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3.2 O Fórum Social Mundial

3.2.3 Porto Alegre 2001, 2002 e 2003

Por três anos seguidos, 2001, 2002 e 2003, o Fórum Social Mundial foi realizado na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil. Também por isso, muitos passaram a denominá-lo de Fórum de Porto Alegre.

A tabela a seguir aponta alguns números dos três primeiros eventos:

Tabela 1 - Dados FSM Porto Alegre 2001, 2002, 2003

I FSM (2001) II FSM (2002) III FSM (2003)

PARTICIPANTES 18.000 51.000 100.000

DELEGADOS 4.702 12.274 20.763

ORGANIZAÇÕES - 4.909 5.717

PAÍSES 117 131 156

JOVENS (NO ACAMPAMENTO) 2000 15.000 25.000

ATIVIDADES AUTO- GESTIONADAS

420 622 1300

Fonte: Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.

Cada uma destas edições do FSM foi marcada pelas especificidades do momento mundial e pelo crescimento numérico e organizativo do encontro.

O primeiro evento do Fórum Social Mundial ocorreu entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2001, na cidade de Porto Alegre, embora o seu processo tenha iniciado na década anterior, como revelam as atividades anteriormente citadas. Após sua primeira convocatória oficial, lançada em junho de 2000, durante a “Cúpula Social Alternativa” paralela à “Cúpula Social”

das Nações Unidas, em Genebra, surge o encontro Anti-Davos, ou seja, o “anti-Fórum Econômico Mundial”. O Fórum Econômico Mundial ocorre todos os anos em Davos na Suíça, já tendo se reunido também em Nova Iorque nos EUA, reunindo grandes chefes das finanças e da indústria mundial há mais de trinta anos. Outros encontros paralelos a Davos já vinham ocorrendo ao longo dos últimos anos da década de 90, como vimos anteriormente, mas este, que foi chamado de Fórum Social Mundial, ganhou uma dimensão superior por reunir as características que veremos a seguir.

O I FSM, Porto Alegre 2001, contou com 18 mil participantes e teve a cara da novidade e da esperança de vitórias concretas sobre a globalização neoliberal. Em 2001, foram mais de 420 oficinas e grupos de trabalho, que promoveram o encontro e o intercâmbio de diversas experiências locais, regionais e nacionais de resistência às políticas neoliberais e de coordenação de esforços e de atividades para o futuro, nos anos subseqüentes este número cresceu substancialmente, chegando a mais de 2000 atividades inscritas em alguns encontros.

Em 2001, pela primeira vez, se realizou uma reunião mundial com amplo espectro de participação de organizações, movimentos e indivíduos que desenvolviam de alguma forma a luta contra o neoliberalismo. Estiveram presentes tanto os envolvidos com as lutas pelo direito da mulher, dos negros, dos indígenas, das crianças, dos sem terra, dos sem teto e de variados segmentos sociais, como os representantes de múltiplas visões sobre direitos humanos, meio ambiente, diversidade cultural e diversidade de orientação sexual. Todos puderam interagir e dialogar como talvez nunca tivessem tido a oportunidade de fazê-lo. As campanhas que ganharam maior proeminência no encontro foram as que sintetizavam as iniciativas contra militarização e o livre comércio, como a ALCA.

O II FSM, Porto Alegre 2002, contou com 51 mil participantes e teve como marcas centrais a consolidação do encontro como um importante espaço mundial de resistência e elaboração de alternativas à globalização hegemônica neoliberal e a resposta dos movimentos sociais à ofensiva conservadora estadunidense pós-11 de setembro. O FSM foi extremamente impactado pelos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, que derrubaram as torres do World Trade Center em Nova York e parte do Pentágono em Washington, nos Estados Unidos. Emir Sader57 diz, em um artigo, logo após os atentados:

Recuperando a iniciativa, passando de algoz a vítima, os EUA buscam reimpor a polarização que mais lhes interessa: entre o capitalismo neoliberal e os Estados fundamentalistas da sua periferia, caracterizada como choque

57

SADER, E. Washington ou Cabul? Porto Alegre. In: Revista Caros Amigos, N° 55. São Paulo: Casa amarela, 2001.

de civilizações – versão internacional e geopolítica das teorias do multiculturalismo, com a primeira substituindo a oposição capitalismo/socialismo e a segunda no lugar da luta de classes (SADER, 2001)

Com isso:

a luta por um outro mundo possível – o movimento que explodiu à superfície de Seattle, que se desenvolveu até Gênova e Durban, sempre crescendo – enfrenta seu primeiro dilema estratégico (SADER, 2001).

Os eventos de 11 de setembro de 2001 aconteceram quatro meses antes do II FSM e às vésperas da Assembléia Anual do FMI e BM, que seria palco de intensas mobilizações. Aconteceu também a dois meses da reunião da OMC, que, após a “ressaca de Seattle”, retornava às negociações da Rodada do Milênio, e teve que ser programada para acontecer em Doha, capital do Qatar - de acesso praticamente impossível para os ativistas e militantes antiglobalização - para evitar um “novo Seattle”. Como disse uma das expoentes do movimento antiglobalização, Naomi Klein58: “nossas liberdades civis, nossas modestas vitórias e nossas estratégias habituais foram, agora, todas elas lançadas em dúvida. Mas a crise também abre novas possibilidades”. Saber identificar essas novas possibilidades era justamente o “dilema estratégico” do qual falava Sader.

Além do “11 de setembro”, outro acontecimento, efeito do recrudescimento da crise do neoliberalismo no mundo, que influenciou o II FSM, foi o colapso político-econômico sofrido pela Argentina. O país sul-americano se transformou no que muitos chamaram de “laboratório de Ciências Sociais e Políticas”, por apresentar, em contraposição à crise inaugurada, uma erupção de movimentos e práticas de ação direta que vinham sendo pregadas pelos ativistas antiglobalização neoliberal. Foi no curso destes acontecimentos, que se iniciou, em janeiro de 2002, o II Fórum Social Mundial. Seguindo a mesma estrutura da primeira edição, superou as expectativas negativas de fracasso de participação recebendo mais de 50 mil pessoas. Destas, cerca de 12.200 delegados de 4.909 organizações, vindos de 131 países. A segunda edição do Fórum, além das conferências por eixos, as oficinas e os testemunhos, foi palco, simultaneamente, do Fórum de Autoridades Locais, do Fórum Mundial de Parlamentares, do Fórum Mundial de Juízes, do Encontro Preparatório Rio + 10, do Acampamento Intercontinental da Juventude (15 mil participantes) e do Forumzinho Social

58 A jornalista Naomi Klein é considerada uma das estrelas do movimento anti-globalização neoliberal. Um de

seus livros, “No Logo” sobre a cultura consumista e a tirania das grandes multinacionais sobre os trabalhadores da periferia do sistema ganhou grande repercussão no movimento, assim como suas reportagens e artigos sobre os protestos globais da década de 90.

Mundial (para crianças). Entre as atividades que se destacaram, também estiveram a Marcha de Abertura com o lema: Contra a guerra e pela paz! Outro mundo é possível! e a Assembléia Pública Mundial do Orçamento Participativo dos gastos de guerra em que se discutiu uma proposta de destinação alternativa aos cerca de US 800 bilhões de dólares anuais do orçamento militar de todos os países do mundo.

O III FSM, Porto Alegre 2003, contou com 100 mil participantes e teve como principal expressão a organização da luta mundial contra a instalação da Guerra no Iraque, culminando com o êxito das manifestações simultâneas de 15 de fevereiro59 em várias partes do mundo. A terceira edição do Fórum Social Mundial (janeiro de 2003) aconteceu em um momento de grandes transformações na América Latina e na iminência de uma guerra estadunidense contra o Iraque. Fato novo foi que vários organizadores do Fórum se transformaram em membros do governo, recém eleito de Luis Inácio Lula da Silva, no Brasil, colocando em xeque uma das tensões do FSM, a de que os partidos e as instituições do Estado só podem “observar” os encontros, sem participação oficial, a não ser membros de governo convidados em caráter pessoal. Uma marcha gigantesca, com mais de 100 mil pessoas, abriu esta edição do FSM, em que as lutas contra a ALCA/OMC e pela Paz, contra a guerra no Iraque, deram o tom da unidade. Mais uma vez, o encontro superou os números do encontro anterior, reunindo cerca de 100 mil pessoas entre delegados (20.763), profissionais da imprensa (4.094), observadores, voluntários (650) e ativistas de todo o mundo. Mais de 5.700 organizações de 156 países estiveram presentes e contribuíram na organização de cerca de 1.280 oficinas. O acampamento da juventude recebeu 25 mil jovens de cerca de 700 movimentos, coletivos e organizações. Um dos maiores resultados do encontro, que se transformou em mais um dos marcos históricos do movimento social contemporâneo, foi a organização de marchas simultâneas para o dia 15 de fevereiro de 2003 que colocou nas ruas de mais de 700 cidades em quase 100 países, no mesmo dia, milhões de pessoas protestando contra a guerra que se aproximava.