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3.2 O Fórum Social Mundial

3.2.4 O processo FSM de 2005 a 2008

De 2005 a 2008, o processo FSM perde a linearidade e previsibilidade dos anos iniciais, uma série de reformulações quanto à sua periodicidade e o formato do evento foi

59 As manifestações contra a instalação da Guerra do Iraque pelos EUA e aliados como Inglaterra, Espanha e

Itália levaram as ruas um número estimado de 12 milhões de pessoas em cerca de 700 cidades em quase 100 países.

realizada na busca de adequar o encontro às necessidades de cada momento da segunda metade da primeira década do século XXI.

3.2.4.1 Porto Alegre 2005

O V FSM (2005) ocorreu uma vez mais em Porto Alegre, entre os dias 26 e 31 janeiro de 2005. A marcha de abertura contou com cerca de 200 mil participantes e se cadastraram oficialmente para o evento, 155 mil pessoas, 6872 organizações, de 151 países. Ocorreram cerca de 2500 atividades, divididas em 11 eixos temáticos definidos a partir de consulta pública e que também serviram como ambiente para articulação60. A estimativas da Brigada Militar apontam que cerca de 500 mil pessoas circularam pelo Território Social Mundial, como ficou conhecido o local do evento. Pela primeira vez, o acampamento da juventude foi incorporado ao território do Fórum e recebeu cerca de 35 mil jovens de todo o mundo.

O espaço montado para receber 150 mil pessoas (50 mil a mais do que o Fórum de 2003 em Porto Alegre) resultou em um território extremamente extenso na orla do Rio Guaíba, completamente distinto do Centro de Convenções da PUC-RS que abrigou as edições anteriores. As construções foram feitas com biotecnologia e seguindo os conceitos da sustentabilidade ambiental, constituindo um laboratório de práticas ecológicas de redes de ONGs participantes do Fórum que se encarregaram de montá-lo. A mudança de local se demonstrou fundamental para possibilitar a participação dos 35 mil jovens do acampamento da juventude e da população de Porto Alegre.

A utilização do novo espaço também obedeceu a uma nova metodologia. Aliás, todo o processo preparatório do Fórum se deu com a discussão da “nova metodologia” como o carro- chefe. O Fórum foi totalmente “autogestionado”, seguindo uma tendência que começou em Mumbai, com a retirada de responsabilidade do comitê organizador sobre o conteúdo e a composição das atividades. Primeiramente, foi realizada uma consulta prévia ao conjunto do movimento para conhecer as questões que os participantes consideravam mais importante

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Uma das metas do FSM de 2005 era tornar sua organização mais participativa. A partir dessa orientação foi feita uma Consulta Temática – realizada pela página oficia do FSM – da qual participaram voluntariamente 1863 entidades. A partir dessas respostas, foram definidos onze Espaços Temáticos – como foram batizados os temas do V FSM. Cada um dos onze Espaços Temáticos teve um Grupo Facilitador (GF), que teve um papel fundamental para garantir que novas articulações políticas. Era tarefa de todos os GF garantirem a máxima diversidade e amplitude possível dentro de cada Espaço Temático. Era também papel do GF facilitar que novas articulações surgissem e incentivar a formação de novas aglutinações. O papel do GF era apenas de facilitar, pois cada inscrição e aglutinação eram voluntárias, realizadas a partir de decisão de cada organização inscrita. O GF identificava as semelhanças e/ou complementaridade de temas das atividades e sugeria às organizações proponentes que aglutinassem suas atividades (Fonte: Comitê Organizador do V Fórum Social Mundial).

discutir. Tais questões foram posteriormente organizadas sob 11 eixos temáticos. As únicas atividades que ocorreram fora do Território Social Mundial foram os seminários que contaram com a presença dos presidentes: Lula (primeiro dia) e Hugo Chavez (último dia), realizados no Ginásio Gigantinho de Porto Alegre.

Com a nova metodologia, o Fórum foi mais do que nunca espaço de construção de alianças, convergências e parcerias:

(...) pode-se também, por mais estranho que possa parecer, dizer que esta foi a menos fragmentada de todas as suas cinco edições. É preciso atentar sobre a maneira como se dá esta partição entre as várias atividades. Horizontalmente, há de fato divisões e subdivisões de temas, organizações e propostas localizadas, que se traduzem num cipoal de mais de quatro mil atividades paralelas. Mas verticalmente, este foi o grande momento das articulações entre entidades, redes, associações, ONGs e agremiações políticas de todo o mundo. Cada um veio procurar sua turma. Foi aqui que os partidos de esquerda reuniram centenas de militantes, em que facções do PT lançaram manifestos, em que redes de mulheres, jovens, camponeses, gays, lésbicas etc. etc. buscaram agendas comuns para o curto e o médio prazo. Foi o encontro dos encontros. A decisão de se acabar com os grandes eixos de conferências e testemunhos, espinha dorsal das edições anteriores do FSM, em favor de atividades auto-geridas, acabou se mostrando positiva. A presença dos partidos políticos, também limitada pelos princípios originais do Fórum, foi inevitável e acabou incrementando os debates por alternativas. Se cada um se responsabilizava por suas atividades, não há como impedir a participação de quem quer que seja (MARINGONI, 2005)61.

3.2.4.2 FSM Policêntrico (2006) e Dia de Ação Global (2008) refletem mudanças do processo

O FSM de 2005 foi o último encontro com periodicidade anual do FSM, o próximo voltaria a ser em 2007 em Nairóbi e o mais recente em 2009, em Belém. O estabelecimento de um intervalo de dois anos entre um encontro e outro é produto de uma grande discussão no interior do CI. Durante o encontro do CI de Passignano na Itália em abril de 2004, o COB apresentou uma proposta de que os encontros mundiais centralizados não deveriam mais ocorrer anualmente e sim de dois em dois anos. Esta posição foi apoiada por movimentos sociais proeminentes e pela Via Campesina, uma das mais influentes redes internacionais de movimentos sociais do processo FSM, que chegaram a propor o encontro de três em três anos. O argumento principal de quem defendia o espaçamento temporal entre os encontros era que a preparação para cada encontro anual demandava muita energia de cada organização, além de

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No artigo: O melhor e o mais político dos Fóruns -

recursos humanos e materiais que poderiam ser empregados em lutas e iniciativas locais em curso.

O debate sobre a periodicidade foi resultado de um intenso debate interno que está na essência do FSM que é o do seu significado e sentido para o movimento contra-hegemônico global. Durante os debates sobre a periodicidade, vários movimentos apontaram para que nos intervalos entre um encontro mundial e outro, ou seja, nos anos em que não houvesse evento centralizado do FSM fossem realizados outros tipos de eventos e protestos contra o FME. No encontro do CI de Parma (2004), ficou decidida a nova periodicidade e o destino do FSM 2007: algum lugar da África. Nada foi decidido sobre o que ocorreria em 2006, criando grande expectativa quanto à reunião do CI que sucedeu o FSM de 2005 em Porto Alegre. Esta foi a primeira grande crise de perspectiva do processo FSM. Na reunião do CI de 24 e 25 de janeiro de 2005 em Porto Alegre, decidiu por um FSM “descentralizado” em 2006. A definição de que este formato descentralizado seria ao mesmo tempo “policêntrico” veio na reunião do CI de Utretch em abril de 2005. Deste modo, algum país das Américas, da África e da Ásia deveria sediar um dos encontros do FSM Policêntrico de 2006. No encontro de Utretch, foram apresentadas as possibilidades da Venezuela realizar o encontro nas Américas, a Índia na Ásia, o Marrocos na África e a Grécia na Europa. Na reunião posterior do CI em junho de 2005 em Barcelona, de acordo com o desenvolvimento do processo em cada região ficou decidido que os encontros policêntricos se dariam nas mesmas datas de Davos na Venezuela (Caracas), no Mali (Bamako) e no Paquistão (Karachi).

Depois do FSM Policêntrico de 2006, ocorreu o FSM de Nairóbi em 2007 que discutiremos com mais atenção nos próximos capítulos. Após Nairóbi, o debate se concentrou sobre o que ocorreria em 2008, no intervalo entre um encontro mundial e outro. Na reunião do CI de março de 2006 em Nairóbi, a preocupação era fazer com que 2008 ajudasse na consolidação de fóruns mundiais e regionais, com a realização de uma grande mobilização mundial e incremento da criatividade no enfrentamento da globalização hegemônica. Na reunião seguinte, de Parma (Itália) em outubro de 2006, ficou decidido que Nairóbi 2007 seria o ponto de partida de um intenso processo de mobilização que culminaria em janeiro de 2008 na mesma data do FME em Davos. Em janeiro de 2007, após o FSM de Nairóbi, a reunião do CI aprovou sobre 2008:

O processo do FSM se caracterizará em 2008 por um conjunto de atividades simultâneas levadas a cabo regionalmente e/ou localmente em todo o mundo e em um dia comum de impacto global e de visibilidade reforçada por meio

de uma estratégia e ferramentas comuns de comunicação (Relatório da Reunião do CI – Nairóbi, 26 e 27 de janeiro de 2007).

De acordo com a determinação do CI de Parma os encontros passariam a ser de dois em dois anos, já havendo sido decidido, portanto que em 2008, o principal momento do FSM seria um Dia Global de Mobilizações, caracterizado por atividades simultâneas organizadas regional ou localmente em todo o mundo. O formato específico e o slogan de cada atividade seriam decididos por seus organizadores, desde que compartilhassem de um mesmo dia para realizá-las, novamente nos mesmos dias do encontro do FME em Davos, gerando um impacto global e visibilidade reforçada por estratégias e ferramentas de comunicação comuns. As atividades deveriam ampliar e aprofundar o processo FSM. Na verdade, as mobilizações de 2008 não conseguiram ter o impacto desejado62, apesar de leituras contrárias, fazendo com que todas as atenções se voltassem para a construção do FSM de 2009 que deveria proporcionar o retorno do FSM às manchetes internacionais e locais e apagar a impressão de que o processo havia caído em decadência.

3.2.5 2004 a 2009: Mumbai, Nairóbi e Belém

Os encontros mundiais do FSM de Mumbai (2004), Nairóbi (2007) e Belém (2009) não serão apresentados nesta seção, pois são objetos de análise do presente estudo e tem dois capítulos dedicados à sua análise em conformidade com os objetivos desta pesquisa. A intenção, como exposta, é a de compreender, através da análise de Mumbai, Nairóbi e Belém, os mecanismos com que se tece a agenda contra-hegemônica global, a forma de organização e articulação da SCG através do FSM e a dinâmica de interação entre iniciativas locais e globais contra-hegemônicas no cenário de disputa hegemônica mundial.