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Em razão da existência ou não da previsibilidade do evento lesivo pelo agente, a culpa pode ser classificada em inconsciente ou consciente:

a) Culpa inconsciente: também chamada de culpa sem previsão, é a espécie mais comum de crime culposo, neste tipo de culpa o agente não prevê a ocorrência do resultado lesivo, mesmo que fosse previsível. Portanto, nessa modalidade de culpa “o sujeito cria ou incrementa um risco proibido relevante para o bem jurídico, de forma imprudente, negligente ou imperita (inobservando o cuidado necessário), mas não prevê a lesão ou perigo concreto de lesão a esse bem jurídico.”255

b) Culpa consciente ou com previsão: o autor prevê a ocorrência do resultado, mas não espera, bem como não aceita a sua ocorrência. Luiz Regis Prado, sobre essa espécie culposa, escreveu que: “Há efetiva previsão do resultado, sem a aceitação do risco de sua produção (o autor confia que o evento não sobrevirá). Pois sem dúvida, há uma consciente violação do cuidado objetivo.”256

Essas duas espécies de culpa não estão previstas no nosso atual Código Penal, a justificativa pela omissão foi descrita no item 13 da Exposição de Motivos:

Não é feita distinção entre culpa consciente e culpa inconsciente: praticamente, as duas se equiparam, pois tanto vale não ter consciência da

254

Lições de Direito Penal, Parte Geral, p. 226.

255 GOMES, Luiz Flávio.

Teoria constitucionalista do delito. p. 171.

256

anormalidade da própria conduta quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá.257

Ao tratar desse tema histórico, Galdino Siqueira traz o seguinte escólio: “Em nosso país o projeto revisto de Sá Pereira, art. 27, última parte, cogitava da culpa consciente, e o projeto Alcântara Machado, art. 43, I, seguindo o código italiano, a admitia como circunstância agravante.”258 Nélson Hungria, ao comentar a mesma remissão histórica leciona: “[...] mas a Comissão Revisora, com toda razão, restabeleceu, implicitamente, neste ponto, a solução do Projeto Sá Pereira. Equiparava este, apertis verbis, a culpa consciente à culpa inconsciente.”259. Nélson

Hungria, também rejeita o critério de distinção das duas espécies de culpa, ao escrever que: “ao juiz, de preferência, ao aplicar a pena, é que deve ser deixada, de caso em caso, a livre apreciação da maior ou menor gravidade da culpa.”

A culpa consciente muito se aproxima do dolo eventual, mas com ele não pode ser confundido, pois em ambos existe a previsão do evento ou resultado. Nélson Hungria faz a seguinte distinção:

Sensível é a diferença entre essas duas atitudes psíquicas. Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta anuência ao advento dêsse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideramente, a hipótese de superveniência do resultado, e empreende a ação na

esperança ou persuasão de que este não ocorrerá.260

c) Culpa imprópria, porextensão ou assimilação: nas duas espécies de culpa

anteriores, o resultado não é querido ou aceito, porém, há casos em que o agente deseja o resultado, mas atua com erro261 culposo e, conforme a lição de Edgard Magalhães Noronha,

A culpa, que é um vício da vontade, não o deixa de ser quando o resultado é querido, pois a voluntariedade do evento constitui a execução de uma deliberação viciada. Há, destarte, um conceito unitário de culpa, referente ao evento voluntário e ao involuntário.262

257 PIERANGELI, José Henrique.

Códigos Penais do Brasil. p. 412.

258 SIQUEIRA, Galdino.

Tratado de Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, p. 540.

259

Comentários ao Código Penal, vol. I, Tomo 2º, p. 199.

260 HUNGRIA, Nélson.

Comentários ao Código Penal, vol. I, Tomo 2º, p. 113.

261 Conforme a lição de Luiz Flávio Gomes (

Erro tipo e erro de proibição, p. 25): “De acordo com o

nosso Código Penal, após a reforma de sua Parte Geral, pela Lei 7.209, de 11.07.1984, que abrigou, sobretudo quanto à matéria do erro, a moderna sistematização dogmática alemã, pode-se dizer que o erro do agente recai ou: 1.º) sobre os requisitos (elementos) constitutivos do tipo legal de crime (= erro de tipo incriminador ou, simplesmente, erro de tipo – v. o art. 20, caput, do C.P.) ou: 2.º) sobre a

consciência da ilicitude do fato (=erro de proibição – v. o art.21 do C.P.) ou, por fim: 3.º) sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude (=erro de tipo permissivo – v. o art.20, § 1.º, do C.P.).”

262 NORONHA, Edgard Magalhães.

A culpa imprópria abrange duas situações: as descriminantes putativas e o excesso nas excludentes da ilicitude. Na primeira, haverá crime culposo quando labora “o agente em erro de fato inescusável no tocante à antijuridicidade. É a chamada culpa263 por extensão ou assimilação [...]”.264 Na excludente putativa, para a sua caracterização, devem existir “elementos de fato erroneamente interpretados pelo agente, fazendo-o crer achar-se em estado de agressão praticada por outrem.”265 E, continuando a explicar o assunto, Edgard Magalhães Noronha traz a lição de Manzini sobre o tema:

A boa-fé e a razoabilidade (relativa) da opinião errônea, podem deduzir-se de condições de tempo e lugar; da personalidade do suposto agressor e do defendente; da elevação intelectual e da força psíquica deste; do estado de ânimo em que ele se encontrava, sem culpa sua, no momento do fato; das relações eventualmente existentes entre os dois etc., em todo caso tratando-se de um juízo de fato.266

Para exemplificarmos a primeira situação caracterizadora da culpa imprópria, citamos o exemplo de Luiz Flávio Gomes:

O agente, à noite, ao ouvir barulho estranho em sua casa, abruptamente, sem tomar nenhum cuidado, supondo que se trata de perigoso ladrão, sai disparando contra o vulto que vê na varanda e que tinha algo em suas mãos; descobre-se depois que era o guarda noturno que portava um guarda-chuva e que procurava se proteger naquele momento. A doutrina, nesse caso, fala em culpa imprópria porque o sujeito prevê o resultado e quer realizá-lo, porém, atua dentro de um contexto fático equivocado (acreditava numa agressão iminente que não havia).267

O erro culposo nas descriminantes putativas abrange três modalidades, conforme lição de Luiz Flávio Gomes:

1.ª) erro sobre a existência de uma causa de exclusão da ilicitude penal não reconhecida pelo ordenamento jurídico; 2.ª) erro sobre os limites de uma causa de exclusão da ilicitude reconhecida pelo ordenamento jurídico e 3.ª) erro sobre situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.268 Por fim, a segunda situação que denota a culpa imprópria é o excesso culposo nas excludentes de ilicitude, pois o agente atua de maneira dolosa

263 O resultado, apesar de ser querido pelo agente, lhe é, por expressa disposição legal, atribuído a título de culpa, conforme preceitua o § 1º do art. 20 do CPB: “É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.”

264 NORONHA, Edgard Magalhães.

Do crime culposo. p. 79.

265 NORONHA, Edgard Magalhães.

Do crime culposo. p. 127.

266 Manzini,

Trattato di diritto penale italiano, vol.II, pág.321. Apud NORONHA, Edgard Magalhães. Op.cit., p. 127.

267 GOMES, Luiz Flávio.

Teoria constitucionalista do delito. p. 171 e 172.

268 GOMES, Luiz Flávio.

inicialmente e não se engana a respeito das justificantes previstas no art. 23 do CPB. Porém, não tem consciência, na prática da ação legal, dos limites e proporções necessários e, assim, atua além do permitido para repelir e impedir a injusta agressão ou o perigo atual. Vale destacar ainda a lição de Edgard Magalhães Noronha a respeito da distinção das duas modalidades de culpa imprópria:

Distinguem-se, facilmente, o excessus defensionis e a legítima defesa

putativa, embora ambos se situem no terreno do erro de fato. Naquele, a

situação inicial é legítima e só depois é que se torna ilícita; na outra objetivamente nunca houve licitude, pois nunca existiu defesa; no excesso

existe um agressor, do qual o que se excede se defende; na legítima defesa putativa só existe um agressor, que é quem se julga defensor.269

d) Culpa própria: são as duas primeiras modalidades de crime culposo, culpa com previsão e a inconsciente, quando o agente não deseja o resultado, ou seja, o resultado ocorrido é involuntário.

Após tratarmos das espécies de culpa, encerramos este capítulo que trata dos crimes culposos em termos gerais, tratando de sua evolução histórica, suas principais teorias doutrinárias, seus elementos constitutivos e, por fim, as espécies de culpa em sentido estrito.

269 NORONHA, Edgard Magalhães.

4 CRIMES CULPOSOS DE TRÂNSITO

O avanço tecnológico e a modernização de vários meios de transporte, aéreos, marítimos e terrestres, além das respectivas inovações, que representaram conforto, rapidez e praticidade na sua utilização, trouxeram, também, um custo preocupante: os ferimentos e as perdas de vidas humanas.

No intuito de tornar o trânsito viário mais seguro, entrou em vigência o atual Código de Trânsito Brasileiro, contendo os novos tipos penais protetores da segurança viária. O CTB foi aprovado por força da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, revogando o antigo Código Nacional de Trânsito (Lei n.º 5.108, de 21 de setembro de 1966), trazendo muitas novidades no intuito de inibir a prática das infrações administrativas e penais, por conseqüência, de forma indireta, tentando diminuir o número de acidentes que causam vítimas fatais ou não oriundas daquele meio de transporte.

Antes de explanarmos os crimes de trânsito, em especial os tipos culposos, iniciaremos o estudo com as referências históricas da legislação brasileira respeito do tema.