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5.2 Desvelando os efeitos argumentativos presentes nos artigos científicos

5.2.1 Estilo direto

5.2.1.1 Estilo direto introduzido por verbo dicendi modalizador ou por termo equivalente

O estilo direto, no corpus analisado, é utilizado para apresentar a voz de outros locutores (L2, L3, L4...). Em alguns casos, é introduzido por verbo dicendi modalizador ou equivalente. Esses fenômenos acontecem nos artigos científicos analisados, conforme se pode perceber nos trechos seguintes.

CSCA4T11

Embacher (1999: 23) propõe que “não há nada que esteja acontecendo no mundo hoje que não possa influenciar a maneira de vestir das pessoas”. Essa proposição assinala a estreita relação entre o vestuário e as condições de vida dos seres humanos. Pois, considera o modo de vestir como expressão das condições em que a vida humana está ocorrendo, seja com relação aos aspectos naturais ou culturais, objetivos ou subjetivos. (SOUZA; GOMES; CAMPOS, 2013)

Em CSCA4T11, extraído de um artigo da área de Comunicação sobre o sistema cultural da moda, podemos perceber a presença de dois locutores distintos: o locutor responsável pelo

artigo (L1), constituído por Souza, Gomes e Campos; e um segundo locutor (L2), Embacher, responsável pelo trecho relatado em estilo direto.

É possível perceber um desdobramento de locutores por meio dos enunciados apresentados. Assim, L1 é responsável por todo o enunciado: Embacher (1999:23) propõe que “não há nada que esteja acontecendo no mundo hoje que não possa influenciar a maneira de vestir das pessoas”. Já L2, Embacher, é o responsável pelo trecho que se encontra entre as aspas e marcado pelo estilo direto: “não há nada que esteja acontecendo no mundo hoje que não possa influenciar a maneira de vestir das pessoas”.

Observamos, nesse recorte, que L1 apresenta L2 em forma de arrazoado por autoridade. A voz de Embacher, L2, foi trazida por L1 para o seu discurso para se fundamentar cientificamente. Assim, o ponto de vista de L1 apresentado através das palavras de L2 (“não há nada que esteja acontecendo no mundo hoje que não possa influenciar a maneira de vestir das pessoas”) é confirmado posteriormente na continuidade discursiva, ou seja, na continuação do discurso: Essa proposição assinala a estreita relação entre o vestuário e as condições de vida dos seres humanos. Pois, considera o modo de vestir como expressão das condições em que a vida humana está ocorrendo, seja com relação aos aspectos naturais ou culturais, objetivos ou subjetivos. Através da continuidade discursiva, é possível perceber que L1 faz um acordo explícito com a voz da autoridade, assimilando, assim, o posicionamento de L2.

Notamos, por meio do verbo dicendi “propõe”, que L1 apresenta o conteúdo de L2 como uma proposta, algo quase certo, quase verdadeiro, o que permite ao leitor compreender o discurso de L2 como uma possibilidade, ou seja, como uma sugestão. Mesmo L1 fazendo uso de verbo dicendi modalizador epistêmico quase asseverativo para introduzir a voz alheia, esse fenômeno não elimina o comprometimento de L1 com L2, gerado pelo arrazoado por autoridade.

O exemplo seguinte também esboça a ocorrência de estilo direto introduzido por verbo dicendi modalizador.

CSCA4T22

Lipovetsky (2007: 37) pondera que “se é verdade que as modificações da cultura e do espírito do tempo estão na base das variações de moda, não podem jamais por si só explicar o Novo de moda, seu aleatório irredutível, suas inúmeras metamorfoses sem razão nem necessidade”. Assim, o conceito de “espírito do tempo” é insuficiente para explicar a motivação pelo “novo”, que é marcante no sistema da moda. (SOUZA; GOMES; CAMPOS, 2013)

Em CSCA4T22, temos mais um trecho retirado de um artigo da área de Comunicação sobre o sistema cultural da moda. Nele percebemos a presença de dois locutores distintos: o

locutor responsável pelo artigo (L1), constituído por Souza, Gomes e Campos; e um segundo locutor (L2), filósofo e teórico da hipermodernidade, Lipovetsky, responsável pelo trecho relatado em estilo direto.

Nesse recorte, o L1 é o responsável por todo o enunciado Lipovetsky (2007: 37) pondera que “se é verdade que as modificações da cultura e do espírito do tempo estão na base das variações de moda, não podem jamais por si só explicar o Novo de moda, seu aleatório irredutível, suas inúmeras metamorfoses sem razão nem necessidade” e o L2, uma autoridade constituída no assunto, é o responsável pelo enunciado entre aspas citado em estilo direto: “se é verdade que as modificações da cultura e do espírito do tempo estão na base das variações de moda, não podem jamais por si só explicar o Novo de moda, seu aleatório irredutível, suas inúmeras metamorfoses sem razão nem necessidade”. Nesse sentido, o L1 apresenta o discurso de L2 sob a forma de arrazoado por autoridade, como um posicionamento importante, de uma autoridade constituída no assunto, que lhe serve de argumento para validar o seu dizer.

O L1 introduz a voz do L2 através do verbo dicendi modalizador avaliativo “ponderar”, indicando que esse discurso deve ser lido pelo interlocutor como uma ponderação, ou seja, como uma avaliação, pois, quando alguém pondera, reflete, realiza um julgamento, faz uma avaliação.

Notamos que, ao fazer uso da modalidade avaliativa através do verbo “ponderar”, L1 permite ao leitor realizar a leitura do enunciado de L2 como uma avaliação. Dessa forma, L1 se engaja com o discurso alheio, de L2, da autoridade, posicionando-se e, ainda, indicando ao leitor que compreenda o discurso de L2 como uma ponderação.

A seguir, temos mais um exemplo de como esse fenômeno acontece. CHEA4T13

Em janeiro de 1800, foi capturado, pela segunda vez, um menino selvagem que fora avistado algumas vezes vagando pela floresta de Aveyron. Após alguns meses, o menino foi levado a Paris, onde foi examinado pelo reconhecido médico psiquiatra Phillippe Pinel. Este realizou um exame detalhado e atribui-lhe uma “idiotia”, pautado em uma análise eminentemente orgânica e em comparações entre o menino selvagem (que ainda não tinha nome) e crianças consideradas idiotas, internadas em hospícios. Interessante, notar a partir do diagnóstico de Pinel, a constatação dos estudiosos Canevaro e Gaudreau (1989, p. 32, tradução nossa): “[...] consiste essencialmente em uma lista de coisas que Victor não sabia fazer.” (HAAS; TEZZARI, 2014)

Em CHEA4T13, temos um fragmento retirado de um artigo da área de Educação acerca da didática nos processos inclusivos, o qual relata cenas de relatos médicos acerca da idiotia.

Nesse enunciado temos dois locutores diferentes: o locutor responsável pelo artigo (L1), constituído por Haas e Tezzari; e um segundo locutor (L2), Canevaro e Gaudreau, responsável pelo trecho relatado em estilo direto.

O L1 é o responsável por todo o enunciado: Interessante, notar a partir do diagnóstico de Pinel, a constatação dos estudiosos Canevaro e Gaudreau (1989, p. 32, tradução nossa): “[...] consiste essencialmente em uma lista de coisas que Victor não sabia fazer”. L2 (os estudiosos Canevaro e Gaudreau), por sua vez, é uma autoridade constituída no assunto e responsável pelo enunciado entre aspas, citado em estilo direto: “[...] consiste essencialmente em uma lista de coisas que Victor não sabia fazer”.

Neste recorte, o locutor responsável pelo artigo, L1, introduz a voz de um segundo locutor, L2, sob a forma de arrazoado por autoridade. O L2 constitui um arrazoado por autoridade porque se trata de autoridades reconhecidas socialmente no assunto, já que se refere à voz de estudiosos sobre os processos educativos inclusivos, temática do artigo em análise.

O locutor responsável pelo artigo, L1, apresenta a voz de outro locutor, L2, através do substantivo “constatação”, que é um termo modalizador equivalente ao verbo dicendi asseverativo “constatar”. Ao proferir, sob a forma de arrazoado por autoridade, que L2 faz uma “constatação” de algo, L1 exibe o discurso de L2 de uma maneira asseverativa, visto que “constatar” significa “comprovar, revelar”. Dessa forma, L1 opta por realizar uma escolha lexical que o possibilita tomar uma atitude perante o dito pela autoridade, ou seja, imprime na materialidade do enunciado a forma como deseja que a voz alheia seja lida: como uma constatação.

Assim, para avigorar o seu discurso em termos científicos, L1 apresenta a voz de L2 (estudiosos sobre o assunto), em estilo direto, ipsis litteris como foi dita. E mais: L1 delimita que a voz de L2 seja lida de uma maneira asseverativa, na configuração de “dizer + certeza”. Assim, a voz de Canevaro e Gaudreau, por se tratar de estudiosos do assunto do artigo, constitui-se em prova para o que assevera L1 no seu enunciado.

Logo, L1 estabelece uma postura de acordos com a voz de L2, assimilando, por conseguinte, o dizer da autoridade. Tal acordo se ratifica por ter sido esse o discurso usado por L1 como estratégia para dar sustentabilidade ao ponto de vista antes exposto no artigo: relato do diagnóstico de Pinel acerca da comparação da idiotia de Victor com outras crianças internadas em hospícios.

Casos como esses ocorrem com relativa frequência no corpus, conforme se pode observar nos extratos seguintes:

CEEA2T23

Como exemplo, seja o desvio padrão amostral comumente usado para estimar a variância real do processo no caso de observações individuais. Pode ser mostrado (Zhang, 1998) que a esperança matemática de é dada como em (3), isto é:

[ ] = � [ − ∑ − − �

= ] (3)

onde, � = � = � �� , + , denota a autocorrelação de ordem do processo.

(MINGOTI; YASSUKAWA, 2008) CSCA4T6

A associação com o vestuário é mais recorrente porque o corpo é a expressão mais evidente daquilo que é íntimo ao ser humano. Porém, os poderes da subjetividade sobre a matéria natural do corpo são limitados, apesar dos seres humanos terem desenvolvido um amplo repertório expressivo e comunicativo a partir do corpo. Pois, como propõe Gardin (2008: 75), “o corpo é considerado o primeiro veículo de comunicação e expressão utilizado pelo ser humano para a produção, reflexão e análise do conhecimento (...) diferentes culturas entenderam e utilizaram o corpo como meio de produção de linguagem”. (SOUZA; GOMES; CAMPOS, 2013)

CSCA4T21

Citando as ideias de Lênin (1870-1924), Baldini (2005: 88) assevera que os produtores da moda “podem permitir-se estar sempre um passo à frente das massas, nunca mais do que isso”. (SOUZA; GOMES; CAMPOS, 2013)

5.2.1.2 Estilo direto introduzido por verbo dicendi não modalizador ou por termo equivalente