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3.2 Modalizadores: elementos materializadores da modalização

3.2.2 Modalização deôntica

O segundo tipo de modalização é designado de modalização deôntica, porque, geralmente, esse fenômeno discursivo tem sido empregado para ressaltar obrigatoriedade e, em determinados casos, consentimento.

Castilho e Castilho (1989) determinam que a modalização deôntica é marcada por modalizadores que indicam que o falante considera o conteúdo da proposição como algo que deve ou que precisa acontecer obrigatoriamente.

Já Cervoni (1989) aborda a modalização deôntica apresentando-a em quatro linhas, quais sejam: da obrigatoriedade, da permissão, da proibição e da facultatividade. Embora o autor não as diferencie nem as exemplifique, mostra-nos a possibilidade de perceber que a modalização deôntica não fica restrita à obrigatoriedade, descortinando-nos passagens para outras percepções, como fizeram Nascimento e Silva (2012, p. 84), que consideram que “[...] a modalização deôntica é aquela que expressa obrigatoriedade, permissão, proibição ou desejo [...]”.

Por concordarmos com Nascimento e Silva (2012), adotamos a classificação por eles proporcionada, que permite a compreensão da modalização deôntica em quatro eixos, a saber: de obrigatoriedade, de proibição, de possibilidade e volitiva.

A modalização deôntica de obrigatoriedade acontece “[...] quando expressa que o conteúdo do enunciado é algo que deve ocorrer obrigatoriamente, e que o provável interlocutor deve obedecer a esse conteúdo” (NASCIMENTO; SILVA, 2012, p. 84). O conteúdo materializado no enunciado aparece como algo que deve acontecer necessariamente, pois se trata de uma obrigação. Assim sendo, o interlocutor deve obedecer ao que é determinado pelo conteúdo da proposição, uma vez que não se trata de uma sugestão, e sim de uma obrigatoriedade, uma instrução a ser seguida.

Exemplo 19:

É obrigatório que vocês entreguem o relatório na data definida.

No enunciado 19, o falante revela a obrigatoriedade da entrega do relatório, que incide sobre o interlocutor. Essa obrigação é revelada pelo uso da expressão é obrigatório, que funciona como um modalizador deôntico de obrigatoriedade. Se pensarmos num contexto empresarial, com um gestor fazendo uso desse enunciado para o seu grupo de trabalho, a opção

que existe para o grupo é a de obedecer à ordem oferecida. Esse tipo de modalização prende o interlocutor à alternativa indicada pelo falante, já que se trata de uma obrigatoriedade, e o que é obrigatório deve ser seguido.

O segundo eixo da modalização deôntica é definido como deôntica de proibição, que acontece sempre que o conteúdo do enunciado traz à tona situações de impedimento. Nesses casos, o conteúdo da proposição deve ser seguido pelo interlocutor.

Exemplo 20:

Você não pode dirigir nessa área.

No exemplo 20, o locutor responsável pelo enunciado expressa uma proibição. Nesse contexto, o uso da expressão não pode, modalização deôntica de proibição, indica um impedimento, uma situação proibida. No cerne da proibição, é possível perceber o caráter de obrigatoriedade, algo como: é obrigatório que você não dirija nesse setor.

Já o terceiro eixo da modalização deôntica se refere à deôntica de possibilidade ou permissão. Essa estratégia de modalização recebe esse nome porque se trata de uma situação discursiva em que o falante expressa uma proposição facultativa, que permite ao interlocutor o arbítrio de adotá-la ou não. Para Nascimento e Silva (2012, p. 85), essa modalização acontece “[...] quando expressa que o conteúdo da proposição é algo facultativo e/ou quando o interlocutor tem a permissão para exercê-lo ou adotá-lo”.

Exemplo 21:

Você pode acessar essa conta.

O conteúdo do exemplo 21 revela que o locutor responsável pelo enunciado oferece uma permissão para que o enunciado aconteça. O que está expresso no enunciado não constitui garantia para que a proposição ocorra, ficando a cargo do interlocutor a possibilidade de acessar ou não a conta. Notamos que o falante não expressa uma ordem, nem uma obrigação, mas sim uma permissão para o acesso da conta. Ressalvamos que a modalidade é evidenciada através do verbo poder que indica uma permissão para o interlocutor. Esse consentimento que é ofertado pelo falante atribui direito ou poder ao interlocutor de escolher o que fazer. O

cumprimento ou não da sugestão fica por conta do interlocutor, sendo-lhe facultativa a opção. Não fica impresso no enunciado nem a obrigatoriedade nem a proibição, e sim uma possibilidade que pode ou não ser acatada pelo interlocutor.

A modalização deôntica volitiva acontece quando a modalização discursiva pode promulgar tanto o desejo quanto a vontade do locutor de que o interlocutor realize algo. Para Nascimento e Silva (2012, p. 16), “além de deixar materializada, no enunciado, a vontade do falante, a modalização deôntica volitiva pode funcionar como uma estratégia argumentativo- pragmática através da qual um locutor pode pedir ou solicitar a seu interlocutor que realize algo que deseja”.

Em pesquisa realizada acerca da argumentatividade presente nos requerimentos, Lima (2014) constatou que a modalização volitiva é um fenômeno comum a todos os requerimentos investigados. O autor acredita que “ [...] pelo fato de o requerimento ser utilizado para fazer uma solicitação, os aspectos volitivos ocorrerão naturalmente, visto que a solicitação e o desejo de ser atendido estão interligados” (LIMA, 2014, p. 13).

Exemplo 22:

Eu gostaria que Ana fizesse a apresentação dos relatórios.

No exemplo 22, ao empregar o uso da expressão eu gostaria que, modalizador deôntico volitivo, o locutor responsável pelo enunciado apresenta o conteúdo “Ana fizesse a apresentação dos relatórios” como uma vontade ou desejo. Essa modalização, por apresentar o conteúdo do enunciado como um propósito do falante que anuncia uma deliberação, pode atenuar o discurso, de maneira que “[...] pode funcionar como uma estratégia argumentativa bastante eficaz, já que preserva tanto a face do locutor como a do interlocutor [...]”.

Em face ao exposto, foi possível notar que a modalização deôntica exerce um vasto leque de efeitos de sentido, os quais são materializados nos enunciados e imprimem orientações argumentativas, no sentido de indicar como o locutor deseja que o seu interlocutor compreenda o discurso. Nesse sentido, constituem estratégias semântico-argumentativas e pragmáticas, como afirma Nascimento (2010), ofertando possibilidades aos estudiosos da linguagem de compreender, analisar e observar como os discursos estão repletos de efeitos de sentido, de expressões de subjetividade.