• Nenhum resultado encontrado

A história do Direito Penal no século XVIII foi marcada por uma relevante transição, reflexo das mudanças filosóficas, sociológicas e ideológicas, que influenciaram as legislações mundiais. Mas a instauração de uma nova ordem jurídico-penal foi feita pela Revolução Francesa com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789, fato que marcou e influenciou diversas codificações penais.

Porém, antes desse famoso marco histórico, muitos princípios liberais e humanitários conduzidos para o campo do Direito Penal, já haviam sido discutidos no famoso livro de Césare Bonesana (Marquês de Beccaria), Dos Delitos e das Penas127. Essa obra não é jurídica, mas filosófico-sociológica e, apesar de o livro ter

inspiração nas concepções de Montesquieu, Rousseau, Locke e Helvétius, abriu caminho no estudo da ciência moderna do Direito Penal.

O lançamento do livro em 1764 coincidiu com uma nova era histórica do Direito Penal, o período humanitário128, momento em que foi priorizado o

abrandamento das sanções, reflexo da notória suavização dos costumes dos povos disseminada nas civilizações no Século das Luzes.

Essa obra também marcou o período pré-clássico no estudo da evolução do Direito Penal, em poucos anos dezenas de edições foram feitas, sendo traduzido para várias línguas e, conforme o comentário do professor suíço Jean Graven:

Embora nem sempre as idéias do glorioso precursor hajam nascido no seu cérebro e apesar de que outros por vezes as tenham defendido com mais lógica, ele pode ser considerado como o ordenador e o arauto do Direito Penal moderno: teve a fortuna de produzir, na ocasião em que era preciso, o livro que fazia falta e que plantou um marco da História da Civilização.129 No livro de Beccaria, dentre seus diversos parágrafos130, destacamos os que tratam da proporcionalidade entre as penas e os delitos e da medida dos delitos, haja vista a relevância com o tema, pois as penas dos crimes culposos

127 Apesar do autor ter o nome de Cesare Bonesana, e também ser conhecido como Marquês de Beccaria, muitos livros, até hoje, foram editados com o nome de Cesare Beccaria.

128 GARCIA, Basileu.

Instituições de Direito Penal, vol. I, p. 15.

129 GRAVEN, Jean.

Beccaria et l’avénement du Droit Pénal moderne, Genebra, 1947, apud, GARCIA,

Basileu. Instituições de Direito Penal, vol. I, p. 48.

130 O livro de Beccaria (Dos Delitos e das penas) tem 42 parágrafos que tratam de diversos temas penais e processais penais, tais como prisão, prescrição, detração, pena de morte, tortura, testemunhas, tempo do processo etc.

necessariamente devem ser diferentes e menores que a dos crimes dolosos, em razão da própria intenção ou motivação do sujeito ao praticar um delito culposo.

No § XXIII131 está a lição de que as penas devem ser proporcionais aos delitos, pois os meios utilizados pela legislação, no intuito de coibir a criminalidade, devem ser mais fortes na proporção que o crime seja mais contrário ao bem público e possivelmente praticado com maior freqüência. Beccaria escreve que “o legislador deve ser um hábil arquiteto, que saiba igualmente utilizar todas as forças que podem colaborar para consolidar o edifício e enfraquecer todas as que possam arruíná-lo”. Na construção dessa medida de força de coerção, utilizada pelo legislador para tentar manter a paz pública, Beccaria também propõe uma busca e o estabelecimento de uma progressão das penas correspondente à progressão dos delitos. O parâmetro dessas progressões seria “a medida da liberdade ou da escravidão da humanidade ou da maldade de cada país”132 que elabora sua legislação, e Beccaria sugere, ao finalizar a lição, que não se aplique castigos menores a delitos maiores. Para justificar sua teoria, Beccaria observa que se dois delitos (um mais grave que o outro) forem punidos com o mesmo castigo, o autor de futuro delito continuará a praticar o mais grave, pois, dessa forma, as leis estariam influenciando, mesmo que indiretamente, à prática de delitos com maiores conseqüências.

Outro parágrafo relevante é o de nº XXIV, que trata da medida dos delitos, o qual complementa o raciocínio do anterior, explanando que a exata medida dos crimes é o prejuízo causado à sociedade. Justifica esse pensamento, ao explicar que a grandeza do crime não depende da intenção de quem o pratica, pois: “se a intenção fosse punida, seria necessário ter não apenas um Código particular para cada cidadão, mas uma nova lei penal para cada crime”.133 Nesse parágrafo, a

crítica é muito clara contra o Direito eclesiástico que punia até os maus pensamentos, conforme já tratamos.

Com as observações e críticas de Beccaria, em seu “grande pequeno livro”134, iniciou-se a fase pré-clássica do estudo do Direito Penal e, há de se destacar, na

131 BECCARIA, C.

Dos Delitos e das penas. p. 68.

132 BECCARIA, C.

Dos Delitos e das penas. p. 70.

133 BECCARIA, C.

Dos Delitos e das penas. p. 71.

134 M. Faustin Hélie,

Dês delits et des peines, par Beccaria. Paris, 1856, apud Basileu Garcia.

evolução histórica do crime culposo, ou da análise do elemento subjetivo, um breve resumo a respeito da escola clássica.

Dentre as Escolas135 do Direito Penal, a escola clássica no século XIX, representada por Carrara, foi a que inicialmente enfatizou o estudo do elemento subjetivo do autor, quando da prática do delito, pois o livre arbítrio (vontade livre e inteligente do homem), como esteio da responsabilidade moral, é o suporte da responsabilidade penal, considerando o delito como uma infração ao ordenamento jurídico e exigindo dois requisitos opostos e essenciais: a vontade e o evento danoso. Carrara, o pai da escola clássica, sustenta que, nas ações culposas, a punição deve ser dosada com medida diferente das ações dolosas.

Assim, no encerramento da evolução histórica sobre o crime culposo, pois, conforme explanado anteriormente, a análise da motivação do autor de um delito penal, considerando sua intenção ao praticá-lo, demorou muito a aparecer nas legislações. Trataremos da remissão histórica da legislação brasileira no capítulo pertinente aos crimes culposos de trânsito.

3.2 Teorias do Crime Culposo

Para que possamos fundamentar os motivos da punição136, bem como a

origem dos elementos que constituem um fato típico culposo, temos de lembrar as principais teorias esclarecedoras da responsabilidade criminal culposa, as quais se lastreiam nos aspectos de cunho subjetivo e objetivo. As subjetivas se fundam na relação psíquica entre o sujeito ativo e sua conduta defeituosa, mas também considerando o resultado ocasionado (teorias do defeito intelectual e da vontade), conforme lição de Edgard Magalhães Noronha.137

Por outro lado, as teorias objetivas buscam esclarecer a essência da culpa por uma especificação objetiva da conduta, no nexo causal existente entre o evento lesivo e a conduta percussora, ou, por fim, na natureza do bem jurídico ofendido ou

135 Dentre as principais, podemos citar as seguintes Escolas penais: clássica, positiva, crítica ou terceira escola, moderna alemã e a correcionalista, conforme lição de Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal brasileiro, p. 83.

136 Raul Machado (

A culpa no Direito Penal, p. 186) traz a lição de Tosti (La culpa penale, p. 98) a

respeito da punibilidade dos crimes culposos: “O pressuposto de toda a imputabilidade social para a escola clássica do direito punitivo, que no século passado obteve largo êxito, sobretudo, antes do advento da escola positiva, é a imputabilidade moral, sendo princípio básico para os prosélitos de Beccaria, que o homem é imputável enquanto tem livres a vontade e a inteligência.”

137 NORONHA, Edgard Magalhães.

violado, conforme sintetizou aquele mesmo jurista.138 A seguir, destacamos as

principais teorias subjetivas e objetivas que merecem ser lembradas.