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A partir dos anos 1970, desenvolveu-se a compreensão de o Jornalismo como agente ativo na construção da realidade (CORREIA, 2011; GAMSON; MODGLIANI, 1989; PENA, 2012; TRAQUINA, 2005; TUCHMAN, 1972). Na contramão do mito do Jornalismo como responsável por refletir a realidade, o novo paradigma considera a importância da rotina e da busca por pôr ordem no espaço e no tempo para a construção dos produtos jornalísticos (SCHLESINGER, 1999; TRAQUINA, 2005).

O pressuposto básico das Teorias Construcionistas é, de acordo com Gadini (2007, p. 80- 81), de que “a notícia, à medida que 'presentifica' o acontecimento a que se remete, também o constrói e, assim, participa do processo de instituição da realidade social”. O Jornalismo confere sentido aos acontecimentos, na medida em que os apresenta dentro de uma esfera de contextualização e interpretação (ANDRADE; MARTINS, 2008).

As Teorias Construcionistas permitem superar limitações das teorias da ação política ou, algo típico no caso brasileiro, da “manipulação” midiática (ABRAMO, 2003). O paradigma do newsmaking preenche lacunas deixadas por tais abordagens.

Em primeiro lugar, ele enfatiza a organização do trabalho jornalístico e a cultura profissional dos jornalistas como fatores fundamentais a serem considerados na

análise da cobertura noticiosa. Em segundo lugar, ele não nega a influência de fatores extra-jornalísticos na cobertura noticiosa, mas busca entender o modo como ela pauta o processo de produção das notícias. Em terceiro lugar ele permite considerar a participação dos sujeitos descritos pela cobertura noticiosa em termos ativos – como fontes interessadas, cuja atuação influencia o conteúdo das notícias – e não apenas como objetos passivos dessa cobertura (ALBUQUERQUE, 1998, p. 25).

A concepção construcionista do Jornalismo é tributária da sociologia do conhecimento e da compreensão de que a própria realidade é construída socialmente (BERGER; LUCKMANN, 2013). O Jornalismo é, deste modo, mais um agente a incidir sobre a construção da realidade, com considerável influência, na medida em que dispõe de credibilidade para legitimar certas perspectivas e atores, bem como para pautar os temas dignos de atenção. “A informação jornalística institui, no processo de produção de sentido, um conhecimento que vai agregar, questionar ou negar a relação e comportamento que o usuário mantém no espaço coletivo das complexas sociedades contemporâneas” (GADINI, 2007, p. 80).

Negar a Teoria do Espelho implica a noção de que o conteúdo produzido pelo Jornalismo oferece uma versão da realidade (COSTA, 2009). Isto contradiz o discurso de legitimação da atividade, defensor de que o Jornalismo é responsável por revelar a verdade. “O jornalismo, principalmente aquele inserido na indústria da informação, estabelece a estrutura paradigmática do discurso verdadeiro, ao mesmo tempo em que funda sobre a deontologia da fidelidade aos fatos toda a sua legitimidade” (GOMES, 2009, p. 14).

A profissão já traz, deste modo, a ideia de que o jornalista seria apenas um observador da realidade responsável por reportá-la, sem interferir nela. Gamson et al. (1992, p. 382, tradução própria) afirmam que o processo de construção das notícias se mostra tão normal e natural que torna invisível a construção social da realidade. Para os autores, as construções sociais “aparecem como descrições transparentes da realidade, não como interpretações, e são aparentemente desprovidas de conteúdo político”21.

A Teoria Construcionista permite que se encare o material jornalístico como composto por narrativas, o que não significa que as notícias sejam falsas ou percam sua validade, nem mesmo retira a importância da atividade jornalística (TUCHMAN, 1999). Defender que a realidade não pode ser simplesmente apreendida e repassada ao texto jornalístico não implica dizer que os fatos abordados estão dissociados da realidade. Por mais que os relatos jornalísticos não possam ser completamente objetivos, eliminando totalmente a subjetividade do autor do texto, eles precisam manter-se fiéis aos fatos em alguma medida (GOMES, 2009).

21 Texto no original: “appear as transparent descriptions of reality, not as interpretations, and are apparently devoid

Ressalte-se, portanto, o cuidado para não cair em um relativismo total, no qual os fatos poderiam ser compreendidos de acordo com quem os observa, até mesmo sem manter vínculo algum com a realidade. No caso do Jornalismo, que tem a pretensão de relatar acontecimentos verdadeiros, isto se mostra especialmente pertinente, pois o produto jornalístico deve manter-se o mais fiel possível à realidade.

Para colocar ordem no caos e facilitar o trabalho do jornalista, é estabelecida uma rotina jornalística, cuja compreensão é crucial para as Teorias Construcionistas. Se cada história é uma coleção de fatos avaliada e estruturada pelos jornalistas (TUCHMAN, 1972), compreender o contexto no qual se dá a produção delas é essencial para explicar seu conteúdo.

Para além das escolhas feitas pelos jornalistas, as próprias rotinas têm incidência direta sobre o conteúdo dos periódicos. Mesmo que todas as regras sejam seguidas, a tendência é que o jornal ainda mantenha um viés. As regras e os procedimentos utilizados pelos jornalistas ao configurar o produto jornalístico não são neutros. Eles fazem com que os media legitimem socialmente determinados setores da sociedade, ao emprestar um caráter factual às suas interpretações (ALBUQUERQUE, 1998).

Uma das estratégias mais utilizadas para tentar resguardar o Jornalismo é a objetividade – e recebe considerável atenção pelas Teorias Construcionistas.

Objetividade para o jornalismo não é só a capacidade de permanecer impessoal diante de ações e decisões imediatas mas é também os métodos de trabalho, os procedimentos operativos, estratégicos, impessoais, ritualizados para minimizar as incertezas impostas pelos prazos de fechamento da edição, pelos acontecimentos imprevistos (PEDROSO, 2003, p. 4).

A preocupação com a objetividade por parte do Jornalismo, ao contrário do que possa parecer, não é uma negação da subjetividade, mas “uma série de procedimentos que os membros da comunidade interpretativa utilizam para assegurar uma credibilidade como parte não- interessada e se protegerem contra eventuais críticas ao seu trabalho” (TRAQUINA, 2005, p. 139). As cobranças por objetividade reconhecem, em certa medida, a inevitabilidade de a subjetividade dos jornalistas estar presente no texto.

No caso de textos opinativos, a exemplo do editorial, a publicação tem de assumir seu caráter de construtor da realidade, pois não pode justificar o conteúdo do material com estratégias como a objetividade (MONT’ALVERNE; MARQUES, 2015). Assim, na medida em que oferece uma alternativa de legitimação às empresas, a objetividade também as coloca em posições delicadas quando não pode ser utilizada como justificativa.

O próximo tópico dedica-se à discussão sobre agendamento e enquadramento, duas teorias que dificilmente podem ser ignoradas em pesquisas sobre Jornalismo, dada a utilidade de ambas em explicar os motivos para o conteúdo jornalístico ser conformado da forma que é.

3.2 O Jornalismo destaca quais temas e perspectivas merecem atenção: agendamento e

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