uma em cada região do Brasil, exatamente como o professor sugeriu.

Porém, não dá para afirmar que a participação dos alunos se limitou a um cumprimento de tarefas postas pelo professor. Basta lembrar que as opções por Brasília e São Luis partiram de Sara e de Teves, e que foi esse último quem sugeriu que consultássemos um mapa. Também é preciso levar em conta que estamos falando de alunos que estão adaptados a um modelo de Educação Matemática em que primeiro o professor explica determinado conteúdo, prescreve exercícios e os corrigi. Cabe aos alunos ouvir a explicação, em silêncio, fazer os exercícios, individualmente, e corrigi-los, sempre em silêncio e de forma individual. Das aulas que pude observar, por diversas vezes percebi tentativas de interação entre os alunos durante a resolução dos exercícios. Porém, elas aconteciam sem que a professora percebesse como uma espécie de transgressão às regras postas.

Além disso, os períodos dedicados à realização dos exercícios ocupam a maior porção do tempo da aula. São exercícios que valorizam os procedimentos padronizados em detrimento das abordagens de cunho exploratório e investigativo, as quais, praticamente inexistem. Dessa forma, as práticas de Modelagem em que

estamos envolvidos configuram uma mudança de paradigma considerável para nossos sujeitos.

Tornando ao ambiente de Modelagem, entendo que as discussões em torno dos estados e capitais brasileiras com a presença do mapa trouxeram para a cena dessa investigação o caráter interdisciplinar da Modelagem, enquanto abordagem pedagógica (BORBA; VILLAREAL, 2005). Visto que, ao escolherem os destinos das viagens que viriam a pesquisar, os alunos tiveram que por em ação conhecimentos sobre a Geografia do Brasil, trazendo para o coletivo um mapa, mídia comum aos domínios dessa área do saber.

Esse episódio em que o mapa foi requerido pelas ações do coletivo, encerra o segundo momento, no qual as mídias escritas dominaram a cena. Nunca é de mais reiterar o predomínio das mídias escritas nesse coletivo de seres-humanos-com- mídias é, em grande medida, devido à ausência das mídias informáticas, especificamente da Internet.

No documento neildarochacanedojunior (páginas 160-164)