• Nenhum resultado encontrado

5 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DOS JORNAIS E DA LEGISLATURA

6.2 Estratégias metodológicas

A estratégia metodológica adotada pela dissertação é a Análise de Conteúdo. Esta metodologia trabalha com a “materialidade linguística através das condições empíricas do texto, estabelecendo categorias para sua interpretação” (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 683-684). A ideia, de acordo com as autoras, é compreender o pensamento do sujeito através do conteúdo expresso no texto. A técnica possibilita a produção de inferências a partir de um texto para o seu contexto social (BAUER, 2000).

De origem positivista e utilizada frequentemente em estudos quantitativos (FONSECA JÚNIOR, 2010), a análise de conteúdo teve seu caráter alterado com o desenvolvimento das pesquisas que a adotam como metodologia. Atualmente, ela é considerada uma técnica híbrida, construindo “uma ponte entre um formalismo estatístico e a análise qualitativa dos materiais” (BAUER, 2000, p. 190).

Chizzotti (1998, p. 98) argumenta que “O objetivo da análise de conteúdo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas”. Nesta linha, Cavalcante et al. (2014, p. 14) afirmam que a análise de conteúdo se realiza “por procedimentos sistemáticos que proporcionam o levantamento de indicadores (quantitativos ou não) permitindo a realização de inferência de conhecimentos”. Por mais que analise o material a partir de variáveis estabelecidas previamente, a técnica não é objetiva ou isenta da interferência do pesquisador, porque a interpretação dos resultados é algo que depende dele e de suas inclinações teóricas, assim como uma alteração na pergunta de pesquisa poderia gerar resultados diferentes em relação ao mesmo corpus.

Em seu artigo, Cavalcante et al. (2014, p. 14) exemplificam diversas técnicas existentes utilizadas para aplicar a análise de conteúdo. A depender da pergunta de pesquisa, os procedimentos podem ser alterados para melhor atender às necessidades do estudo. “(...) a escolha da técnica deve estar atrelada ao tipo de pergunta elaborada, ao tipo de conhecimento que se deseja produzir frente ao objeto estudado e, fundamentalmente, necessita de sistematização”.

Esta dissertação adota a análise de conteúdo de maneira semelhante àquela proposta por Bauer (2000), enxergando-a como um primeiro passo na ordenação e caracterização dos materiais, em um esforço de pesquisa que se mostra maior que isso. O trabalho reconhece e cumpre as etapas estabelecidas para a análise de conteúdo – pré-análise, exploração do material e interpretação (BARDIN, 1977) –, mas procura ir além delas para responder às questões de pesquisa. A análise de conteúdo tem, nesta dissertação, função de subsidiar a análise que será desenvolvida. A ideia é conceber as estratégias metodológicas de maneira que elas estejam conectadas aos objetivos e às questões que norteiam a pesquisa, ciente de que técnicas diferentes poderiam não levar aos mesmos resultados106 (CAVALCANTE et al, 2014).

Com base na discussão teórica desenvolvida nos capítulos anteriores, bem como nas perguntas de pesquisa que norteiam a investigação, a análise dos editoriais da FSP e de OESP será dividida em três momentos, a saber: a) análise do agendamento dos temas; b) mapeamento das instituições e personagens mencionados pelos editoriais; c) identificação e análise dos enquadramentos presentes na cobertura. Apesar de a investigação ser realizada em três etapas distintas, os passos estão associados entre si.

106 Reconhecer as especificidades da análise qualitativa não significa abrir mão do rigor no tratamento dos dados ou

permitir que juízos de valor da pesquisadora enviesem os resultados do trabalho, pelo contrário. Em concordância com o argumento de Cano (2012), reconhece-se que o cuidado com o rigor é primordial às pesquisas qualitativas, a fim de garantir a validade das conclusões apresentadas.

a) Análise do agendamento dos temas

No primeiro deles, serão mapeados os temas dos quais tratam os editoriais analisados. A ideia é descobrir quais assuntos estão sendo agendados por tais peças. Neste primeiro momento, o foco ainda não é na abordagem dos assuntos e na caracterização do Congresso Nacional, mas no agendamento dos temas feito pelos periódicos. Perceber os temas abordados pelos jornais em seus editoriais permite saber quais são os assuntos considerados prioritários pelas publicações.

A análise do agendamento dos assuntos debatidos se dará em dois momentos. No primeiro, identifica-se o tema geral abordado pelo editorial. Inspirado na divisão proposta por mim e por Marques (MONT’ALVERNE; MARQUES, 2013, p. 98-99)107 em outra pesquisa, os textos serão enquadrados em quatro categorias principais, a saber. Também contribuiu para a definição destas categorias a constatação de Espinosa (2002), de que os editoriais podem ser classificados, de maneira geral, em textos de caráter econômico, político ou social.

1) Política: “textos que façam menção ao jogo político; às disputas partidárias; às relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário; a escândalos de corrupção e investigações de atos ilícitos por parte de agentes do campo político; a Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs)”.

2) Economia: “textos referentes a assuntos econômicos internos e externos”; à situação econômica do Brasil; às medidas adotadas – ou que os periódicos sugerem que devem ser adotadas – pelos governantes e pelos congressistas; à gestão de empresas estatais. 3) Questões Sociais: “textos que tratem de assuntos diretamente ligados à dinâmica

social, como aprovação de novas leis regulando relações de trabalho; greves e manifestações da esfera civil”; acesso e qualidade de serviços públicos.

4) Outros: editoriais que não se enquadrem nas categorias acima ou não tenham uma categorização específica.

Após codificar os editoriais nas categorias principais, será identificado o assunto específico do qual o texto trata. Por exemplo: sobre negociações entre o governo e a base aliada ou sobre a necessidade de alterações em leis específicas. Como o editorial é um gênero cuja própria literatura identifica que os textos não costumam abordar mais de um assunto (BELTRÃO, 1980), a pré-análise do material será suficiente para a categorização dos temas discutidos.

Para estabelecer as temáticas nas quais os temas serão abrigados, será utilizada também a ferramenta destinada a mapear a frequência com que os termos aparecem nos textos, oferecida

107 Embora aproveite parte significativa da categorização proposta pelos autores, são feitas adaptações a elas, devido

pelo software NVivo108. A recorrência de certas palavras, junto à análise qualitativa do corpus, permite identificar os temas abordados pelos editoriais. O mapeamento dos temas agendados será feito com auxílio do Excel, a fim de organizar os dados de forma mais clara que a oferecida pelo NVivo para esta situação.

b) Mapeamento das instituições e das personagens mencionadas pelos editoriais

Em um segundo momento, serão mapeados as personagens e instituições mencionadas pelos editoriais analisados. Será quantificada apenas a quantidade de textos nos quais os agentes e instituições são mencionados, não importando quantas vezes eles foram citados pelo mesmo editorial. O procedimento busca evitar distorções na representação de alguns personagens ou instituições que possam ter sido citados repetidamente em alguns textos específicos, mas detém pouca visibilidade quando considerada a cobertura de maneira geral.

O intuito do mapeamento passa pela preocupação de compreender o processo de produção jornalístico. Identificar as personagens e instituições citadas em um texto institucional de quality papers permite compreender, em parte, a quem estes periódicos dirigem-se. Além disso, torna possível esclarecer relações entre o cargo ocupado pelo agente político e o grau de visibilidade do qual ele dispõe. Diversos estudos (COOK, 2005; GOMES, 2008; KAPLAN, 2012; MIOLA, 2012; SELLERS, 2010) indicam que os agentes políticos ocupando cargos de maior hierarquia tendem a ser mais procurados pelos media. Este mapeamento busca compreender se acontece o mesmo nos editoriais.

c) Identificação e análise dos enquadramentos presentes na cobertura

O terceiro momento consiste na identificação dos enquadramentos presentes nos textos. Conforme discutido anteriormente, a conceituação de framing e sua aplicação metodológica são controversas, com diversas utilizações a partir da vertente teórica da qual se fala. Além disso, grande parte dos trabalhos que utilizam enquadramento como metodologia não são transparentes o suficiente para que se observe a confiabilidade das estratégias adotadas.

Este cenário dificulta o desenvolvimento de estratégias metodológicas utilizando-se do conceito de framing, pois torna-se complicado para os pesquisadores reproduzirem ou aprimorarem as técnicas utilizadas pelos outros quando não têm acesso ao processo por completo. Procurando escapar destes problemas – ou, pelo menos, minimizá-los –, esta

108 O NVivo é um software de análise de conteúdo qualitativa, permitindo a análise de grandes quantidades de texto,

com a criação de categorias e codificação deles. Diversas metodologias, a exemplo da Análise de Conteúdo ou de Discurso, podem ser implementadas com o NVivo, que também permite mapear termos mais frequentes em determinado texto ou examinar as relações entre os dados.

dissertação baseia-se nas estratégias apresentadas por Matthes e Kohring (2008) e adaptadas por Vimieiro (2008) para desenvolver uma proposta metodológica que sustente a análise dos editoriais a compor o corpus. Ressalte-se que a estratégia apresentada não é exatamente igual à dos autores mencionados, por lidar com gêneros jornalísticos e temáticas diferenciadas, além de as questões de pesquisa serem distintas109.

Apesar disso, considera-se que a análise dos enquadramentos pode oferecer uma forma relevante para aferir os resultados aos quais a pesquisa procura chegar, sendo os editoriais textos privilegiados para a tarefa. Neste sentido, Essary (2007, p. 513, tradução própria) defende que os editoriais são a forma ideal de comunicação para análise de enquadramento por dois motivos.

Primeiro, editoriais são feitos para serem peças de escrita assertivas, nas quais o objetivo do autor é assumido como persuadir os leitores. Como qualquer ator público, quem escreve um editorial precisa 'enquadrar' o assunto, citando evidências que a apoiem e fazendo o assunto relevante, a fim de apresentar um caso concreto para seu ponto de vista. Segundo, é razoável presumir que as pessoas que escrevem editoriais são estratégicas na sua escrita, o que ajuda a proteger contra leviandade, lapsos de escrita ou outras questões que podem causar incerteza sobre se o indivíduo realmente quis dizer aquilo.110

Devido às dificuldades de identificar o frame de cada texto, bem como aos riscos de que a classificação fique sujeita à subjetividade do pesquisador, a proposta é de encontrar os elementos que compõem o enquadramento e, a partir daí, agrupá-los de acordo com suas semelhanças e diferenças. O agrupamento destes elementos é o frame.

(...) nós entendemos frame como um certo padrão em um texto que é composto de vários elementos. Esses elementos não são palavras, mas componentes definidos anteriormente ou dispositivos de frames. Antes de codificar diretamente o frame completo, nós sugerimos dividir o frame em elementos separados, os quais podem facilmente ser codificados numa análise de conteúdo. Depois disso, uma análise dos agrupamentos destes elementos deve revelar o frame (Kohring & Matthes, 2002). Isto significa que quando alguns se agrupam sistematicamente de um modo específico, eles formam um padrão que pode ser identificado em vários textos de uma amostra. Nós chamamos estes padrões de frames.111 (MATTHES; KOHRING, 2008, p. 263, tradução própria)

109 Apesar de esta pesquisa optar por caminhos diferentes dos adotados por Miola (2012) e Lycarião (2014) em suas

teses, vale ressaltar a importância dos dois trabalhos para a composição das estratégias metodológicas desenhadas aqui.

110 Texto no original: “First, editorials are meant to be opinionated pieces of writing, where the author’s goal is

assumed to be to persuade readers. Like any public actor, one who writes an editorial must ‘frame’ the issue at hand, citing supporting evidence and making the issue relevant, in order to present a strong case for her point of view. Second, it is reasonable to assume that people who write editorials are strategic in their wording, which helps guard against flippancy, slips of the tongue, or other issues that may give cause for uncertainty about whether an individual actually meant what she said.”

111 Texto no original: “(...) we understand a frame as a certain pattern in a given text that is composed of several

elements. These elements are not words but previously defined components or devices of frames. Rather than directly coding the whole frame, we suggest splitting up the frame into its separate elements, which can quite easily be coded in a content analysis. After this, a cluster analysis of those elements should reveal the frame (Kohring & Matthes, 2002). That means when some elements group together systematically in a specific way, they form a pattern that can be identified across several texts in a sample. We call these patterns frames”

Para delimitar os elementos que compõem os frames, recorre-se ao conceito de enquadramento de Entman (1993, p. 52, grifo do autor, tradução própria). Para o pesquisador, “Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto, de modo a promover uma definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito”112. Assim, Matthes e Kohring (2008) identificam quatro elementos que compõem um frame: 1) a definição de um problema: consiste em uma questão ou atores relevantes que discutem o problema; 2) uma interpretação causal: a atribuição de falha ou sucesso concernente a resultados específicos; 3) uma avaliação moral: a avaliação pode ser positiva, negativa ou neutra e referir-se a diferentes objetos113; e 4) a recomendação de uma solução para o problema: uma chamada contra ou a favor de uma certa ação para resolver o problema.

A divisão dos enquadramentos entre os elementos que os compõem aumenta a confiabilidade da classificação, na medida em que “os frames não são identificados de antemão nem codificados em uma variável singular” (VIMIEIRO, 2008, p. 80, grifo da autora). Após a identificação dos elementos nos textos114, eles serão agrupados, procurando criar grupos com poucas diferenças entre si e com diferenças significativas para os outros (MATTHES; KOHRING, 2008).

Em princípio, a unidade de análise para esta pesquisa será o texto editorial completo. Considera-se proveitosa, porém, a estratégia desenvolvida por Miola (2012), de aplicar as variáveis analíticas de acordo com o que melhor evidencie sua delimitação. Embora a autora, em sua tese, esteja interessada nos argumentos dos textos analisados acredita-se que a estratégia mencionada também pode ser aplicada para a identificação dos elementos a compor os enquadramentos. Em alguns momentos, portanto, pode ser mais proveitoso analisar o editorial por completo, enquanto, em outros, a análise de seções do texto pode oferecer melhores resultados.

Pela quantidade de textos analisados e pela complexidade da análise que se propõe nesta dissertação, a codificação será feita com o auxílio do NVivo, software de análise de conteúdo, o

112 Texto no original: “To frame is to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in a

communicating text, in such a way as to promote a particular problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or treatment recommendation for the item described”.

113 Não se faz uma classificação de valência neste trabalho. Embora Matthes e Kohring mencionem que a avaliação

moral pode ser positiva, negativa ou neutra, interessa a esta dissertação a caracterização e argumentação desenvolvida pelos textos – e não classificar sua valência em relação aos agentes políticos.

114 Em alguns editoriais, porém, não foram encontrados os quatro elementos – em grande parte deles, faltava a

recomendação para a solução do problema. Apesar disso, a abundância dos outros elementos e a semelhança entre os textos permite a identificação dos frames.

que também torna a categorização mais confiável e menos sujeita a subjetividade da pesquisadora. Reconhece-se, porém, ser impossível oferecer uma análise completamente objetiva, inclusive porque o processo de codificação envolve escolhas que dependem do pesquisador. Para fins de ilustração, apresenta-se abaixo um print-screen de parte da análise no NVivo.

Imagem 1 – Print-screen do NVivo

Fonte: Banco de dados da autora (2016).

O NVivo será utilizado para mapear os agentes e instituições citados nos textos e para a identificação dos elementos dos frames. Com a ajuda do Excel, serão tabulados os elementos que compõem os frames, bem como será feito seu agrupamento. Grande parte dos elementos encontrados são trechos dos próprios editoriais, a fim de distorcer ao mínimo o conteúdo dos editoriais quando a análise foi realizada.

A definição da quantidade de enquadramentos depende dos elementos encontrados, bem como de uma análise da pesquisadora. Foram observados elementos do frame que se repetiam em textos diferentes ou eram semelhantes entre si. A partir destes agrupamentos, foram definidos os enquadramentos presentes em cada um dos jornais. Quando havia dúvida sobre em qual frame o texto deveria ser classificado, analisava-se a quantidade de elementos identificados que se assemelhassem a cada um dos enquadramentos, visando a definir qual era a classificação mais adequada, assim como também eram observados os temas gerais e específicos da peça. Cada editorial foi agrupado em apenas uma categoria. A seguir, apresenta-se um print-screen de parte da análise organizada no Excel.

Imagem 2 – Print-screen do Excel

Fonte: Banco de dados da autora (2016).

A fim de permitir que os dados sejam conferidos pelos leitores e proporcionar maior transparência à pesquisa, será disponibilizado o material codificado a todos que o solicitarem, de modo semelhante ao feito por Lycarião (2014) em sua tese. Além disso, o livro de códigos da pesquisa traz os elementos do frame identificados após a pré-análise do material, os temas gerais e específicos abordados pelos editoriais e as personagens e instituições citadas por eles e também está disponível sob solicitação.

Nos próximos tópicos, será apresentada a análise dos editoriais de OESP e de FSP. Os dados serão explorados separadamente, iniciando por OESP

Outline

Documentos relacionados