• Nenhum resultado encontrado

5.3 SiSTEmAS PENAiS E oS ELEmENToS CoNSTiTuTiVoS Do CrimE

No documento Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1 (páginas 44-48)

A expressão “sistemas penais” é pouco utilizada pela doutrina bra- sileira. Muitos preferem referir-se a “teorias penais”. Assim, por exemplo, diz-se com mais frequência “teoria clássica” do que “sistema clássico”. A terminologia “sistema”, entretanto, afi gura-se mais adequada. Na defi - nição de Kant, sistema é a “unidade dos múltiplos conhecimentos sobre uma ideia” ou “uma totalidade de conhecimentos ordenada sob princí- pios”. Sistema penal, portanto, indica um conjunto de teorias intrinse- camente relacionadas, desenvolvidas durante determinado período da evolução da dogmática penal.

Atualmente, apontam-se os seguintes sistemas penais:

a) sistema clássico (ou sistema “Liszt/Beling/Radbruch”), que re- monta ao início do século XX;

b) sistema neoclássico (conhecido também como normativista. Corresponde ao anterior, acrescido da teoria de Reinhard Frank), sur- gido em 1907;

c) sistema fi nalista (ôntico-fenomenológico), difundido a partir da década de 1930;

d) sistema funcionalista (teleológico-racional), que se divide em: funcionalismo sistêmico (Jakobs) e teleológico (Roxin), dentro dos quais se desenvolveu a (moderna) teoria da imputação objetiva.

5.4

o SiSTEmA CLáSSiCo (ou SiSTEmA “LiSZT/BELiNG/rADBruCH”)

No fi nal do século XIX, inicialmente com Franz von Liszt, depois com Beling e Radbruch, surgiu o sistema clássico. Graças às suas teorias, grandes avanços foram conquistados. Um dos mais marcantes foi afastar de vez a responsabilidade penal objetiva, já que esses penalistas erigiram o dolo e a culpa a elementos essenciais do crime, sem os quais ele não existe.

Essa doutrina teve grande infl uência do positivismo científi co, na medida em que buscava examinar o crime sob um enfoque puramente jurídico, desprovido de qualquer interferência de outras ciências, como a sociologia, a fi losofi a ou a psicologia.

No dizer de Roxin, “o conceito clássico de delito (...) estava infl uen- ciado de modo decisivo pelo naturalismo do fi nal do séc. XIX, que de- sejava submeter as ciências humanas ao ideal de exatidão das ciências naturais, alicerçando, em razão disso, o sistema jurídico-penal em dados da realidade mensuráveis e empiricamente comprováveis” (Funcionalis-

mo e imputação objetiva no direito penal, p. 201). Franz ritter von

Liszt (1851-1919) ju- rista alemão, crimi- nologista e reforma- dor do direito inter- nacional, foi o pro- ponente da escola jurídica sociológica e histórica. De 1898 até 1917, foi professor de Di- reito Penal e Internacional da Uni- versidade de Berlim.

AuTor

VoCABuLário

Direito Penal

45 O sistema em questão resultou da conjugação de duas importantes teorias: 1ª) teoria causal ou naturalista da ação; 2ª) teoria psicológica da culpabilidade. A primeira vê a ação como a inervação muscular, pro- duzida por energias de um impulso cerebral, que provoca modificações no mundo exterior (von Liszt). A segunda entende que a culpabilidade é o vínculo psicológico que une o autor ao fato praticado, por meio do dolo ou da culpa.

Os penalistas clássicos subdividiam o crime em dois aspectos: 1º) aspecto objetivo: fato típico e antijuridicidade;

2º) aspecto subjetivo: culpabilidade.

O fato típico, para os clássicos, era composto de: ação; tipicidade (ou seja, adequação perfeita entre o fato humano e o modelo legal abs- trato — Beling); resultado (visto como modificação causal no mundo exterior provocada pela conduta); e nexo de causalidade (vínculo que une a conduta ao resultado).

A ilicitude ou antijuridicidade era consequência inerente à tipicidade (todo fato típico presume-se ilícito); aquela, contudo, não ocorria quan- do o fato típico fosse cometido sob o amparo de alguma causa excludente de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito). Além disso, entendia- -se que tais excludentes, por serem exclusivamente objetivas, dispensa- vam, para sua constatação, a presença de elementos subjetivos, vale dizer, agia em legítima defesa mesmo aquele que desconhecesse totalmente a existência de uma agressão injusta contra si ou terceiro. Por exemplo: A mata B por vingança, justamente no momento em que este se encontrava prestes a matar C, fato desconhecido pelo homicida A; embora objetiva- mente A tenha salvado a vida de C, não matou por ciência, mas por pura vingança; para os clássicos, A teria agido em legítima defesa de terceiro, porquanto é irrelevante para tais fins verificar sua intenção.

A culpabilidade era vista como o vínculo psicológico que une o autor ao fato, por meio do dolo ou da culpa. Tinha como pressuposto a imputabilidade, entendida à época como capacidade de ser culpável (ou seja, de reunir maturidade intelectual suficiente para agir dolosa ou culposamente). Era o liame subjetivo que justificava a punição do autor.

A limitação da culpabilidade à constatação de dolo ou culpa dei- xava sem resposta inúmeras situações em que a pena não se justificava, apesar de o agente ter cometido o fato dolosa ou culposamente.

5.4.1. Críticas ao sistema clássico

Muitas das ideias elaboradas pelos clássicos ainda são defendidas nos dias de hoje, dentre elas a negação da responsabilidade penal obje- tiva. Outras, no entanto, foram alvo de críticas e acabaram sendo aper- feiçoadas. Vejamos:

Composição do Fato Típico para os clássicos: l ação l tipicidade l resultado l nexo causal ATENÇÃo autor dolo ou culpa Culpabilidade (vínculo psicológico) Culpabilidade para os clássicos: fato ATENÇÃo

a) Os autores clássicos entendiam que a ação, em sentido amplo, subdividia-se em ação em sentido estrito (ex., um fazer) e omissão (não fazer). Ambas eram consideradas causais (teoria causal ou naturalista da ação), ou seja, tanto a ação propriamente dita (fazer) quanto a omissão (não fazer) geravam relações de causa e efeito. A omissão, contudo, não dá ensejo a relações de causalidade. Trata-se de um nada, e do nada, nada vem (ex nihilo, nihil). Não se pode dizer que o não agir é causa real e efetiva de algum evento. Quem não age, quando muito, deixa de inter- ferir numa relação de causalidade preexistente, mas não cria uma por si só. A pessoa que assiste a um homicídio praticado por desconhecido e nada faz, seja por medo, seja por indiferença, não pode ser considerada responsável pela morte da vítima, a não ser que possua algum dever ju- rídico de impedir esse resultado (como o policial). Essa pessoa não cria a relação de causalidade que leva ao óbito, embora possa nela intervir de algum modo (ex.: gritando por socorro, empurrando o atirador para que erre o alvo etc.). Ao policial, entretanto, será imputada a responsabi- lidade criminal pela morte no momento de sua omissão. O que diferen- cia a pessoa comum do policial nessa situação não é o comportamento, pois ambos podiam agir e se omitiram, mas o fato de o agente da lei, diferentemente das demais pessoas, ter o dever jurídico de agir e de evi- tar o resultado. A omissão penalmente relevante, portanto, não é causal, mas normativa, é dizer, funda-se na existência de um dever jurídico (ou normativo) de agir visando afastar o resultado.

b) Os clássicos somente examinam a intenção (dolo) do agente no âmbito da culpabilidade, ignorando-a quando da verifi cação da ação. Ocorre que, ao separarem a intenção da conduta, estão separando, na teoria, algo indissociável na prática. Todas as pessoas, em função de seus conhecimentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem ante- ver, dentro de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, diri- gindo-os a uma fi nalidade que pretendam atingir. Sabemos que ninguém age sem ter, por detrás, alguma intenção, por mais singela que seja. O fato de alguém estar lendo esse texto demonstra que toda ação humana é dirigida a uma fi nalidade. Quem pretende a aprovação num exame ou concurso público (fi nalidade) sabe que somente com estudo (conduta) se atinge a meta escolhida. Diante disso, dirige sua ação (estudando) para alcançar o objetivo a que se propôs (passar no exame). Sendo assim, não se concebe como a conduta humana penalmente relevante possa ser ana- lisada sem a intenção que a moveu. Os clássicos incorriam nesse equívo- co quando reservavam o exame do dolo para a culpabilidade.

c) Como consequência da crítica anterior, essa teoria encontra di- fi culdades para explicar o crime tentado. Se uma pessoa é fl agrada pu- lando o muro de uma residência, nela adentrando e pondo suas mãos sobre um objeto, como é possível enquadrar sua ação num tipo penal sem saber qual sua intenção? Se o fato é típico, independentemente do exame do dolo (da maneira como sustentam os clássicos), como saber qual o fato típico praticado? Violação de domicílio ou tentativa de furto? Será impossível determinar sem perquirir o propósito do agente. Será

Direito Penal

47 que ele pretendia subtrair aquele objeto que tocou ou somente o admi- rava para, em seguida, devolvê-lo? Essas considerações são fundamentais para sabermos qual o fato típico. Sem o exame da intenção, portanto, não há como descobrir que fato típico houve, e, por vezes, nem sequer é possível determinar se ocorreu ou não fato típico (como se verá na próxima crítica).

d) Os elementos subjetivos do injusto. A doutrina havia-se aper- cebido do fato de que, em determinadas situações, era absolutamente indispensável examinar a intenção do sujeito (o elemento subjetivo do injusto) para descobrir se houve crime. Assim, quando um médico passa suas mãos nas partes pudendas de uma mulher, não temos como saber se ocorreu algum delito se não analisarmos sua intenção. Se o profissio- nal estiver realizando um exame ginecológico de rotina, não há ilícito penal algum, mas se estiver aproveitando-se para dar vazão à sua lascí- via, ocorre violação sexual mediante fraude (CP, art. 215, com a redação dada pela Lei n. 12.015, de 2009). O que separa as duas condutas, uma lícita e outra criminosa, é, tão só, a intenção do sujeito.

e) Para os clássicos, a culpa tem natureza psicológica, quando, na verdade, tem caráter normativo, já que seu exame demanda um juízo de valor, por meio da comparação a ser feita pelo juiz entre a conduta do agente e a de uma pessoa de mediana prudência e discernimento, na situação em que ele se encontrava.

f) Essa teoria não explica os casos de coação moral irresistível e obediência hierárquica (em nosso CP, v. art. 22). Se uma pessoa é obri- gada a produzir um documento falso, sob a mira de uma arma de fogo municiada, não deve ser condenada pelo crime de falsificação de do- cumento (não teria cabimento a lei preferir que alguém cedesse a sua vida a que fabricasse um documento falso). Dessa conclusão ninguém diverge. Ocorre que, aplicando as teorias sustentadas pelos clássicos, não há como fundamentar uma decisão absolutória.

5.4.2. resumo dos elementos do crime para os

“clássicos”

SISTEMA CLÁSSICO

Aspecto objetivo do crime Aspecto subjetivo do crime Fato típico (elementos

que o compõem) Ilicitude ou antijuridicidade Culpabilidade (pressu- posto: imputabilidade) 1) Conduta (ação) 2) Resultado 3) Nexo de causalidade 4) Tipicidade

Estará sempre presen- te, salvo quando o fato típico for praticado sob o abrigo de alguma excludente de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade etc.)

Subdivide-se em duas espécies:

No documento Livro Proprietario Estácio Direito Penal 1 (páginas 44-48)