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Exemplo 3a: Critérios para a seleção de imigrantes no passado

No século vinte, a mesma tendência seletiva continuou, mesmo com a política de imigração sendo mais rígida devido a problemas de desemprego. O foco dos anos 1930 foi ainda mais criterioso, pois se buscava um imigrante ‘assimilável’, e, ao mesmo tempo, procurava-se proteger o trabalhador nacional. Todavia, existia a discriminação contra os imigrantes ‘não assimiláveis’, por exemplo, os japoneses, e também contra o trabalhador nacional considerado ‘caboclo’. A política dos anos 1930, de fato, adotou um teor mais severo, tendo uma preocupação já com a segurança nacional e o desemprego:

Uma das causas do desemprego se encontra na entrada desordenada de estrangeiros, que nem sempre trazem o concurso útil de quaisquer capacidades, mas freqüentementre contribuem para o aumento da desordem econômica e da insegurança social (Decreto n. 19842 de 12 de dezembro de 1930; in: Truzzi, 2003: 238).

O estrangeiro começou a ser visto como ameaça e, desse modo, as exigências pelo seu ingresso no país tornaram-se mais rigorosas e excludentes:

A nova legislação veio, porém, consagrar a preocupação com a criação de um forte e centralizado aparato legal manifestamente voltado para a seleção eugênica, moral e política dos imigrantes.

A necessidade econômica, isto é, de braços adestrados e disciplinados; A necessidade eugênica, isto é, de doses crescentes de sangue branco; A necessidade nacional, isto é, de construção de um povo nacionalmente unificado e integrado sob padrões culturais homogêneos (Vainer, op. cit.: 16).

...ficaram proibidos de imigrar os cegos, aleijados, portadores de doenças incuráveis ou contagiosas, bem como os portadores conduta manifestamente nociva à ordem pública ou à segurança nacional (Vainer, 2000:20).

No regime de Vargas, nos anos 1940, após a Segunda Guerra Mundial, a mesma rigidez e a tendência discriminatória prevalecem, como se nota no texto de um membro do Conselho de Imigração daquela época:

É ponto pacífico, hoje, entre nós que só nos convém a imigração branca. Não porque o Brasil seja racista. Mas porque, se quisermos fazer prosseguir o branqueamento, deveremos auxiliar esta tendência, abrindo nossas portas à imigração branca...Isso não quer dizer que proibamos a entrada de elementos de cor, isoladamente, mesmo em caráter permanente; significa apenas que desejamos ser brancos daqui a alguns séculos e continuaremos internamente nossa sábia política de miscigenação ampla (Neiva, apud Vainer, op.cit.,: 23).

Carneiro comenta, em seu estudo sobre a discriminação contra judeus na época de Vargas sobre sacrifício de indivíduos em relação aos interesses nacionais:

Os direitos individuais (humanos) sucumbiram frente aos interesses nacionais apresentados como prioritários. Quando isto acontece, estamos diante de um processo de aniquilação do indivíduo justificada em nome da segurança nacional e da pureza da raça (in: Boucault e Malatian, orgs. 2003: 262).

Cabe notar que hoje em dia a discriminação manifesta-se nas atitudes referentes a bolivianos em São Paulo, discriminados devido à cor da pele ou às roupas (da Silva, in: Boucault e Malatian, org., 2003); ou no tratamento de estudantes africanos, discriminados pela cor da pele ou pelas generalizações da imprensa sobre narcotraficantes africanos no Brasil (Kaly, in: CNPD, 2001).

Em 1969, foi editada uma lei especial que regulava a expulsão do estrangeiro que atentasse contra a segurança nacional (dos Santos, 1991: 6). Nos anos oitenta, foi elaborada a lei 8.615, também bastante rígida, com o propósito de frear a entrada de latino-americanos do Cone Sul devido a motivos políticos e econômicos da época. A severidade da lei provocou medo e insegurança entre os estrangeiros. Não obstante, ao mesmo tempo em que reduziu o tempo de estada de turistas, criou obstáculos a cientistas, e reforçou a proteção da mão-de-obra brasileira, mostrava interesse nos investidores estrangeiros. De qualquer modo, a lei causou preocupação no público e, portanto, “não foi aplicada com o rigor que seu texto permitiria” (dos Santos, 1991: 7). Como resultado, a lei sofreu alguns ajustes, por exemplo, a reintrodução do visto

temporário para ministros religiosos, e foi transformada na lei 6.815/80. Contudo, essa lei manteve o tom austero da original, e hoje em dia, à medida em que surgem novas demandas legislativas imigratórias, e, também, de acordo com os interesses econômicos e políticos do momento, resoluções e portarias são elaboradas pelos Conselho Nacional de Imigração, visando preencher as lacunas da lei; em outras palavras, os casos omissos (a ser discutido no Capítulo 4), sem necessariamente alterar o teor da lei original. De fato, as várias resoluções visam principalmente a investidores estrangeiros, à reunião familiar, transferência de tecnologia e questões de reciprocidade, como a aprovação de vistos permanentes para casais homossexuais (ver Anexo 5). Dessa forma, a lei parece punir os estrangeiros ‘comuns’ enquanto há mudanças para aqueles com alguma contribuição tecnológica ou econômica (a serem discutidos no Capítulo 4), porém, as dificuldades de grupos sem documentos continuam, um problema existente há anos, como se vê no comentário de dos Santos em 1991:

O brasileiro foi “protegido” apenas de alguns estrangeiros, justamente aqueles que, em sua grande parte, só podiam aspirar à obtenção de subempregos ou ao exercício de funções inteiramente diversas da colaboração que poderiam emprestar, não fosse a própria situação irregular e a exploração dela que se faz (op. cit.: 7).

Na realidade, o cerne da imigração brasileira nunca mudou da época do Império, conforme comenta Sant’Ana:

Esse ato inaugural da política imigratória comporta dois caracteres – a europeização e o conceito da contribuição econômica da imigração – que marcarão, com suas variantes, a conduta do Estado nesse campo, desde então até nossos dias (CNPD, 2001: 73-74).

Conforme Wodak e Meyer, o discurso se produz historicamente, o discurso se situa no tempo e no espaço, reforçado e legitimado pelas ideologias dos grupos dominantes (Wodak & Meyer, orgs. 2001: 3). Essa tendência é evidente nas atitudes de agentes policiais (ver Capítulo 4), assim como nas estatísticas e no relatório anual de imigração de 2005, sobre o ingresso legal de estrangeiros no país e as atividades do Conselho Nacional de Imigração. Veja, a seguir, as estatísticas de ingresso de estrangeiros por nacionalidade no país:

Quadro 3.1 Número de estrangeiros autorizados por país de origem