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Para compreendermos os Estudos sobre a Modalização, faz-se necessário entender o que é modalização/modalidade. Para tanto, buscamos as opiniões de vários estudiosos acerca dessa temática.

Iniciamos com as contribuições de Castilho e Castilho (1993, p. 217), os quais afirmam:

A Gramática Tradicional reconhece dois grandes componentes na sentença: o componente proposicional, constituído de sujeito + predicado (= dictum), e o componente modal, que é uma qualificação da forma de P, de acordo com o julgamento do falante (= modus). Esse julgamento se expressa de dois modos: 1) o falante apresenta o conteúdo proposicional numa forma assertiva (afirmativa ou negativa, interrogativa (polar ou não polar) e jussiva (imperativa ou optativa); 2) o falante expressa seu relacionamento com o conteúdo proposicional, avaliando seu teor de verdade ou expressando seu julgamento sobre a forma escolhida para a verbalização desse conteúdo.

Castilho e Castilho se referem à primeira forma de julgamento como modalidade e à segunda como modalização. No entanto, esses estudiosos fazem uso dos termos sinonimamente, declarando que há uma fragilidade na distinção entre eles, visto que sempre haverá por parte do falante uma ação de ajuizamento precedente do conteúdo da proposição. Para os autores:

Essa distinção é um pouco espiciosa, pois de qualquer forma há sempre uma avaliação do falante sobre o conteúdo da proposição que vai veicular, decorrendo daqui suas decisões sobre afirmar, negar, interrogar, ordenar, permitir, expressar a certeza ou a dúvida sobre esse conteúdo etc (CASTILHO e CASTILHO, 1993, p. 217).

Lyons (1997) faz notar que o termo “modalidade” tem aberto espaço para a compreensão de uma série de interpretações conflitantes, uma vez que tem havido uma aproximação dos termos “modo” e “modal” nos âmbitos da linguística e da lógica. De acordo com o estudioso, no campo etimológico dos termos “modo”, “modal” e “modalidade” há uma aproximação clara entre esses eles, muito embora o autor prefira resguardar o termo “modo” para o sentido que lhe é conferido pela Gramática Tradicional. Para Lyons (1997, p. 327), essa escolha se dá em virtude das referências às categorias gramaticais denominadas de indicativo, subjetivo e imperativo.

Koch (2000, p. 136), ao tratar da modalização, considera que, dentro de uma teoria da linguagem que leva em conta a enunciação, consideram-se modalizadores todos os elementos linguísticos diretamente ligados ao evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores das intenções, sentimentos e atitudes do locutor em relação ao seu discurso.

Acerca da ideia de modalidade, Cervoni (1989) indica que, em um enunciado, uma análise semântica possibilita distinguir um dito – compreendido como conteúdo proposicional – e uma modalidade – ponto de vista do falante a respeito deste conteúdo. Para o autor, a modalidade difere da conotação, uma vez que aquela é constitutiva do sentido do enunciado: “[...] a modalidade é constitutiva da significação fundamental, da denotação; ela não tem nada de acrescentado; a frase menos modalizada comporta uma modalidade mínima” (CERVONI, 1989, p. 53).

Os estudos acerca da modalidade, conforme Cervoni (1989), têm seus introitos no ramo da lógica, mais conhecido como lógica modal. Todavia, com o passar dos tempos, passou a ser do interesse dos linguistas, que ainda cultivam várias particularidades da significação de origem. Com o processo de evolução da linguística, muitos estudos e conceitos acerca do enunciado ganharam mais atenção, passando por procedimentos de enriquecimento, ampliação e diversificação, e a questão da modalidade teve seu espaço auferido no cerne dessas operações. Nos estudos linguísticos contemporâneos, a modalidade ganhou diversas classificações e abordagens. Para Neves (2010, p 151):

Os estudos sobre modalidade são de notável diversidade, de um lado porque varia a própria conceituação dessa categoria, de outro porque varia o campo de estudo, de outro, ainda, porque variam as orientações teóricas, e finalmente, porque se privilegia ora um ora outro tipo de modalidade.

As palavras da autora demonstram o caráter de dinamismo, amplitude e complexidade dos estudos da modalização na linguagem, posto que favorecem diversos enfoques, seja no âmbito conceitual e de perspectivas teóricas diferentes, seja no campo das classificações.

De acordo com Cervoni (1989), há diferenças entre o campo da modalidade linguística e da modalidade lógica, embora a primeira busque inspiração na segunda. Para o autor, a modalidade na perspectiva lógica é definida como “[...] uma determinação que concerne à verdade da proposição que ela afeta” (CERVONI, 1989, p. 61). Conforme o estudioso, as principais modalidades, do ponto de vista dos lógicos, estão relacionadas ao conteúdo de verdade das proposições através das “modalidades aléticas”, bem como aos modos como afetam as proposições que estão ligadas aos campos do “necessário” e do “possível”. Já a respeito de modalidade linguística, Cervoni chama atenção para que se considere um “núcleo duro” que se constitui por todas as expressões aléticas, deônticas e epistêmicas. Esse “núcleo duro” é constituído pelas modalidades proposicionais e pelos auxiliares de modo, considerado pelo autor como tipicamente modal em linguística. Convém acrescentar que, de acordo com Cervoni

(1989), para que a modalização ocorra, o elemento modalizador deve incindir sobre todo o conteúdo proposicional.

As modalidades proposicionais apresentam como características básicas serem externas à proposição que modalizam. Elas ocorrem tomando por base a forma canônica “(unipessoal) + é + Adjetivo + que + P Infinitivo”. O exemplo a seguir ilustra como pode acontecer essa modalidade proposicional:

Exemplo 12:

É obrigatório que entregue os relatórios semanalmente.

É possível perceber, no exemplo 12, que a modalidade expressa pela estrutura “É obrigatório que” advém sobre toda a extensão da proposição “entregue os relatórios semanalmente” como algo que deve acontecer.

Os auxiliares de modo são compostos por verbos como poder, querer, dever e saber. No exemplo a seguir, é possível perceber a atuação desses auxiliares de modo.

Exemplo 13:

Ele deve entregar os relatórios semanalmente.

É possível perceber, no exemplo 13, que a modalidade explicitada pelo verbo dever recai sobre todo o conteúdo proposicional: “Ele entregar os relatórios semanalmente”.

Para Cervoni (1989), os verbos poder e dever são considerados os mais incontestáveis, pelo caráter da polissemia que exprimem e pela utilização em contextos diversos. O exemplo 13 demonstra a indubitalidade gerada pelo verbo dever, de obrigatoriedade, como algo que necessariamente deve acontecer e incide sobre toda a extensão da proposição.

Já com relação ao verbo querer, Cervoni (1989) o considera como um verbo potencial, isso porque nem sempre pode ser considerado como modal. Em alguns casos, querer pode indicar apenas um desejo; em outras situações, pode assinalar obrigatoriedade. Os exemplos 14 e 15 ilustram como esse verbo pode atuar em diferentes configurações.

Exemplo 14:

Eu quero que entregue o relatório ainda hoje.

Exemplo 15:

Ele queria ser milionário.

O verbo querer, no exemplo 14, apresenta um valor de obrigatoriedade que incorre sobre a proposição, indicando que a conjetura do enunciado é um dever que necessariamente precisará acontecer. No exemplo 15, o verbo querer assume um valor semântico diferente do exemplo anteriormente citado, uma vez que aqui ele aparece com a configuração de um desejo, “[...] até mesmo um mero sonho do sujeito” (CERVONI, 1989, p. 65). É por essa razão que o autor prefere considerar o verbo querer como potencial, excluindo-o dos verbos tidos como modais, pois nem sempre ele apresenta um valor modal.

Além do tipo de modalidade do “núcleo duro”, Cervoni (1989) apresenta mais um grupo, o da “modalidade impura”, que se refere aos “[...] casos em que a modalidade é implícita ou mesclada num lexema, num mesmo morfema, numa mesma expressão, a outros elementos da significação” (CERVONI, 1989, p. 68). Nesse tipo de modalidade, estão inseridos alguns adjetivos avaliativos (útil, agradável, interessante, grave, dentre outros), os verbos dicendi e os modos verbais.

Em face ao exposto, Cervoni (1989, p. 75) considera ser modalidade “[...] o reflexo, na linguagem, do fato de que tudo o que o homem pode ser, sentir, pensar, dizer e fazer se insere numa perspectiva particular”.

Castilho e Castilho (1993) consideram que a modalização mobiliza recursos linguísticos diversos. Como exemplos, os autores ressaltam a prosódia, os modos verbais, os verbos auxiliares, os adjetivos, os advérbios, os sintagmas preposicionados com função adverbial etc.

Koch (2002, p. 85), ao tratar das modalidades, apresenta uma listagem dos tipos de lexicalização das modalidades.

QUADRO 5:TIPOS DE LEXICALIZAÇÃO DAS MODALIDADES

PERFORMATIVOS EXPLÍCITOS Eu ordeno, eu proíbo, eu permito etc. Auxiliares modais Poder, dever, querer, precisar etc.

Predicados cristalizados É certo, é preciso, é necessário etc.

Advérbios modalizadores Provavelmente, certamente, possivelmente etc.

Formas verbais perifrásticas Dever, poder, querer etc.

Modos e tempos verbais

Imperativo; certos empregos de subjuntivo; uso do pretérito perfeito com valor de probabilidade, hipótese, noticia não confirmada; uso do imperfeito do indicativo com valor de irrealidade etc. Verbos de atitude proposicional Eu creio, eu sei, eu duvido etc.

Entonação Que permite, por exemplo, distinguir uma

ordem de um pedido, na linguagem oral. Operadores argumentativos Pouco, um pouco, apenas, mesmo etc. Fonte: Adaptado de Koch (2002, p. 85).

A listagem apresentada por Koch não esgota todos os elementos linguísticos com funções modalizadoras, pois os estudos acerca da modalização vêm apontando outros elementos com essas funções. Entre esses, podemos destacar o caso dos verbos dicendi modalizadores, investigados por Nascimento (2005), e o caso do sufixo -inho, pesquisado por Chaves (2007).