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Para demonstrarmos se a punição dos crimes culposos, prevista em nosso CTB, está coerente e atualizada, apesar das realidades distintas de cada país, compilamos as punições para os autores de acidentes de trânsito nas legislações dos países de origem latina:

a) Na Argentina, a lei nº 11.179 de 1984489 determina no artigo 84 que a punição para o homicídio culposo é a prisão de seis meses a cinco anos, além da inabilitação especial, no prazo de cinco a dez anos, se a atividade causadora do evento depender de autorização do Estado. Porém, a pena mínima pode ser elevada para dois anos se houver mais de uma vítima fatal ou se a morte for decorrente de acidente automobilístico.

Para o motorista que causa lesões corporais culposas, o Código Penal Argentino (art. 94) pune com prisão de seis meses a três anos ou multa de três a quinze mil pesos, e inabilitação para dirigir de dezoito meses a quatro anos, desde que as lesões sejam as seguintes:

1) debilidade permanente de sentido, órgão ou membro, dificuldade permanente da fala, perigo de vida, deformação permanente do rosto, ou inutilidade para o trabalho por mais de um mês;

488 STJ: Recurso Especial nº 705. 416 – SC (2004/0155660-5), 6ª T, j. 23/05/2006, Rel. Ministro Paulo Medina.

489 Fonte <http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16546/texact.htm#15>, acesso em 11/01/2010.

2) doença mental ou corpórea certa e incurável, inutilidade permanente para trabalho, perda de sentido, órgão, membro, da fala ou da capacidade de procriar ou ter ato sexual.

b) No Paraguai, a Lei nº 1.160 de 1997490 prevê, no art. 107, a punição do responsável pela morte culposa de alguém, com a pena privativa de liberdade de até cinco anos ou multa. O valor da multa (art.52) é fixado em dias-multa que variam de cinco a trezentos e sessenta e cinco dias, cada dia multa é quantificado de acordo com as condições econômicas e pessoais do sentenciado. Se houver lesão corporal culposa, além da multa, a pena máxima de prisão será de até um ano.

c) No Uruguai, a Lei nº 9.155 de 1934491, por meio do art. 314, permite a punição do homicida culposo com prisão de seis meses a oito anos, com a possibilidade de aplicação da pena máxima quando ocorrer várias mortes ou várias lesões, ou seja, se houver concurso de crimes.

Quanto às lesões corporais culposas (art.321), a pena privativa de liberdade será estipulada de acordo com a pena para o crime doloso diminuída de um terço à metade, conforme a gravidade e as circunstâncias em que ocorreram, portanto devem ser considerados os seguintes tipos de lesões dolosas:

1) lesões simples: qualquer transtorno fisiológico que derive enfermidade física ou mental, a pena é de prisão de três a doze meses;

2) lesões graves: se resulta perigo de vida, incapacidade para as ocupações rotineiras por mais de vinte dias; debilidade permanente de um sentido ou órgão; aceleração de parto. Para esses tipos de lesão a pena será de vinte meses a seis anos de prisão.

3) lesões gravíssimas: se ocasiona enfermidade incurável, perda de um sentido, deformidade permanente do rosto ou aborto. Nesses casos a pena será de vinte meses a oito anos de prisão.

d) O Código Penal da Itália (Decreto Real nº 1.398 de 19 de outubro de 1930492), no art. 589, preceitua que o homicídio culposo será punido com pena de reclusão de dois a sete anos, porém, se o acidente causar várias mortes ou lesões corporais culposas a pena pode ser aumentada para até quinze anos.

490 Fonte < http://www.oas.org/juridico/MLA/sp/pry/sp_pry-int-text-cp.pdf>, acesso em 13/01/2010. 491 Fonte <http://www.parlamento.gub.uy/Codigos/CodigoPenal/l1t1.htm>, acesso em 13/10/2010. 492 Fonte <http://www.polizia-penitenziaria.it/public%5Cdload%5Cnormativa%5Ccodice%20penale.pdf >, acesso em 15/10/2010.

O art. 1º do Decreto-Lei nº 92, de 23 de maio de 2008, convertido na Lei nº 125, de 24 de julho de 2008493, alterou o Código Penal italiano estabelecendo que se

o homicídio culposo for praticado em decorrência do consumo de substâncias alcoólicas ou entorpecentes a pena de reclusão será de três a dez anos.

O art. 590 do Código penal italiano pune as lesões corporais culposas conforme os seguintes tipos de lesão:

1) lesão grave: perigo à vida, doença ou incapacidade para as ocupações habituais por mais de quarenta dias e debilidade permanente de sentido ou órgão. Pena de reclusão de três meses a 1 ano ou multa de 500 a 2.000 euros;

2) lesão gravíssima: doença incurável, perda de um sentido, perda ou mutilação de um membro, perda ou inutilidade de um órgão, da capacidade de procriar, ou capacidade da fala, deformação ou cicatrizes permanentes da face. Pena de reclusão de um a três anos. Se houver concurso de várias lesões a pena será aumentada em até 5 anos.

O art. 1º do Decreto-Lei nº 92, de 23 de maio de 2008, permitiu a punição do motorista que dirige sob a influência de substância alcoólica ou entorpecente, propiciando a pena de reclusão de seis meses a dois anos se causar lesão grave. Por outro lado, se a lesão for gravíssima a reclusão será de um ano e seis meses a quatro anos.

e) Na Espanha, o art. 142 do Código Penal (Lei nº 10 de 23 de novembro de 1995494), prevê para o homicídio culposo, chamado de homicídio imprudente, as

penas de prisão de um a quatro anos e a de privação de condução de veículos automotor de um a seis anos.

As lesões corporais culposas (art. 152) são punidas de acordo com o tipo de lesão causada:

1) lesões que prejudiquem a integridade corporal, a saúde física ou mental: prisão de três a seis meses;

2) perda ou inutilidade de um órgão ou membro principal ou de um sentido, impotência, esterilidade, grave deformidade, grave enfermidade somática ou psíquica:prisão de um a três anos;

493 Fonte <http://www.camera.it/parlam/leggi/08125l.htm>, acesso em 15/01/2010. 494 Fonte <http://www.ub.es/dpenal/CP_vigent.pdf>, acesso em 15/01/2010.

3) perda ou inutilidade de órgão ou membro não principal, ou sua deformidade: prisão de seis meses a dois anos. Em todas as punições, o condenado fica sujeito à inabilitação para conduzir veículos automotores pelo prazo de um a quatro anos.

f) Na França, o Código Penal (Lei nº 92.683, de 22 de julho de 1992495) pune o homicídio culposo com até cinco anos de prisão e multa de 75.000 euros (art.221- 6). Porém, as penas são aumentadas para o máximo de até sete anos de prisão e 100.000 euros de multa quando ocorrerem as seguintes circunstâncias agravantes: 1) violação deliberada de uma obrigação específica de segurança ou de cuidados previstos em lei ou regulamento diferentes das relacionadas abaixo;

2) condutor em estado de embriaguez caracterizada por uma concentração de álcool no sangue ou no ar expelido igual ou maior do que a fixada pela legislação ou regulamento de tráfego, ou quando ele se recusou a realizar os testes de alcoolemia para provar a existência de álcool;

3) se o condutor usou substâncias entorpecentes demonstrada em exame de sangue, ou se houve recusa à submissão de testes de uso de entorpecentes;

4) se o condutor não possuir a licença exigida por lei ou regulamento, ou se sua licença foi revogada, anulada, suspensa ou retida;

5) o condutor tenha excedido em 50 km/h o limite de velocidade permitida;

6) quando o condutor, sabendo que acabara de causar ou provocar um acidente, foge e tenta escapar à responsabilidade penal ou civil.

As penas são aumentadas para dez anos de prisão e multa 150.000 Euros, se o homicídio havia sido cometido com duas ou mais circunstâncias agravantes mencionadas acima.

Além dessas penalidades, conforme o art. 221-8, o condutor condenado pelo homicídio culposo também fica sujeito às seguintes penas: terá a habilitação para dirigir suspensa por período de até cinco anos; a anulação da permissão de conduzir com proibição de obter nova permissão por até cinco anos (caso seja reincidente esta proibição pode ser definitiva); perda do veículo ou a sua apreensão pelo prazo de um ano e curso de sensibilização sobre a segurança do trânsito.

Conforme o art. 222-19-1 do Código Penal francês, o autor de lesão corporal culposa em acidente de trânsito fica sujeito às seguintes penas: três anos de prisão

e 45.000 euros de multa, se a lesão causou incapacidade total para o trabalho por mais de três meses.

As penas são elevadas em até cinco anos de prisão com multa de 75.000 euros se concorrerem as mesmas circunstâncias citadas para o homicídio culposo. Também poderão ser aumentadas em até sete anos de prisão e 100.000 euros de multa se o acidente tenha ocorrido com duas ou mais circunstâncias.

Além das penalidades acima, o Código Penal francês (222-44) também aplica as seguintes penas acessórias para o condenado por lesão corporal culposa: suspensão do direito de dirigir pelo prazo de até cinco anos ou pelo período de até dez anos caso haja alguma circunstância agravante; anulação da permissão com proibição de solicitação de uma nova pelo prazo de até cinco anos; perda ou apreensão do veículo envolvido no acidente por até um ano; curso de sensibilização sobre a segurança do tráfego.

g) O Código Penal de Portugal (Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de setembro)496, art. 137.º, pune o condutor de veículo automotor, responsável pelo homicídio culposo, com as penas de prisão de até três anos ou pena de multa (o art. 47.º, 2, define que cada dia multa corresponde de cinco a quinhentos euros, fixado pelo tribunal em razão da situação econômica e financeira do condenado). Porém, a pena pode ser de até cinco anos se a negligência for considerada grosseira. A negligência grosseira pode ser definida de acordo com os seguintes Acórdãos dos Tribunais portugueses:

A negligência grosseira corresponde a uma violação grave do dever de cuidado agravando o desvalor do comportamento do agente. O conceito de negligência grosseira deve ser encontrado a partir da própria noção de negligência, estando relacionado com a natureza dos deveres de cuidado impostos ao agente e por ele incumpridos. Para concretizar o nível de negligência toma-se por referência o dever imposto ao homem médio procurando estabelecer um termo comparativo em relação ao agente. Age com negligência grosseira aquele que actua esquecendo as precauções exigidas pela mais elementar prudência, omitindo as cautelas mais elementares.497

É que, se, existindo um sinal a indicar que se ia aproximar de uma estrada com prioridade, o réu acabou por entrar de modo repentino na zona de intersecção das duas vias, isso comprova que agiu com temeridade (negligência grosseira), sem avaliar sequer os perigos que corria e fazia

496 Fonte<http://dre.pt/pdf1sdip/2007/09/17000/0618106258.PDF>, acesso em 18/01/2010.

497 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora 2142/04-1, Fonte

<http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/0/2656c65283d4ee8680257170003b9fdf?OpenDocument>, acesso em 1801/2010.

correr a terceiros, tratando-se de um comportamento que a experiência comum ensina ser próprio da destemia provocada pelo álcool.498

A lesão corporal é definida no art. 148.º que pune dois tipos de ofensa à integridade física por negligência:

1) simples: qualquer ofensa ao corpo ou a saúde de outra pessoas (desde que não caracterizada ofensa grave ou qualificada) onde a pena será de prisão até um ano ou multa de até 120 dias;

2) grave: perda ou desfiguração grave e permanente de importante órgão ou membro; perda ou incapacidade grave para o trabalho, capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, dos sentidos ou de fala; doença dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica ou incurável; perigo de vida. Nesses casos a pena será de até dois anos de prisão ou multa de até 240 dias.

Percebe-se que a punição brasileira do homicídio culposo e da lesão corporal culposa em decorrência de acidente veicular está bem abaixo do contexto mundial, conforme as legislações estrangeiras apresentadas. Quando comparada aos países europeus, nossa pena de multa ficou muito aquém. Porém, ficou claro que estamos no caminho certo, quando também disponibilizamos dois âmbitos de punição: administrativo, suspensão ou proibição do direito de dirigir, e penal, com as penas privativas de liberdade.

498 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 4797/05. Fonte

<http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5e4703ff47203f8a8025743a00360 6a9?OpenDocument>, acesso em 18/01/2010.