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Exemplo 4a1: investimentos, geração de empregos e discriminação Membro antigo do Conselho Nacional de Imigração

Mas viabilizar mais aquelas pessoas que vêm para abrir empresas de capital estrangeiro,

tá, não há absolutamente nenhum preconceito, não há nenhum problema ....sabe, agora, dentro das normas, a gente procura avaliar a empresa em todos os aspectos, quer

seja pelo valor que ela vem investir, pela mão-de-obra que ela vai, que ela vai atender

...hoje eu tenho certeza de que uma das críticas do governo é a preservação da mão-de-

obra brasileira, tanto que a própria resolução que acolhe o capital estrangeiro, ela beneficia

aquele que investe um pouco menos, mas que contrata mais do que aquele que investe bastante.

Representante da Polícia Federal: proteção do mercado de trabalho brasileiro Veja bem, como já apresentei anteriormente, Brasil tem também que se resguardar quanto aos interesses de seu povo, da da soberania, da proteção de seu mercado de trabalho, né, porque porque pessoas competentes, e o estrangeiro também é competente, não se discute isso, né, mas você tem que dar atenção, né, ao ao profissional brasileiro, .... deu-se uma enxugada porque passou-se a contemplar o estrangeiro que preencha certos requisitos né, ele tem a sua qualificação, que ele se enquadra dentro daquela escala de que, que o governo liberou de profissões, em que o Brasil está carente não é, então não havia possibilidade de se da pessoa dizer eu gostei do Brasil, eu quero ficar, ‘pera aí, vamos ver qual é a sua profissão, não é, qual é a sua atividade, tem alguém se interessando em te contratar? Essa firma é idônea? Essa firma pode dar um emprego a você e dar um emprego a um brasileiro ao mesmo tempo? Então a política é esta: não é dificultar ao estrangeiro, o estrangeiro que tem a sua qualificação, que tem a sua capacidade, ele vai ser muito bem aceito, né, e para ensinar aos brasileiros, né, então o governo atentou mais para este fato, que ah como você disse as acepções lá de visto trabalho, realmente termo observado é muito pesado, ele ele regulamenta, né com maior assim eh eh rigor para não prejudicar o profissional brasileiro, né?

Representante do Ministério do Trabalho

Atrair o imigrante capitalizado, capitalizado, outra coisa eh eh atrair imigrante qualificado, né, para ajudar na transferência de tecnologia, ou para manutenção, para desenvolvimento industrial, etc, etc, etc, neste aspecto também inserimos um elemento de política, foi priorizar, né a proteção de mão- de-obra nacional, foi priorizar a ocupação de postos de trabalho por brasileiros, ... mas nós temos, eh feito como eu disse, essa política de imigração voltada para atrair estrangeiros capitalizados, ou qualificados né, eh eh para gerar trabalho e emprego no Brasil, trabalho, emprego e renda, mas ao mesmo tempo que protegemos a mão-de-obra nacional.

A noção de conhecimentos ou valores comuns prevalece principalmente em relação à idéia de que o(a) imigrante representa uma ameaça à mão-de-obra local; essa mão-de- obra, na ótica do Estado, precisa ser sempre protegida. Ao mesmo tempo, o ingresso de imigrantes é condicionado ao seu conhecimento profissional ou à sua possibilidade de investir e de gerar empregos para brasileiros. Portanto, todos seguem a estratégia de perpetuar a idéia de que a mão-de-obra estrangeira descontrolada é uma ameaça ao país, mas, ao mesmo tempo, defendem a idéia de transformação: o país pode desenvolver mais mediante a imigração capitalizada ou especializada. Isso se nota na escolha de processos materiais: ‘viabilizar’, ‘atrair’, ‘priorizar’, ‘ajudar’, ‘resguardar’, ‘regulamentar’, ‘proteger’. Esses processos marcam dois tipos de pressupostos: um é negativo, no sentido de que o estrangeiro deve ser freado, e é uma ameaça ao país; o segundo pressuposto é positivo: o estrangeiro traz benefícios ao país e, no final das contas, o Estado zela pelos interesses do país. O poder é construído de forma positiva, pois o poder é ativo, ele age a favor do país. No mundo de hoje, a escolha desses processos não é aleatória, pois cada um possui um valor positivo (miranda): todos operam a favor de alguém, neste caso a favor do país e da hegemonia do Estado- nação, que tem um papel ativo nesses processos.

Existe também um uso marcado de nominalizações: ‘interesses de seu povo’, ‘soberania’, ‘proteção de seu mercado de trabalho’, ‘imigrante capitalizado’, ‘imigrante qualificado’, ‘transferência de tecnologia’, ‘desenvolvimento industrial’, ‘proteção de mão-de-obra brasileira’, ‘trabalho, emprego e renda’, ‘rigor’, ‘uma enxugada’. Estabelece então uma dicotomia entre a valorização de determinados grupos de estrangeiros e a imigração tida como ameaça ao país, até na metáfora de ‘enxugada’ parece que o estrangeiro é percebido como praga ou enchente. De fato, a metáfora aqui remete a um processo marcado como uma entidade ou uma generalização em que

Representante do Ministério da Justiça

Nós não podemos discriminar, você sabe, nós não podemos discriminar, é o óbvio que até na lei vigente nós temos as maiores benefícios para os povos de língua portuguesa porque nós fomos colonizados por Portugal, né? pretendemos criar maiores benefícios também para o bloco Mercosul, hoje nós temos já temos 10 países sentados na mesa, entre os Estados parte, e associados, e aqueles que estão tentando legalizar a papelada para ser associado, né mas sem discriminações.

a agência e a responsabilidade tornam-se vagas (Fairclough, 2003:133)90. Nota-se

uma tendência de dar preferência aos estrangeiros qualificados ou capitalizados, mediante a repetição; por exemplo, o representante do Ministério do Trabalho durante a sua fala repete várias vezes o foco da política de imigração: ‘trabalho, emprego, renda’: é como se esse conjunto fosse o logo tipo da imigração. (ver Quadro 4.1).

Ao mesmo tempo, parece que existe uma certa preocupação de não transmitir a idéia da política como sendo discriminatória, como se nota nas negações repetidas e nos contra-argumentos: ‘não há absolutamente nenhum preconceito’, ‘não há nenhum problema’, ‘nós não podemos discriminar, mas sem discriminações’. Essas negações sugerem pressupostos: será que houve acusações anteriores de discriminação? De certa forma, as negações constroem uma estratégia de desconstrução, em que a política discriminatória do passado é negada (ver Capítulo 3). A preocupação com o preconceito funciona em dois sentidos: não provocar resistência da parte dos povos brasileiros, e ao mesmo tempo, não transmitir uma noção de discriminação contra os(as) estrangeiros(as): ‘tem também que se resguardar quanto aos interesses de seu povo, você tem que dar atenção...ao profissional brasileiro’. A modalização de obrigatoriedade se percebe em ‘tem que’, que reforça o foco do Estado, é a obrigação do estado. Todos partem do princípio de que o(a) estrangeiro(a) é uma ameaça ao emprego do brasileiro, é por isso que existe um tom defensivo: ‘não há nenhum preconceito’, ‘nós não podemos discriminar’. O alvo da imigração na realidade é gerar ‘emprego, trabalho e renda’ para os brasileiros.

Ao mesmo tempo, é essencial notar que embora a pergunta aos representantes fosse voltada a considerar a política de imigração em relação ao futuro, as respostas não são idênticas, evidente especificamente na fala do representante do Ministério da Justiça em que se nota uma forte ênfase sobre a questão de discriminação; já o representante da Polícia Federal indica uma preocupação com as fronteiras, o uso da metáfora ‘enxugada’, já reflete uma visão disciplinar ou controladora da imigração91,

parte-se do pressuposto de que a imigração não está sendo muito bem controlada; contrasta de certa forma com os argumentos do membro do Conselho Nacional de Imigração e do representante do Ministério do Trabalho e Emprego em que o foco é econômico. Além disso, o uso da metáfora gramatical exime um grupo específico da responsabilidade, a ‘enxugada’ não remete a um agente determinado, dissimula a

90 Fairclough descreve a metáfora da seguinte maneira: Quando nós significamos por meio de uma metáfora e não de outra, estamos construindo nossa realidade de uma maneira e não de outra. As metáforas estruturam o modo como pensamos e o modo como agimos e nossos sistemas de conhecimento e crença, de uma forma penetrante e fundamental (2001: 241). 91 Essa visão mais controladora da imigração destaca-se também nos depoimentos de agentes policiais, como se pode notar na Seção 4.4.

agência do Estado, a restrição do fluxo de imigrantes e é tida como um processo natural.

Desse modo, mesmo na concessão de vistos para reunião familiar em que a base aparenta ser voltada a valores familiares, existe o interesse econômico (Exemplo 4a2 abaixo). Portanto, o valor nacional, um valor do Presidente da República não é de fato a vida em família, porém são também (além de tudo) os rendimentos. O valor de verdade destaca-se no uso do processo existencial, com o verbo ‘ser’ e o adjetivo superlativo: é o objetivo máximo. A referência ao Presidente da República e o seu interesse na família são usados como estratégia de dissimulação, quando o real interesse é econômico: são as relações coesivas como ‘também’, ‘então’ ou o advérbio ‘sempre’, junto com o processo futuro ‘vai ser’ que ancoram o interesse do Estado e que traem a fala dos representantes do Estado. Esses elementos operam ideologicamente, constroem o argumento do Estado, em que a questão econômica é principal: “Focalizar a política da verdade revela exatamente aquele aspecto do governo em que os discursos concorrentes lutam pela hegemonia --- para autorizar a sua versão da verdade como ‘O’ verdadeiro discurso no debate” (Chouliaraki, 2005: 49).

Exemplo 4a2: Representante do Ministério do Trabalho e Emprego, valores