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O resultado involuntário não é suficiente para caracterizar o crime culposo, não basta que o sujeito ativo não queira a sua ocorrência, é necessário que ele

200 O antigo texto do art.11 do CPB de 1940 não foi alterado pela reforma de 1984 que manteve a sua íntegra no atual art. 13, dessa forma a justificativa do código anterior é valida e importante conforme a seguinte transcrição: “Com o vocábulo ‘resultado’, o citado artigo (art.13) designa o efeito da ação ou omissão criminosa, isto é, o dano efetivo ou potencial, a lesão ou perigo de lesão de um

bem ou interesse penalmente tutelado. O projeto acolhe o conceito de que ‘não há crime sem resultado’. Não existe crime sem que ocorra, pelo menos, um perigo de dano, e sendo o perigo um

‘trecho da realidade’ (um estado de fato que contém as condições de superveniência de um efeito lesivo), não pode deixar de ser considerado, objetivamente, como resultado, pouco importando que,

em tal caso, o resultado coincida ou se confunda, cronologicamente, com a ação ou omissão [...]” PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil, p. 412.

201 BRUNO, Aníbal.

Direito Penal: parte geral, Tomo 2º, p. 90.

202 TAVARES, Juarez.

Direito penal da negligência. p. 134.

203 Em que pese a respeitável lição do autor, não concordamos com a citação dos artigos 179 e 381, pois a fuga da pessoa presa legalmente causa prejuízo para a Administração da Justiça Militar. Também sugerimos a inclusão naquele rol de crimes militares o art. 380 (separação culposa): “Permanecer o oficial, por culpa, separado do comando superior.”, pois a simples separação ou distanciamento não causa prejuízo ou dano.

possa prevê-lo. Porém, deve existir um vínculo psíquico entre sujeito e o resultado, limitando a sua responsabilidade apenas aos fatos que decorram da sua falta de diligência do ato inicial. A previsibilidade ou a possibilidade de previsão é um requisito muito relevante, talvez o mais importante da tipicidade culposa, pois ela pode ser considerada o freio da conduta voluntária. Ou ainda, o motivo ou lastro de fundamentação da reprovação da conduta, em razão da possibilidade de atuação diversa do sujeito ativo por causa das conseqüências de sua possível atuação futura. Na lição de Nélson Hungria: “existe previsibilidade quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrou, podia, segundo a experiência geral, ter-se representado, como possíveis, as conseqüências do seu ato.”204

Para compreensão do tópico, é necessário distinguir previsão de previsibilidade, e conforme Edgard Magalhães Noronha, independente do significado etimológico das palavras, “há previsão quando se representa ao individuo a realização do resultado de sua ação; há previsibilidade quando se podia prever e não se previu; quando se devia ter e não se teve previsão”.205 No mesmo sentido, Basileu Garcia, ao explicar a importância da previsibilidade, é muito claro na seguinte exemplificação das distinções:

Retomemos o rotineiro exemplo do atropelamento por automóvel, causado por imprudência. Nesse fato, há, de início, o ato voluntário, lícito, consistente em guiar o veículo; por fim, o resultado involuntário, lesivo ao direito: o atropelamento, acarretando à vítima lesões ou a morte. Em meio a esses dois elementos extremos, há a ausência de previsão, porque o autor do fato (salvo o possível caso de dolo) não tem a consciência do resultado. E, além da ausência de previsão, há a previsibilidade, a possibilidade de prever aquilo que não é previsto. Se o sujeito ativo fosse mais cuidadoso, teria previsto e evitado o acidente – e, com ele, as lesões ou a morte.206 A previsão também é fator que delimita a falta de atenção do responsável pelo delito culposo, dos casos fortuitos, do acaso ou da casualidade, que impediria a aplicação da responsabilidade objetiva, conforme a lição de Carrara no § 84 de sua obra: “O não ter previsto a conseqüência ofensiva distingue a culpa do dolo. O não havê-la podido prever, separa o caso fortuito da culpa.”207

No intuito de criar uma metodologia de aferição da presença da previsibilidade, quando da atuação do sujeito ativo, existem os seguintes critérios:

204

Comentários ao Código Penal, Tomo 2.º, p. 185.

205 NORONHA, Edgard Magalhães.

Do crime culposo, p. 71.

206

Instituições de Direito Penal, vol. I, p. 290.

207 CARRARA, Francesco.

a) Objetivo: se a análise da existência ou dos limites da previsibilidade é aferido com relação ao homem médio, a constatação é feita por meio do parâmetro relativo a um homem comum da sociedade, ou seja, a atenção ou diligência de um homem normal passível de ser referência de um grupo social. Nélson Hungria defende esse critério, ao citar que “[...] é previsível o fato, sob o prisma penal, quando a previsão do seu advento, no caso concreto, podia ser exigida do homem normal, do homomedius, do tipo comum de sensibilidade ético-social.”208

b) Subjetivo: este critério tem o condão de rejeitar o anterior, pois não é possível comparar uma abstração (homem médio) com o agente praticante do ato culposo. O autor possui uma universalidade própria representada pelos seguintes elementos: cultura, educação, comportamento social etc. Nesse sentido, a aferição da existência da previsibilidade deve-se fundar nos critérios pessoais do sujeito ativo, pois a culpa em sentido estrito faz parte da culpabilidade209, representada pelo vínculo psicológico entre cada indivíduo em particular e o fato praticado. Partidário desse pensamento, Aníbal Bruno leciona:

A previsibilidade do resultado deve concluir-se segundo a experiência da vida diária e o curso habitual das coisas, mas tendo-se em vista as circunstâncias do fato real e a situação individual do sujeito. O pensamento da culpabilidade, se se pretende que a culpa também se inclua dentro dele, requer uma consideração da previsibilidade, não em relação ao chamado homem normal ou a condições normais, mas às circunstâncias do caso concreto e às condições pessoais do agente.210

Raul Machado é outro autor que também é a favor do critério subjetivo finalizando a discussão, sobre qual critério deveria ser adotado, com o seguinte comentário:

Substituindo a mensuração do grau pela simples verificação da culpa, parece fora de impugnação que se deve examinar a hipótese da imputabilidade culposa de acordo com um critério individual e objetivo, isto

é, de acordo com a personalidade do culpado. Com esse critério se chegará facilmente ao resultado de haver ou não culpa num certo caso e, daí, à conclusão da imputabilidade criminal.211

Nélson Hungria é contrário à consideração do critério subjetivo na apuração da previsibilidade:

É de rejeitar-se, porém, a opinião segundo a qual a previsibilidade deve ser referida à individualidade subjetiva do agente, e não ao tipo psicológico

208

Comentários ao Código Penal, Tomo 2.º, p. 185.

209 Conforme Luiz Regis Prado (

Curso de Direito penal brasileiro, p. 425) a culpabilidade pode ser

conceituada formalmente como: “a reprovabilidade pessoal para a realização de uma ação ou omissão típica e ilícita”.

210

Direito penal, Parte Geral, Tomo 2º, p. 91 e 92.

211 MACHADO, Raul.

médio. O que decide não é a atenção habitual do agente ou a diligência que ele costuma empregar in rebus suis, mas a atenção e diligências próprias

do comum dos homens; não a previsibilidade individual, mas a medida objetiva média de precaução imposta ou reclamada pela vida social.212 Por fim, trazemos a lição de Edgard Magalhães Noronha, que utiliza um critério conciliador ou misto213 na avaliação da previsibilidade como sendo melhor

que os dois anteriores, justificando sua posição:

Estamos, pois, que ambos os critérios são conciliáveis: o comportamento do homem médio diante das circunstâncias do fato não exclui a apreciação de

que o agente, por sua condição pessoal, podia ou não ter agido daquele

modo. Fora disso não há negar que o critério subjetivo isolado pode ter

efeitos nocivos em relação aos interesses sociais, acoroçoando os desatentos e os descuidados; e o objetivo exclusivo, rejeitando qualquer

indagação a respeito da capacidade do autor, conduz à consagração da responsabilidade objetiva.214