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Entre a conduta inicial voluntária e o resultado involuntário deve existir um nexo causal que vincule o autor àquele resultado, pois do contrário não haverá imputação penal. A respeito da distinção entre imputabilidade e imputação, Edgard Magalhães Noronha transcreve a lição de Montalbano:

Para falar da imputabilidade, devemos, antes de tudo, distingui-lo da imputação; aquela é a capacidade genérica de responder penalmente pela própria ação ou omissão criminosa; a imputação ao invés, é o ato concreto com o qual a quem é imputável se atribui haver efetivamente cometido um determinado crime. Conseqüentemente, imputabilidade e imputação são dois momentos distintos de um mesmo instituto; a imputabilidade é o momento legislativo; a imputação, o momento judiciário. 215

212

Comentários ao Código penal, Tomo 2.º, p. 187.

213 O Código Penal de 1969 (Decreto-Lei 1004, de 21 de outubro de 1969) antes da alteração pela Lei 6.016, de 31 de dezembro de 1973, fazia a seguinte previsão de crime culposo no inciso II do art.17: “quando o agente, deixando de empregar a cautela, a atenção ou a diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.” E, a fim de demonstrar a posição doutrinária seguida, no item 10. da Exposição de motivos do Código de 1969, ficava nítida adoção do critério misto: “[...] O conceito do cuidado necessário no tráfico jurídico é, sem dúvida, objeto e normativo, devendo corresponder à conduta que teria um homem prudente e inteligente na situação do autor. Daí não deflui ainda, a culpabilidade, que não se estabelece com o critério do homo medius, capaz de estabelecer apenas um desvalor do resultado. A culpa está em

função da reprovabilidade da falta de observância por parte do agente, do cuidado exigível, ou seja, da diligência ordinária ou especial a que estava obrigado [...].” PIERANGELI, José Henrique.

Códigos penais do Brasil. p. 514.

214

Do Crime Culposo, p. 76, grifos do autor.

215

Il fondamento della imputabilitá, 1938, 2ª edição, p. 99 apud NORONHA, Edgard Magalhães. Do crime culposo, p. 61.

O nosso ordenamento jurídico no art. 13, caput, do CPB, abraçou, conforme

citado anteriormente, a teoria da equivalência dos antecedentes216, pois tudo que

concorrer para o evento final é considerado como sua causa, entretanto, a ligação desta, ou o nexo, com o evento, existirá se a sua ausência impede o acontecimento do resultado final. O processo de investigação da existência ou não da causa é feito por meio de uma eliminação hipotética217 fundamentada em duas regras: quando determinada circunstância for eliminada mentalmente, não permitindo a ocorrência de um resultado, aquela circunstância é considerada causadora do resultado. Por exemplo, quando se compra um veneno para se praticar um homicídio, a exclusão da compra não produziria a morte. Em outra situação, ao se fazer o mesmo processo mental e o resultado acontecer por si só, significa que o fato não será considerado como causa daquele evento; para ilustrar, se no exemplo anterior a vítima, sem saber, ingere uma bebida envenenada, e antes de morrer se suicida por precipitação de um prédio, o autor responderá pela tentativa de homicídio.

Todavia, no intuito de limitar a extensão da definição do que seja causa218, o § 1º do art. 13 do CPB esclarece de maneira genérica quando o nexo poderá existir: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.” Dessa forma, também é possível realizar a eliminação hipotética e identificar tudo que for causa conforme a seguinte decomposição: as causas, condições ou antecedentes podem ser definidos como independentes (o resultado existe sem ele) ou dependentes (influencia a existência do resultado), porém, nas dependentes é que se fazem distinções para a aplicação do artigo citado:

a) Absolutamente: em todas as situações temporais (anteriores,

concomitantes e supervenientes) as causas não contribuem para a realização do evento final, excluindo a imputação do resultado ao sujeito ativo, o qual responderá apenas por aquilo que realmente queria e realmente tenha praticado;

216 “A teoria da equivalência dos antecedentes causais remonta a Stuart Mill (

A system of logic, p.

214), mas foi Von Buri que, inspirado ou não no filósofo inglês, a formulou no campo do direito penal”, conforme Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. I, p. 65.

217 “Para se descobrir se uma determinada circunstância foi ou não causa do resultado a doutrina clássica se valia do chamado procedimento hipotético de eliminação de Thyrén (1894).” Conforme Luiz Flávio Gomes, Teoria constitucionalista do delito, p. 103.

218 Em razão da teoria citada não há distinção entre causa, condição ou ocasião, pois tudo que concorrer mediante uma ação ou omissão humana é considerado como causa e, por conseqüência, nexo (elo) entre a conduta e o resultado.

b) Relativamente: por expressa disposição legal, influenciam ou apresentam relação na ocasião do resultado, há de se distinguir a fase temporal de sua intercorrência, as preexistentes e as concomitantes não têm o condão de eliminar a relação de causalidade e o sujeito que praticou o fato será responsabilizado penalmente pelo resultado final.219

A dúvida surge nas concausas supervenientes relativas, conforme as seguintes situações:

a) Na primeira, se o desdobramento natural dos fatos, posteriores a uma ação inicial, por si só produzirem o resultado, a imputação é excluída (§ 1° do art.13 do CPB). Por exemplo: se uma vítima de atropelamento por veículo automotor ao ser socorrida por uma ambulância, morre durante o trajeto para o hospital em virtude de novo acidente, o motorista atropelante não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, apenas lhe seria imputado a lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 303 do CTB). Luiz Flávio Gomes explica essa situação como uma regra de imputação objetiva prevista legalmente, na qual “o agente só responde penalmente quando cria risco proibido e nos limites desse risco.” E finaliza a lição da seguinte maneira:

Este § 1.º do art. 13, como já se afirmou, retrata uma regra de imputação objetiva. Aliás, é a única regra expressa no Código Penal. Constitui um exemplo em que está presente a causação (nexo de causalidade entre a conduta e o resultado), mas o resultado morte não pode ser imputado ao agente. Há nexo de causalidade, mas não há imputação objetiva. Causação não se confunde com imputação.220

b) Na segunda, se for conseqüência ou prolongamento dos anteriores, a imputação persistirá. No mesmo exemplo anterior, se a vítima de atropelamento morre por complicações cirúrgicas no hospital em que foi tratada, ao motorista atropelante será imputado o resultado morte, pois a concausa não iniciou um novo curso causal, continuando no mesmo trajeto anterior, ou seja, permaneceu na mesma seqüência causal inicial ocasionada pelo sujeito ativo do crime.

219 Luiz Flávio Gomes (

Teoria Constitucionalista do delito, p. 106) é contrário à imputação do

resultado ao sujeito ativo solucionado pela doutrina clássica penal, seja na causa preexistente ou concomitante à conduta principal, o resultado não se harmoniza com a doutrina da imputação objetiva, pois cada um responde apenas pelo risco proporcionado ao bem jurídico penalmente tutelado.

220 GOMES, Luiz Flávio Gomes.