• Nenhum resultado encontrado

Gêneros discursivos, participantes e contextos

Figura 1.2 O espaço temporal-histórico da imigração

Estratégias 18 conforme Wodak et al (1999: 33; 35-37)

1.1.3 Gêneros discursivos, participantes e contextos

Portanto, a imigração é um entrelaçamento de poder, agências e discursos ligados a gêneros discursivos, textos, participantes e contextos, conforme se pode perceber abaixo:

Gênero discursivo: o gênero se remete a formas de interação que constituem tipos de relações e práticas sociais, essa interação ocorre entre agentes sociais (atores/participantes) (Fairclough, 2003). O gênero discursivo determina e é determinado pela interação, determinada por

sua vez por práticas sociais e

as relações de poder (as hierarquias) entre os participantes. Desse modo, o gênero discursivo é vinculado às ordens de discurso, pois existe em cadeia ou em relação a outros gêneros discursivos: “tanto é que a relação de gêneros funciona como um dispositivo regulador para selecionar e privilegiar determinados discursos e excluir outros” (Fairclough, 2003: 35). Alguns gêneros discursivos são mais restritos e outros são mais delimitados conforme a rede de práticas sociais: as trocas de experiências entre imigrantes se limitam à associação de estrangeiros da qual fazem parte. Ao mesmo tempo, o discurso institucional-burocrático que se representa na forma de leis e que faz parte da esfera pública e que possui uma abrangência ampla afeta as experiências dos (as) imigrantes, impacta sobre os seus mundos. No caso desta pesquisa, há gêneros discursivos que caracterizam mais o mundo da imigração: o argumento, a narrativa, a entrevista. Os gêneros discursivos concretizam nos textos, no entanto, esses gêneros discursivos não ocorrem separadamente, misturam-se nos textos. Por exemplo, uma entrevista com um imigrante não é apenas um procedimento de pergunta e resposta, mas é uma narrativa porque, no caso desta pesquisa, o(a) imigrante conta a sua história de vida. Esta mistura pode ser mais explícita (intertextualidade), por exemplo, nas trocas de informações entre imigrantes; eles relatam as suas próprias experiências (ver Capítulo 5); ou pode ser implícita, embutida no texto (interdiscursividade). As leis e os próprios depoimentos dos representantes do Estado remetem à história da imigração, a pressupostos implícitos no sentido do texto, cuja interpretação depende do conhecimento e dos valores do interlocutor: “Os textos podem incluir a avaliação explícita, ...mas em muitos

casos a avaliação nos textos é presumida... Entende-se que a interpretação de textos com base em valores depende do conhecimento e do reconhecimento de tais sistemas de valores (Fairclough, op. cit.: 57).

Textos: fazem parte dos eventos sociais, são vinculados ao contexto social do momento, mas também são relacionados ao contexto histórico (Wodak et al, 1999), por exemplo, as leis de imigração devem ser consideradas à luz de processos históricos. Além disso, os textos reúnem os três aspectos fundamentais à análise de discurso crítica: os gêneros discursivos, os discursos e os participantes ou atores sociais. Dessa forma, o texto concretiza as três maneiras em que o discurso opera nas práticas sociais: ação, representação, e identificação (Fairclough, 2003: 206). A ação refere-se a maneiras de agir na vida social. O gênero discursivo determina essas maneiras no nível abstrato, mas é o texto que age. Por exemplo, as resoluções do Conselho de Imigração e as leis de imigração impactam ou agem sobre a vida de outros com menos poder. A representação refere-se a como o discurso no sentido abstrato representa-se nos discursos; em outras palavras, os discursos representam a vida social e os atores sociais. Por exemplo, nos depoimentos de agentes policiais, os (as) imigrantes são representados como pessoas de ‘baixa escolaridade’; nas leis de imigração, o estrangeiro é percebido como ‘ameaça’ à segurança nacional ou à mão-de-obra brasileira; nos depoimentos dos representantes do Estado, o(a) imigrante é representado como investidor, imigração inteligente, mão-de-obra altamente qualificada. Além disso, o Estado é representado como protetor dos interesses nacionais, defensor do mercado de trabalho local. A identificação refere-se a maneiras de ser – estilos, nesse sentido, o estilo dos representantes do Estado, é sempre de incorporar a voz do Estado, e de buscar a estetização da hegemonia do Estado. A sua maneira de ser é a maneira de ser do Estado, incorporaram os valores do Estado. Esses três eixos da Análise de Discurso Crítica podem ser associados aos três eixos de Foucault (controle, saber e disciplina). O controle e a disciplina podem ser vinculados à ação, pois é mediante a ação que se exerce o poder, se interage com os outros; o saber é ligado ao conhecimento e à representação, pois quem detém o poder e o conhecimento sabe como se representar e representar e/ou controlar os outros (o Conselho Nacional de Imigração elabora as resoluções de imigração). O vínculo entre a identificação e a ética já é diferente entre os(as) imigrantes que participam na página da Associação Nacional de Estrangeiros e Imigrantes (ANEIB), pois eles contam

as suas próprias experiências no intuito de ajudar e de identificar-se com os colegas estrangeiros. Não se trata de se identificar por motivos de construir uma boa impressão ou fortalecer o seu poder.

Participantes: referem-se aos participantes ou atores em processos sociais; há diferentes tipos de agentes: organizações, grupos, indivíduos (Fairclough, op. cit.: 75). Esses atores ou participantes são representados no discurso mediante os pronomes pessoais (‘eu’, ‘nós’, ‘eles’) ou por categorias ou referências coletivas (imigrantes ilegais, os bolivianos, os costureiros, mão-de-obra qualificada, o governo, o Estado). A representação de participantes ou atores é vinculada a questões de poder e de agência nas relações sociais, em outras palavras, os participantes como agentes nas relações sociais possuem vozes mais ativas ou passivas no discurso conforme a sua ‘hierarquia’ na interação. Por exemplo, na troca de e-mails entre estrangeiros, existe uma relação de solidariedade entre eles, existe uma proximidade entre eles, devido a experiências compartilhadas; ao mesmo tempo, nos depoimentos entre os representantes do Estado, as vozes de autoridade ou do Estado dominam, as vozes dos (as) imigrantes são distanciadas e estereotipadas.

Contextos: O contexto é uma noção bastante ampla, pois remete, de fato, a vários contextos. Em termos do gênero discursivo, refere-se à interação, ao histórico, ao momento atual, à esfera pública, à esfera semipública28, e aos

mundos dos (as) imigrantes. Da mesma forma, o contexto como meio social determina (e é determinado também pela linguagem) como a linguagem é usada, pois o contexto social é composto de participantes, a situação, a interação, as relações de poder entre os participantes, a idéia a ser transmitida. Desse modo, o contexto social é intrínseco ao discurso, faz parte do processo de significação: “...a linguagem constrói e é construída por e (no decorrer do tempo) reconstrói o contexto social” (Martin, in: Christie & Martin, orgs., 1998:4). Mesmo assim, considerando que as práticas sociais são redes inter- relacionadas, o contexto social não pode ser delimitado à situação ou a um momento específico, pois os contextos são interligados, de acordo com Meurer, existe a intercontextualidade:

A intercontextualidade é a condição em que dois ou mais contextos se interligam e interpenetram em uma determinada prática social. Na

28 A esfera semi-pública refere-se a um contexto público (Wodak et al. 1999), mas ao mesmo tempo restrito, específico a um determinado grupo; por exemplo, os (as) imigrantes associados à página da Associação Nacional de Estrangeiros e Imigrantes trocam experiências pessoais de sua trajetória como imigrante; o pessoal torna-se público aos membros da Associação.

intercontextualidade um contexto é “levado” para outro contexto e dá- se o compartilhamento de características de ambos, muitas vezes com o predomínio de um sobre o outro. Por exemplo, as economias nacionais são cada vez mais intercontextuais porque são influenciadas por economias de outras nações. São cada vez mais intercontextuais porque compartilham características que se originam além das fronteiras nacionais e se estendem a outros contextos. A intercontextualidade neste sentido resulta do processo de ‘globalização’, ao mesmo tempo em que o acentua. ...Com a complexidade do mundo contemporâneo, muitos contextos se sobrepõem e se mesclam, com crescente grau de intercontextualidade (Meurer, 200429).

Também, como se perceberá no Capítulo 2, o contexto refere-se aos vários locais de coleta de dados para a pesquisa.

Em suma, é possível concluir que existe uma relação intrínseca entre o gênero discursivo, o texto, os atores sociais, o contexto e o discurso. Desse modo, é evidente que existe uma relação dialógica entre todos esses elementos, e não podem ser considerados de forma separada. Portanto, existem vários contextos, discursos, gêneros discursivos, textos e atores sociais interligados no mundo da imigração: O estatuto do estrangeiro, novas resoluções, reuniões do Conselho de Imigração, atendimento ao estrangeiro na Polícia Federal, trocas de experiências e informações mediante a página da Associação Nacional de Estrangeiros e Imigrantes do Brasil, entrevistas com representantes do Estado, relatos de imigrantes. Ao considerar essa visão transversal da imigração, é possível entender que as estratégias discursivas nos discursos de imigração refletem e constroem dicotomias fixas e, ao mesmo tempo, fluxos de imigração em que a significação aponta para uma teia de vozes, motivadas pela hegemonia, pelo poder do Estado, ou pelas experiências do dia-a-dia de sobreviver ou de resolver problemas burocráticos (a sua interação com o Estado). Essas vozes são construídas nos discursos dos textos da imigração: as leis, as resoluções do Conselho Nacional de Imigração, nos depoimentos de representantes do Estado, nos relatos de imigrantes, são diversos tipos de textos dentro do Discurso da imigração. Veja a seguinte figura: