• Nenhum resultado encontrado

3.2 O Fórum Social Mundial

3.2.2 Formato do evento

O formato do primeiro FSM de 2001, em Porto Alegre, delineou um padrão para o encontro, que se repetiu quase sem alterações nas duas edições seguintes, de 2002 e 2003, também em Porto Alegre. A partir de 2004 (Mumbai), a estrutura e o formato do evento passam por mudanças significativas. Em 2001, o primeiro e último dia foram reservados, respectivamente, para a abertura e o encerramento do encontro, com gigantescas marchas pelo centro da cidade, o seu intervalo foi preenchido por quatro dias de intensas atividades. A cada manhã ocorriam as conferências promovidas pelo comitê organizador. As tardes eram reservadas às atividades “auto-gestionadas”, ou seja, organizadas de forma autônoma por entidades e associações inscritas no Fórum. Cada dia do FSM terminava com os “testemunhos” de personalidades, entre eles dirigentes políticos, militantes sociais, escritores e jornalistas. Paralelamente a toda essa programação ocorria o Acampamento Intercontinental da Juventude com espaço e programação próprios; o Acampamento Indígena e Campesino; o Fórum de Parlamentares e Autoridades Locais; Fórum de Juízes; Planeta Fêmea (dedicado às temáticas feministas e de mulheres em geral); Tribunal da Dívida; Plenárias sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e mais uma infinidade de encontros e atividades espalhadas pela cidade.

Após o primeiro evento, em 2001, foi formulada uma Carta de Princípios (CP) do FSM que ajudou a organizar tanto a adesão ao processo FSM, uma vez que o encontro é completamente aberto à participação de interessados, como a forma de realização dos encontros. Nas três primeiras edições, foi possível manter a coerência entre a Carta de Princípios e os eventos, principalmente porque os organizadores foram praticamente os mesmos representantes de organizações brasileiras. Assim que o encontro mudou de sede, tanto para Mumbai em 2004 ou Nairóbi em 2007, como as várias edições regionais, policêntricas, temáticas, naturalmente ocorreram variações na organização dos eventos refletindo as diferentes realidades e contextos políticos dos locais que abrigaram o encontro, assim como as concepções gerais dos organizadores locais. Esta situação se tornou

56 Assinaram a realização do seminário, como GRAP, Antonio Martins (ATTAC), Candido Grzibowski

(IBASE), Francisco Whitaker (CBJP), Jorge Abrahão (CIVES), José Correia Leite (ATTAC), Moema Miranda (IBASE), Oded Grajew (CIVES), Salete Camba (IPF), Sérgio Haddad (ABONG).

preocupante, a ponto de gerar um documento guia da organização dos eventos do FSM no âmbito do CI, principalmente porque ao redor do mundo começaram a surgir uma enormidade de encontros organizados sob o rótulo do FSM sem, necessariamente, seguir a CP ou mesmo ter conhecimento de sua existência.

Uma das principais preocupações do CI tem sido a de garantir a ampliação e o aprofundamento do processo FSM em consonância com a CP e seus princípios fundamentais, levando em conta que o FSM não é uma organização ou uma instituição sujeita a controles e sanções. O desafio de cada evento é produzir condições de reunião da sociedade civil global e ambiente para os debates dos temas emergentes da agenda contra-hegemônica global e local. Uma primeira condição a ser cumprida é a exposta na CP de reunir em todos os FSM “grupos e movimentos da sociedade civil que são opostos ao neoliberalismo e à dominação do mundo pelo capital ou qualquer forma de imperialismo...”. Neste bojo, não cabem “nem representações partidárias, nem organizações militares”, líderes governamentais ou parlamentares que aceitarem os termos da CP podem ser convidados para participar em “termos pessoais”. Esta exceção criada para membros de governo veio bem a calhar para os representantes do governo de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul que receberam os primeiros FSM.

As regras da CP do FSM garantem o caráter de encontro das forças contra- hegemônicas que se identificam na oposição ao projeto hegemônico neoliberal. Isto quer dizer que não está aberto para organizações e eventos que formalmente defendam o neoliberalismo, o imperialismo, o capitalismo, assim como não está acessível aos que priorizam a luta política eleitoral partidária ou formas violentas de resistência e libertação nacional. Entretanto, não cria as condições necessárias para evitar a participação de organizações baseadas no fundamentalismo religioso, nas relações de castas, no racismo, no patriarcado e tantas outras formas opressoras de relações sociais que não necessariamente possam ser rotuladas como neoliberais.

Outra preocupação que influência na montagem do encontro é a da igualdade de acesso a todos os movimentos, dadas as diferenças de condições entre as organizações, sejam financeiras, de condições - como capacidade de comunicação em diferentes línguas - e outras. Os organizadores geralmente precisam se esforçar para garantir a participação de movimentos de base, inclusive as que não têm nenhuma condição de pagar, com o estabelecimento de distintas cotas de pagamento mais altas para as organizações mais ricas e isenção para os que não podem pagar. Devem ser criadas facilidades básicas de acomodação para os que não podem se hospedar em hotéis, tradutores voluntários e condições de participação e exposição

de ideias através de intervenções variadas, não ficando restritas ao formato ocidental padrão de oficinas e conferências. Neste aspecto, os FSM de Mumbai, 2004, e Belém, 2009 foram os quem mais se aproximaram de um ideal de facilitação da igualdade de acesso. O FSM de Nairóbi, 2007 teve muita dificuldade para levar a cabo este princípio na organização do evento.

Diretamente relacionada à possibilidade do acesso está a definição da política de “levantamento de fundos” elaborada e implementada por cada Comitê Organizador do evento mundial. Nos primeiros anos, os custos do evento eram bem altos, especialmente pelo número de atividades dentro do evento pelas quais o Comitê Organizador se responsabilizava, tendo que arcar com todos os custos da montagem, local, transporte de convidados, divulgação, tradução. Com o passar dos anos, o papel do Comitê Organizador passou a ser principalmente de provedor do espaço, cabendo às organizações realizarem suas atividades. A primeira vez em que um CO se responsabilizou por uma dezena e meia de atividades, perante a mais de 1000 atividades auto-gestionadas, foi no FSM de Mumbai. Este também foi um encontro que se diferenciou em termos de financiamento do evento e a busca de auto-sustentabilidade do encontro. O CO de Mumbai não aceitou doações de organizações e agências internacionais tais como as fundações Ford, Rockefeller, McCarthy, alegando que o movimento anti- globalização se opõe à globalização neoliberal que tem muitos projetos igualmente financiados por estas fundações.

A questão do financiamento é muito delicada e permeia toda a história do processo FSM. Ela envolve definições políticas e a sensibilidade dos movimentos de cada região ou país, pois há opiniões distintas sobre a política de financiamento. De acordo com a Carta de Princípios, que deveria unificar as distintas sensibilidades, algumas fontes deveriam ser evitadas, tais como instituições financeiras como o Banco Mundial, agências e corporações comerciais multinacionais, e qualquer fonte que tenha alguma ligação com o tráfico de drogas, máfia e crime. A fonte que mais tem gerado polêmica tem sido a governamental e as de empresas públicas. No documento Guiding Principles for Holding WSF Events, a argumentação é de que alguns podem entender que uma vez que os recursos do governo são provenientes dos impostos pagos pelos cidadãos, estes têm o direito de acessá-los independente da afiliação política do governo que está no poder em dado momento em um país. A questão é que ao acessar os recursos do governo, o FSM não deveria ser visto como um evento promovido pelo partido que se encontra no poder, pois iria contra a CP. O mesmo debate se dá ao tratar-se de empresas públicas cujo financiamento poderia ser visto pelo lado positivo como “alternativo” ao de empresas privadas e pelo lado negativo de “alinhado” ao

partido no poder ou às multinacionais com grande participação nestas empresas e com péssimos registros quanto ao tratamento ambiental e social. Muitos destes problemas poderiam ser evitados se o evento conseguisse ser totalmente auto-sustentado através do recolhimento das taxas de inscrição, uso do espaço e facilidades em geral, como tradução, mas a questão é que este mecanismo também pode gerar sérios problemas de diferenciação entre os participantes, fazendo com que somente as organizações e pessoas com melhores possibilidades econômicas participem do encontro, sendo que muitas vezes há grande demanda por participação totalmente livre de contribuição financeira.