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Existem outros elementos presentes na língua que atuam como modalizadores, entre eles os verbos dicendi, os quais foram investigados por Nascimento (2005). Para o autor, “um dos elementos linguísticos que podem assumir, discursivamente a função de modalizadores, são os verbos. De maneira especial, os verbos dicendi exercem essa função, em concomitância com a polifonia de locutores”(NASCIMENTO, 2009, p. 49, grifos do autor).

Os verbos dicendi ou verbos do dizer são aqueles usados, pelo locutor responsável pelo enunciado, para introduzir no discurso as vozes relatadas. De acordo com Neves, os verbos dicendi (de elocução) “[...] são os verbos de ação cujo complemento direto é o conteúdo do que se diz” (NEVES, 2000, p. 48, grifos da autora).

Ao estudar esses verbos, Travaglia argumenta que eles podem assumir diferentes funções no texto:

a) introduzir falas, permitindo que se descrevam entonações, tons, altura de voz etc., da fala, que não podem ser reproduzidos na língua escrita (sussurrar; silibar; gritar; pedir num gemido;chamar desesperado, feliz, ansioso, calmamente etc.); b) dizer o tipo de fala que se produz (perguntar, responder, redarguir etc.); c) instituir perspectivas em que se deve tomar a fala (segredar, instilar, acalmar etc.) (TRAVAGLIA, 2007, p. 154).

Assim, o uso dos verbos dicendi pelo locutor assume grande importância na organização do enunciado e na argumentatividade discursiva, uma vez que, além de introduzir falas, dizer o tipo de fala que se produz e indicar perspectivas em que se deve tomar a fala, pode ainda interferir na forma como o enunciado pode ser interpretado pelo interlocutor, pois, de acordo

com Manigueneau (1977, p. 88): “Em função do verbo escolhido [...], toda a interpretação da citação será afetada”.

Além de iniciar as discussões acerca dos verbos dicendi como elementos discursivos que podem assumir a função de modalizadores concomitantemente com a polifonia de locutores, Nascimento (2009) mostra que esses verbos assumem duas funções distintas: “[...] a primeira é apresentar o discurso de um segundo locutor (L2), a segunda é indicar como o locutor responsável pelo discurso (L1) quer que o discurso desse locutor seja lido” (p. 50).

Em razão disso, o autor classificou os verbos dicendi em não modalizadores (primeiro grupo) e modalizadores (segundo grupo). “Os verbos dicendi de primeiro grupo, não modalizadores, são aqueles que, por natureza, apresentam o discurso de um L2 (segundo locutor) sem deixar marcas ou avaliação do locutor que o apresenta (L1)” (NASCIMENTO, 2009, p. 54). Já os verbos dicendi de segundo grupo, modalizadores, são “[...] aqueles que além de apresentarem o discurso de um locutor (L2) assinalam uma avaliação, modalização, ou direção desse discurso pelo locutor que o apresenta (L1)” (NASCIMENTO, 2009, p. 55).

Vejamos os exemplos a seguir para melhor compreendermos: Exemplo 25:

O funcionário disse ao chefe: “Não entregarei os relatórios”.

Notamos, no exemplo 25, que L1, ao fazer uso do verbo dicendi “dizer” (verbo não modalizador) para apresentar o discurso de um segundo locutor (L2), apresenta também a ação verbal atingida pelo mesmo locutor que se refere a uma fala que pode relacionar pergunta e resposta. Observamos que, embora neste caso haja uma evidência de afastamento de L1 com relação ao discurso de L2, há também uma certa interpretação/orientação desse discurso, dizendo que L2 realizou uma ação de fala de pergunta/resposta.

Exemplo 26:

O funcionário contestou a ordem do chefe: “Não entregarei os relatórios”.

Percebemos, no exemplo supracitado, que L1, ao fazer uso do verbo contestar (verbo modalizador) oferta possibilidades de duas leituras a partir do verbo. A primeira seria que o funcionário disse “Não entregarei os relatórios”. A segunda seria que o funcionário, ao dizer

essa frase, realiza uma contestação: “Não entregarei os relatórios”. Ou seja, o funcionário realiza uma ação de demonstração de repulsa à ordem dada pelo chefe: “Não entregarei os relatórios”. Com isso, é possível perceber que a orientação ofertada por L1 ao discurso de L2 através do verbo dicendi “contestar” (verbo modalizador) é de uma contestação. É a presença desse verbo que marca linguisticamente a leitura do discurso do funcionário como uma contestação.

Como pudemos verificar nos dois exemplos supramencionados (exemplos 25 e 26) os verbos dicendi funcionam como demarcadores discursivos que indicam como o locutor responsável pelo enunciado (L1) orienta a leitura do discurso de um segundo locutor (L2).

Nascimento (2009) assinala ainda a existência de outros recursos linguísticos, como é o caso das nominalizações dos verbos dicendi, para que o locutor responsável pelo discurso (L1) possa introduzir outros locutores no seu discurso. Vejamos o exemplo para melhor entendimento:

Exemplo 27:

Foi esse o protesto do funcionário: “Não entregarei os relatórios”.

Nesse exemplo, fica evidente que o locutor responsável pelo enunciado, o chefe (L1), introduziu o discurso do segundo locutor, o funcionário (L2), não por um verbo modalizador, mas pela nominalização do verbo dicendi protestar (verbo dicendi modalizador, do segundo grupo) através do substantivo protesto. Logo, essa palavra, nominalização do verbo dicendi protestar, também funciona como modalizador do discurso de L2. Com a expressão substantiva, L1 apresenta o discurso de L2 como uma ação de protesto realizada pelo aluno.

Assim, é possível perceber que o substantivo protesto funciona como um termo de função equivalente ao verbo dicendi protestar. Os termos de funções equivalentes aos verbos dicendi são aqueles que exercem manobras discursivas semelhantes ao funcionamento desses verbos, qual seja: a introdução de um relato, ou seja, do discurso de um segundo ou terceiro locutor. Além das nominalizações, a exemplo do substantivo apresentado acima, outros elementos da língua também podem assumir a função de introdutores de relatos, semelhante aos verbos dicendi, tais como a preposição para, a conjunção segundo e o advérbio como.

Convém ainda ressaltar que Nascimento (2009) observou que os verbos dicendi modalizadores podem ser tanto de natureza epistêmica (que veiculam o grau de certeza do

enunciado) quanto avaliativa (que veiculam julgamento apreciativo, que não é de natureza deôntica nem epistêmica).

A seguir, no Capítulo IV, fazemos uma apresentação do gênero discursivo acadêmico em estudo, o artigo científico, a partir das colaborações de Bakhtin (2000). Convém ressaltar que, nesse gênero, investigaremos como a polifonia de locutores em conjunto com a modalização e com o uso das aspas de diferenciação atuam argumentativamente.

4 – O GÊNERO DISCURSIVO ACADÊMICO ARTIGO CIENTÍFICO

“Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua” (BAKHTIN).

Neste capítulo, temos como objetivo apresentar e caracterizar o gênero discursivo acadêmico artigo científico, objeto de estudo na nossa pesquisa, partindo das reflexões bakhtinianas. Para isso, inicialmente apresentamos uma breve discussão acerca da linguagem numa perspectiva de interação social, porque as ideias de Bakhtin podem servir de base metodológica para os trabalhos que consideram a concepção de gêneros como atividades de linguagem pautadas na interação verbal. Em seguida, refletimos sobre o que são gêneros discursivos e discorremos acerca da caracterização do artigo científico, considerando os critérios de Bakhtin, por ter sido um dos primeiros estudiosos a teorizar acerca dos gêneros do discurso e partir da concepção de língua em uso, numa perspectiva de interação social.