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A tipificação da conduta de omissão de socorro de acidente de trânsito veicular, de acordo com o CTB, é a seguinte:

Art. 304. Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública:

Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.

Parágrafo único. Incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.

Novamente, o CTB pune a falta de solidariedade daqueles que ficam inertes a uma tragédia alheia, ou seja, a objetividade jurídica do tipo penal, além de proteger a vida humana e a integridade corporal das vítimas de acidentes de trânsito, garante o dever de solidariedade humana. Pois o tipo penal, “tutela o dever que todo o cidadão tem em prestar ajuda àqueles que são vítimas de um acidente de automóvel. Tutela, portanto, também, a solidariedade que deve irmanar os seres humanos.”499

Similar ao CTB, no CP de 1969 (alterado pela Lei 6.016, de 31/12/1973) havia o seguinte tipo penal:

Art. 291. Causar, na direção de veículo motorizado, ainda que sem culpa, acidente de trânsito, de que resulte dano pessoal, e, em seguida, afastar-se do local, sem prestar socorro à vítima que dele necessite:

499 TACrim/SP: Apelação – Processo: 1288501/1, 11ª C., j. 10/12/2001 – Rel. Fernandes de Oliveira – ARAÚJO, Marcelo Cunha de. Crimes de trânsito: atualizado com a lei n. 10.259/01 (Juizados Especiais Estaduais e Federais). p. 72.

Pena – detenção, de seis meses a um ano, sem prejuízo das cominadas nos §§ 3.º e 4º do art. 121 e no art. 133.

Parágrafo único. Se o agente se abstém, de fugir e na medida que as circunstâncias o permitam, presta, ou providencia para que seja prestado socorro à vítima, fica isento de prisão em flagrante.

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, ao comentar os artigos 304 e 305 do CTB, critica o legislador do CTB ao deixar para a lei a correção dos padrões de civilidade, solidariedade social e até a ética, pois:

É certo, como afirmou Montesquieu, que não raras vezes a lei pode piorar uma sociedade; melhorá-la, contudo, é resultado tanto estranho quanto impenetrável para os limites da lei. Exigir do homem que seja solidário ao semelhante é como exigir-lhe que seja gentil, educado, cortês, afável ou feliz. É um dado de temperamento, valor de cultura e de experiências e expectativas de vida que são próprias de cada homem e das quais deveria a lei abster-se por completo de buscar acomodação ou balizamento.500 Sem prejuízo das infrações administrativas dos artigos 176 e 177 do CTB, a punição criminal da omissão de socorro acontecerá nas seguintes hipóteses:

a) Se o condutor for o responsável pelo acidente de trânsito com vítima, ou seja, se agiu com culpa em sentido estrito, incidirá a causa de aumento do inciso III do art. 302 do CTB;

b) Quando o condutor de veículo automotor não for responsável, incidirá a penalidade do artigo 304 do CTB:

Homicídio culposo – Acidente de trânsito – Conduta culposa incomprovada – Absolvição decretada – Omissão de socorro – Delito configurado. Não restando seguramente provado que o motorista deixou de observar o dever objetivo de cuidado que lhe era exigido, tendo o evento fatídico ocorrido de forma totalmente alheia à sua previsibilidade, não se lhe pode impor uma condenação, ainda mais nas circunstâncias em que os fatos se deram, se a culpa não restou cabalmente demonstrada. Se o réu evadiu do local do acidente, deixando de prestar socorro imediato à vítima, deve o mesmo ser responsabilizado como incurso nas sanções do art. 304 da Lei 9.503/97.501 c) A conduta também será tipificada no art. 304 do CTB, caso o condutor apenas tenha se envolvido no acidente, sem agir com responsabilidade culposa:

Como bem asseverou o juízo monocrático, o recorrente, mesmo não tendo causado danos às vítimas, teria participado diretamente do acidente na medida em que acabou por atingir a moto em que elas seguiam. Aliás, como no dito popular “o diabo ensina a fazer, mas não a esconder”, o óleo que vazou da colisão da caminhonete contra a moto é que identificou o paradeiro do réu. A afirmação de que teria se “embananado” no momento do acidente, empreendendo fuga, não o aproveita. O certo é que seu veículo se envolveu no acidente e a sua atitude foi moralmente censurável, eticamente incorreta, típica e culpável do ponto de vista jurídico-penal.

500

Crimes de trânsito, anotações à Lei 9.503/97, p. 180.

Ademais, concorda-se que a presença de outras pessoas prestando socorro às vítimas no local é tese não comprovada satisfatoriamente nos autos.502 d) Para qualquer outra pessoa presente no local de acidente, passageiro do automóvel ou pedestre, ou seja, quando o agente for terceiro não condutor de veículo automotor o crime será o de omissão de socorro previsto no Código Penal.503

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

O sujeito passivo será a vítima de acidente de trânsito, ou seja, necessariamente ela deve existir para a caracterização do art. 304 do CTB:

[...] Pressuposto da ocorrência do delito em questão é que a vítima tenha sido lesionada no acidente de trânsito, tanto que o tipo penal refere deixar de prestar socorro imediato, não tendo sido demonstrado que a vítima tenha se lesionado. A vítima refere que após a colisão ficou com um dos pés presos entre o freio e a embreagem, todavia, não consta do processo auto de exame de corpo de delito demonstrando que a condutora do outro veículo envolvido na colisão tenha se lesionado, ou, sequer atestado médico que pudesse supri-lo. Não há que se falar em omissão de socorro quando os condutores dos veículos envolvidos na colisão não tenham se lesionado.504

Curiosamente, o parágrafo único do art. 304 do CTB possibilita a punição do agente, mesmo que a vítima morra, sofra lesão leve ou seja socorrida por terceiros. O legislador foi infeliz ao prever no parágrafo único a punição do motorista, mesmo que ocorra alguma daquelas situações, nesse sentido, vale ressaltar a seguinte observação:

Cria-se o estranho delito de omissão de socorro a cadáver, qual precisasse aquele de socorro para alguma coisa. Também a vítima de lesões leves pode ser sujeito passivo, segundo a canhestra ótica legislativa, não se devendo furtar o condutor responsável de levá-la a uma farmácia para lavagem da escoriação com água oxigenada. É ridículo.505

No mesmo sentido vale salientar a crítica de Luiz Flávio Gomes que defende o legislador apenas na punição do condutor do veículo se a omissão for suprida por terceiros ou se os ferimentos forem leves, porém, quando a vítima falecer e não há

502 TJPR: Apelação nº 2006 822540 – Juizado Especial Criminal de Cruzeiro do Oeste – j. 20/07/2007, Rel. Luiz Fernando Tomasi Keppen.

503 NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito.

Crimes do código de trânsito: de acordo com a lei federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997: comentários, jurisprudência e legislação. p. 115.

504 TJRS: Turma Recursal Criminal, Recurso crime nº 71000971531, Cruz Alta, j. 04/12/2006, Rel. Ângela Maria Silveira.

505 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro.

como prestar socorro. “Logo, comprovando-se inequivocamente que a morte foi realmente imediata, não existe justificativa para a existência do crime. Nem tudo que o legislador escreve em um texto legal é lei válida.506

A conduta omissiva pressupõe as seguintes modalidades:

a) Quando o condutor deixa de prestar socorro diretamente à vítima, ou seja, deixa de prestar assistência, sempre que possível e sem risco pessoal a alguma vítima de acidente de trânsito.507

b) Quando o agente não solicita auxílio a alguma autoridade, desde que exista justa causa impedindo-o de não prestar o socorro direto à vítima. Nesse sentido: “A justa causa é elemento normativo do tipo, devendo ser considerado como impedimento grave e sério que impeça o socorro (lesões sofridas pelo agente, inutilização do veículo, ameaça de agressão ou linchamento etc.).” 508 Ao comparar “justa causa” com a elementar do art. 135 do CPB “quando possível fazê-lo sem risco pessoal”, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes leciona que: “A expressão justa causa é mais ampla e permitirá maiores possibilidades de interpretação do que a expressão legal quando possível fazê-lo sem risco pessoal.”509

Nesse sentido, caso o condutor habilitado envolvido em acidente veicular, mesmo que não seja profissional qualificado para prestar socorro direto, terá obrigação de, pelo menos, chamar socorro por meio de qualquer órgão ou agente público ou privado, ou seja, Polícia Civil, Militar, Bombeiro, Serviço de Resgate, de ambulância etc.510

A conduta penal omissiva prevista no tipo penal impõe ou obriga uma atitude positiva do condutor, pois o fato punível é a abstenção de uma atividade devida, prevista como obrigação pela norma penal. Na lição de Heleno Claudio Fragoso:

Trata-se de crime omissivo puro. Não admite tentativa, pela impossibilidade de fracionar-se o processo executivo, com início de execução. É característico crime de perigo, que se consuma com a omissão da atividade

506

Estudos de direito penal e processo penal, p.44.

507 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. QUEIJO, Maria Elizabeth.

Comentários aos crimes do novo código de trânsito. p. 66.

508 ARAUJO, Marcelo Cunha de.

Crimes de trânsito: atualizado com a lei n. 10.259/01 (Juizados Especiais Estaduais e Federais), p. 74.

509

Crimes de trânsito, anotações à Lei 9.503/97, p. 214.

510 A atuação do condutor perante um acidente de trânsito está prevista no conteúdo programático do curso de formação de condutores (quatro horas-aula) e de atualização (cinco horas-aula) para a renovação de CNH (Resolução 285 do CONTRAN, de 29 de julho de 2008), nos quais existe a disciplina de noções de primeiros socorros contendo os seguintes assuntos: sinalização do local do acidente; acionamento de recursos: bombeiros, polícia, ambulância, concessionária da via e outros; verificação das condições gerais da vítima; cuidados com a vítima (o que não fazer); cuidados especiais com a vítima motociclista.

imposta, alternativamente, pela lei, no momento em que tal atividade era oportuna, independentemente da superveniência de qualquer dano ou do desaparecimento do perigo.511

Em sentido contrário, aceitando a omissão de socorro tentada, Fernando Célio de Brito Nogueira assevera: “Difícil na prática, mas pode ocorrer. Exemplo: o motorista atropela a vítima, percebe que a feriu, e tenta omitir-se, retirando-se do local para não socorrê-la, mas é impedido de prosseguir.”512

Em suma, o crime do art. 304 do CTB somente será aplicável se a omissão não for elementar de crime mais grave, ou seja, como causa de aumento de pena do parágrafo único do art. 302 do CTB. Portanto o tipo penal é subsidiário.