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A discussão sobre a concepção de Estado na tradição marxista e a contribuição gramsciana leva ao questionamento da relação deste debate com a formação do Estado moderno, e um autor que faz uma análise abrangente das origens dos Estados Modernos é Charles Tilly, em Coerção, Capital e Estados Europeus. Nesta obra, o autor contrapõe grandes teorias a-históricas como a de Talcott Parsons (A Estrutura da Ação Social, 1937)24 e aplica sua metodologia das “grandes comparações”. Em seu livro, Tilly enfatiza as conseqüências transformadoras do desenvolvimento do capitalismo e do surgimento do Estado nacional – dois processos inter-relacionados que dominaram os últimos séculos (TILLY, 1996, p. 16).

Para Tilly, o sistema de Estados que predomina atualmente em quase todo o planeta tomou forma na Europa após 990 d.C. Séculos mais tarde, eles se espalharam, superando sistemas de Estado centralizados como China, Índia e Pérsia. A atual forma de Estado emergiu no século XVII, dominou a Europa (séc. XIX) e, por fim, todo o globo no século XX.

Durante os últimos quinhentos anos, portanto,

(...) ocorreram três coisas surpreendentes. Primeiro, quase toda a Europa se consolidou em Estados nacionais com fronteiras bem definidas e relações mútuas. Segundo, o sistema europeu se disseminou por quase o mundo todo. Terceiro, os outros, agindo em concerto, exerceram uma crescente influência sobre a organização e o território dos novos Estados. As três mudanças estão estreitamente interligadas, já que os Estados líderes da Europa difundiram o sistema por intermédio da colonização, da conquista e da penetração dos Estados não-europeus. A criação primeiramente da Liga das Nações e depois

24 Em A teoria da ação social de 1937, sua primeira obra, Talcott Parsons, analisa a produção de autores

clássicos como Max Weber, Vilfredo Pareto e Emile Durkheim e elabora uma teoria da ação social baseada no pressuposto de que a ação humana é “voluntária, intencional e simbólica”.

das Nações Unidas apenas ratificou e racionalizou a organização de todos os povos da terra num único sistema de Estado (TILLY, 1996, p. 260).

Essa forma de Estado que predominou teve mais êxito nas guerras do que todos os outros tipos. Pois a guerra foi um elemento importante na formação dos Estados, ela obrigou os europeus a organizar exércitos, marinhas, levantar recursos e constituir organizações para gerir as máquinas militares. As outras formas de Estado, segundo o autor, sobretudo as cidades-Estado também poderiam ter prevalecido principalmente porque tiveram bastante sucesso durante um tempo, como também vimos em Arrighi, especialmente as regiões de comerciantes como Veneza, Génova ou Holanda, que concentravam capital e foram vencedoras de guerras. Mas a pressão militar dos Estados Nacionais fez com que outros Estados europeus fossem coagidos a se tornar Estados Nacionais (TILLY, 1996, p. 26).

O termo Estado nacional, neste sentido não significa necessariamente Estado-nação, ou seja, a reunião de um povo que compartilha de uma forte identidade linguística, religiosa ou simbólica. Mas governos cercados de súditos, necessários para vencer as guerras e arrecadar tributos. Para fortalecer o vínculo entre governantes e súditos aumentaram os órgãos civis dos Estados, os direitos de cidadania e os modelos representativos dos cidadãos nos governos (TILLY, 1996, p. 28).

A grande questão que Tilly se coloca, no entato, é entender porque mesmo seguindo trajetórias tão diversas todos os Estados europeus acabaram convergindo para variações do mesmo modelo de Estado nacional. Na sua trajetória para fechar esta equação e tentar apontar se estamos ou não nos aproximando de um momento de viragem e se já existem sinais de que os Estados da forma como os conhecemos não durarão para sempre, e podem em breve perder sua hegemonia, o pesquisador dialogou com tradições cuja contribuição teórica neste debate é interessante enunciar.

Os primeiros, estatistas, são aqueles que levam em conta a existência de um sistema internacional hegemônico, mas fazem a análise individual do comportamento dos Estados, como Samuel Huntingon, por exemplo, a quem Tilly valoriza pelo trabalho de levantamento de dados, mas critica por se exceder no particularismo e, consequentemente, não conseguir responder à pergunta de porque os Estados europeus seguiram trajetórias tão diversas, mas acabaram virando Estado nacional.

Os segundos, geopolíticos, como James Rosenau, segundo Tilly, vão ao outro extremo e qualificam o sistema internacional como o grande elemento formador do Estado em seu próprio território. Essa perspectiva corrige em grande parte o internalismo e particularismo

dos estatistas, mas continua não explicando o que vincula formas particulares de Estado a posições específicas dentro do sistema internacional.

Perry Anderson, um dos grandes interlocutores de Tilly, representa uma terceira linha que explica a luta pelo controle dos Estados através das análises dos distintos modos de produção (feudalismo, capitalismo, socialismo). Nesta perspectiva o Estado obedece à lógica dos imperativos econômicos e políticos do desenvolvimento do modo de produção dentro de um território, mas ainda não explica, segundo Tilly, os motivos pelos quais variam a forma e a atividade entre os Estados que tem modos semelhantes de produção.

Em quarto lugar, vem os teóricos do sistema mundial, como Wallerstein ou Gunder Frank, que extendem a clássica divisão marxista de capital e trabalho a uma escala mundial. O Estado representa um instrumento da classe dirigente nacional e serve aos interesses dessa classe na economia mundial. Mas, para Tilly, os autores não estabelecem vínculos entre os Estados com suas organizações e suas posições dentro do sistema mundial. Na verdade, Tilly, critica a explicação que Braudel, Arrighi e Wallerstein dão ao protagonismo da Holanda, por exemplo, que se tornou hegemônica no século XVII, mesmo sendo um Estado pequeno com vizinhos portentosos e com grandes quadros de pessoal civil e exércitos permanentes.

Tilly considera que nenhuma das quatro perspectivas e nem mesmo uma combinação entre elas dá uma resposta satisfatória sobre a formação dos Estados europeus. E assim ele vai desenvolver seu trabalho, repercutindo ideias de Barrington Moore Jr, Stein Rokkan e Lewis Mumford, ao apontar histórias alternativas de formação do Estado a partir de distintas combinações continuamente variáveis dos seguintes fatores: (1) concentração do capital, (2) concentração da coerção, (3) preparação da guerra e (4) posição dentro do sistema internacional.

Ao longo da história, diferentes combinações entre capital e coerção produziram tipos muito distintos de Estado, muito antes do capitalismo como sistema, já os capitalistas comerciantes, empreendedores, financistas haviam prosperado sem grandes intervenções na produção, da qual eles se apossam após 1500. Esse processo de acumulação e concentração do capital produziu cidades, centros urbanos. Já a coerção produziu dominação através da centralização da coerção nas forças armadas gerando Estados. Segundo Tilly,

os esforços para submeter vizinhos e combater os antagonistas mais distantes criam estruturas de Estado sob a forma não só de exércitos mas também de quadros de pessoal civil que detem os meios de manutenção dos exércitos e organizam o controle quatidiano do governante sobre o restante da população (TILLY, 1996, p. 68)

As estruturas desses Estados foram criadas e recriadas ao longo do tempo não seguindo um projeto muito claro e definido, mas de acordo com as respostas às necessidades imediatas, da luta e enfrentamento entre as classes, improvisações administrativas, gerando distintos formatos de Estado nacional.

Segundo Arrighi, foi justamente neste contexto que o capitalismo nasceu como um sistema social histórico, pois

a intensificação da concorrência intercapitalista e a crescente interpenetração dessa concorrência e da luta pelo poder, dentro das cidades-Estado e entre elas, não enfraqueceram, mas, ao contrário, fortaleceram o controle desses Estados por parte de interesses capitalistas (ARRIGHI, 1996, p. 94).

Somente após a segunda guerra mundial no século XX é que quase o mundo inteiro será fracionado por Estados independentes e com reconhecimento da existência mútua e do direito de existência dos demais. Para Tilly, a coerção concentrada somada ao capital concentrado continuarão a compelir o nascimento de Estados que ainda surgirão. Apesar de que após a 2ª guerra mundial quase o mundo inteiro estará fracionado em Estados independentes e com reconhecimento da existência mútua e o direito à existência dos demais. É neste cenário que se dará a disputa hegemônica pela condução de um novo elemento de relação inter-estatal que mais tarde será abordada ao se discorrer sobre a tensão entre a globalização hegemônica e a contra-hegemônica.