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No subitem anterior explicamos como que a conduta culposa exige a inobservância do dever objetivo de cuidado do autor do delito, porém, apenas o seu desrespeito não é suficiente para a caracterização do tipo penal; é necessário que a conduta seja delimitada por algumas das modalidades de tipo culposo. De acordo com o inciso II do art. 18 do CPB, e conforme escreveu Aníbal Bruno, “essa falta ao dever de diligência, de que provém o resultado punível no fato culposo, o nosso Código exprime nas espécies de imprudência, negligência e imperícia.”236

Se um resultado típico for causado por vontade do sujeito ativo, a tipicidade da conduta será dolosa. Por outro lado, quando o resultado for ocasionado por culpa em sentido estrito do agente, a descrição do tipo penal não consegue abranger todas as possíveis situações237 e, assim, para suprir essa lacuna, a tipicidade culposa exigirá a ocorrência de uma das três modalidades de culpa:

235

Direito Penal da negligência. p. 149.

236

Direito Penal, Tomo 2º, p. 87.

237 “A Lei vigente refere-se a ‘imprudência, negligência ou imperícia’ (CP, art. 15, II), que constituem fórmulas gerais de inobservância do cuidado exigível, que a lei não define”. De acordo com a lição de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Geral, 1983, p. 227).

a) Negligência: é uma forma de omissão, ou uma atuação negativa, caracterizadora do descuido, da desídia, do desleixo. Nas palavras de Juarez Tavares:

Forma de conduta humana que se caracteriza pela realização do tipo de uma lei penal, através da lesão a um dever de cuidado, objetivamente necessário para proteger o bem jurídico e onde a culpabilidade do agente se assenta no fato de não haver ele evitado a realização do tipo, apesar de capaz e em condições de fazê-lo.238

Ou conforme a lição de Edgard Magalhães Noronha:

É a negligência inação, inércia e passividade. Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica). Reduz-se a uma conduta ou comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental não age ou se comporta de modo diverso; é quem não observa normas comuns de conduta que obrigam à atenção e perspicácia no agir ou atuar, é, em suma, quem omite essas cautelas. Tal omissão não deve necessariamente ser voluntária, no sentido de que imprescindivelmente há de ser omitida a diligência ou perspicácia com advertência psicológica, mas é suficiente a

ausência de poderesativos quando se tem a obrigação de usá-los.239

A negligência para alguns autores contempla as outras modalidades de culpa, ou seja, “é constante a afirmação de que a negligência corresponde a uma noção ampla, abrangendo também outras formas de infração ao dever de cuidado”, conforme Juarez Tavares240; Aníbal Bruno: “note-se, porém, que, em algum

momento do processo inicial da culpa, existe sempre uma omissão da diligência necessária para evitar o resultado típico” 241; e também conforme a lição de Basileu

Garcia:

A rigor, a palavra negligência seria suficiente para ministrar todo o substrato da culpa. Mas costuma-se aludir também à imprudência e à imperícia. Essas duas idéias poderiam caber dentro da negligência. O médico, que se revela imperito em uma intervenção cirúrgica e mata o seu cliente, não deixa de ser negligente, no sentido de que, ou não tomou as cautelas necessárias, ou, sabendo-se inábil, se abalançou a uma tarefa superior à sua aptidão.242

Explicitando essa modalidade culposa: “Negligente, o automobilista que dobra uma curva sem fazer soar a buzina do carro, ou faz este recuar, sem verificar previamente se a estrada está desimpedida.”243

238

Direito Penal da negligência, p. 124.

239 NORONHA, Edgard Magalhães.

Do crime culposo, p. 94, grifos do autor.

240

Direito Penal da negligência, p. 128.

241

Direito Penal, Tomo 2º, p. 88.

242

Instituições de Direito Penal. Vol. I. Tomo I, p. 287.

243 ANÍBAL, Bruno.

b) Imprudência: é a atuação de forma positiva, é a prática de qualquer ato perigoso de uma maneira ativa, dispensando os cuidados necessários que possam impedir o resultado. Na lição de Edgard Magalhães Noronha:

É forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar o agente com

precipitação, insensatez ou inconsideração, já por não atentar para a lição dos fatos ordinários, já por não atender às circunstâncias especiais do caso, já por não perseverar no que a razão indica etc.244

Aníbal Bruno, exemplifica com as seguintes condutas que representam a imprudência: “é o automobilista que conduz o seu carro a grande velocidade em rua freqüentada, ou aquele que, andando a caça com outros, dispara a arma sem conhecer a posição dos companheiros.”245

c) Imperícia: a última modalidade de crime culposo representa a prática de uma atividade profissional246 sem a habilidade ou aptidão necessária que ocasiona um resultado não querido pelo agente. No ensinamento de Luiz Regis Prado, pode ser definida como “a ausência de aptidão técnica, de habilidade, de destreza ou de competência no exercício de qualquer atividade profissional. Pressupõe a qualidade de habilitação para o exercício profissional.”247 Ou, conforme a seguinte lição de

Edgard Magalhães Noronha:

Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister. Toda arte, toda profissão tem princípios e normas que devem ser conhecidos pelos que a elas se dedicam. É mister que estes tenham consciência do grau de seus conhecimentos, de sua aptidão profissional, a fim de não irem além do ponto até onde podem chegar. Se o fizerem, cônscios de sua incapacidade ou ignorantes dela, violam a lei e respondem pelas conseqüências.248

Podemos citar como exemplos de imperícia:

Na condução do automotor, na avaliação dos sinais de trânsito, na noção de distâncias, da potência dos veículos na via pública; quanto à capacidade de frenagem, na subestimação da velocidade; perda da direção em face do ofuscamento, seja pela luz de farol de veículo, ou deslumbramento pelo efeito dos raios solares, ou dos reflexos da iluminação pública sobre o asfalto molhado.249

244 NORONHA, Edgard Magalhães.

Do crime culposo, p. 94, grifos do autor.

245 BRUNO, Aníbal.

Direito Penal, Tomo 2º, p. 88.

246 “Tal ocorre quando a profissão (trabalho especializado e remunerado de natureza intelectual), atividade (ocupação remunerada ou não) ou ofício (trabalho não-especializado e remunerado, geralmente manual) exige para o seu regular exercício o preenchimento de certos requisitos inafastáveis (ex. curso superior ou técnico, licença, registro etc.), dado que devem ser rigorosamente fiscalizados e controlados pelo poder público (ex. exercício de advocacia, medicina, odontologia, engenharia, venda de imóveis etc.)” Na lição de Luiz Regis Prado (Curso de Direito Penal Brasileiro,

vol. 1: parte geral, p. 620). 247

Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 1: parte geral, p. 382.

248

Do crime culposo. p. 95.

Edgard Magalhães Noronha250 também cita a divisão da imperícia em:

material, no caso da Lex Aquilia, quando o agente, na prática da poda de árvores,

deixa cair algum galho ferindo um transeunte; moral, na construção de um prédio, o

engenheiro responsável que deixa de observar regras indispensáveis de construção, e, por conseqüência, havendo desmoronamento ocasiona vítimas. A imperícia não se confunde com o erro profissional, pois conforme lição de Luiz Flávio Gomes:

Na imperícia o profissional não conta com habilidade suficiente para praticar determinada atividade (não é hábil, não tem conhecimento sobre o que faz); no erro profissional, o agente conhece o que faz, tem habilidade técnica, porém, por imprudência ou negligência pratica uma conduta descuidadosa.251

Portanto, estas são as modalidades de culpa que a lei e a doutrina explicam como forma de inobservância do dever objetivo de cuidado e elemento necessário para tipificação do crime culposo.

3.3.7 Tipicidade

Assim como nos crimes dolosos, a conduta culposa deverá se amoldar àquela prevista no preceito primário de algum tipo penal, a fim de obedecer ao princípio da legalidade.252 Como bem salienta Juarez Tavares a respeito do tema:

Deve-se usar a expressão tipicidade para indicar uma relação entre duas

situações sociais conflituosas: a situação configurada legalmente como crime e aquela vivida pelo agente no âmbito da sua atividade prática. Quando essa situação social concreta vivida pelo agente se identifica com aquela outra descrita na lei, dizemos que há tipicidade ou adequação típica.253

A tarefa de adequação típica nos delitos culposos exige um raciocínio muito amplo de qualquer operador de Direito, pois o legislador, ao criar e delimitar o

250

Idem. p. 95.

251

Teoria constitucionalista do delito, p. 162.

252 O princípio da legalidade, ou da reserva legal, foi uma das maiores conquistas para a humanidade no âmbito do Direito Penal, pois ninguém poderá ser condenado por fato não previsto apenas em lei anterior vigente. A sua origem histórica, conforme Aníbal Bruno (Direito Penal, parte geral, Tomo 1.º, pág.206), remonta a 1215 pela Magna Carta da Inglaterra e nas Petitions of rights, norte americana

e, doutrinariamente, a Montesquieu e, em especial, a Marquês de Beccaria, “[...] apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis penais não pode ser senão da pessoa do legislador, [...]” (Dos delitos e das penas, p. 20). O princípio está em nossa legislação desde a Constituição de 1824 (art.179, XI) e, no Código Criminal de 1830, conforme seu art. 1º: “Não haverá crime ou delicto (palavras synonimas neste Código) sem uma lei anterior que o qualifique”. (PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. p. 237).

253

âmbito do tipo penal, não descreve todas as situações que protegem o objeto jurídico, da mesma maneira que fez nos tipos penais dolosos. No escólio de Heleno Cláudio Fragoso:

Nos crimes culposos o tipo é aberto porque cabe ao juiz identificar a conduta proibida, contrária ao cuidado objetivo, causadora do resultado. Sabemos que no crime culposo não há vontade dirigida ao resultado e que a ação dirigida a outros fins deve ser praticada com negligência, imprudência ou imperícia. É proibida e, pois, típica, a ação que, desatendendo ao cuidado, à diligência ou à perícia exigíveis nas circunstâncias em que o fato ocorreu, provoca o resultado.254

Portanto, conforme citado no tópico referente às modalidades de culpa, a previsão do tipo penal culposo é lastreada nas formas de conduta genéricas, ou seja, negligência, imperícia ou imprudência, para que possa existir a tipificação penal.