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O discurso e a imigração: o Estado da arte

Figura 1.3 Textos na imigração

1.2 O discurso e a imigração: o Estado da arte

Ao realizar um panorama de estudos voltados ao discurso e à imigração, o que se destaca logo é o grande volume de estudos recentes na Europa e na América do Norte. Esses estudos não são vinculados apenas à imigração, mas abordam outras questões tais como o racismo, a identidade nacional, a ‘globalização’, políticas lingüísticas, o bilingüismo, e outros estudos voltados à sociolingüística ou à lingüística aplicada. Nesta seção, pretende-se focar os estudos mais voltados ao discurso, imigração, e a questões mais próximas como o racismo, a identidade nacional e a ‘globalização’. Wodak et al (1999) têm focado a imigração em sua discussão sobre a identidade nacional e, também, em seu estudo sobre anti-semitismo na Áustria. O trabalho desse grupo tem sido de interesse específico no caso desta pesquisa devido às suas contribuições metodológicas e teóricas na análise de discurso crítica. Rojo e Van Dijk (1997) têm estudado a imigração de uma perspectiva discursiva em seu estudo sobre racismo e discriminação no discurso parlamentar sobre imigrantes. Os pesquisadores aplicam categorias semelhantes àquelas adotadas por Wodak et al em sua pesquisa.

Entre outros estudos mais recentes é o trabalho extenso de Santana sobre metáforas de latinos na política pública dos Estados Unidos (1999; 2002). Sciortino e Colombo (2004) em seu estudo do discurso público da imigração analisam como o

tratamento de imigrantes em revistas de notícias, jornais vêm sendo modificado no decorrer de diferentes períodos de tempo. O que se sobressai nesse estudo são as observações dos autores no tocante à distinção entre ‘estrangeiros’ e ‘imigrantes’. Atualmente, os (as) imigrantes são percebidos como criminosos ou trabalhadores ilegais enquanto os estrangeiros detêm mais prestígio, pois são a classe média de expatriados ou investidores. Ironicamente, os (as) imigrantes europeus no Brasil foram valorizados durante o período do desenvolvimento da cafeicultura, porque foram considerados como tendo valores superiores aos nativos e contribuiriam para o ‘branqueamento’ étnico. Hoje em dia, as ondas anteriores de imigração européia e a idéia de ‘europeização’ são bastante valorizadas, pois representam a diversidade cultural ideal. Ao mesmo tempo, os (as) imigrantes recentes: bolivianos, chineses, peruanos, nigerianos, árabes não são vistos da mesma maneira. Os estrangeiros, especificamente aqueles que vêm do Norte com dinheiro e tecnologia são valorizados. Aos estrangeiros é concedida uma identidade legítima (Castells, trad. 2002), pois são economicamente viáveis ao Estado-nação, eles são como se fossem bens a serem adquiridos, enquanto os (as) imigrantes ilegais são menos valorizados, eles não são viáveis tanto economicamente, quanto culturalmente, porque não vêm dos países status quo.

É interessante notar que mundialmente os (as) imigrantes ilegais ou com menos qualificações são sempre menos valorizados, são percebidos como uma subclasse, uma ameaça, ou até uma parasita ao país anfitrião. O Estado brasileiro estabeleceu resoluções mais flexíveis para receber investidores estrangeiros, que geram empregos para brasileiros ou estrangeiros com conhecimento científico especial. Os Estados Unidos anunciou mais medidas para atrair turistas e investidores, outros (as) imigrantes também são vistos como ameaças ou criminosos. Torna-se claro que o patriotismo e a proteção de interesses nacionais são argumentos convenientes para preservar interesses econômicos e políticos. A ‘globalização’ e a integração são lucrativas para aqueles que detêm o poder e o capital; porém, para os ‘subimigrantes’, existem apenas as portas fechadas do nacionalismo, fronteiras demarcadas, não em termos de espaço físico, mas conforme questões econômicas e políticas. Desse modo, o argumento insistente de Habermas (2002) sobre o reconhecimento dos direitos legais e culturais de todos os (as) imigrantes existe apenas no nível retórico.

Triandafyllidou em seu estudo comparado das políticas imigratórias de distintos países europeus mostra também que o(a) imigrante é tratado como o outro – uma ameaça. Ele discute o processo de ‘othering’ do(a) imigrante, visto como ‘o outro significativo’, uma ameaça ao país anfitrião. Esse processo de ‘othering’ não ocorre,

porém, com cidadãos dos países membros da União Européia ou com norte- americanos:

O processo de estabelecer o(a) imigrante como ‘outrificação’ é dirigido a grupos específicos. Um aspecto comum que caracteriza tais grupos externos é a sua posição subordinada na sociedade e a existência de marcadores étnicas, culturais, religiosas e raciais que os distinguem do grupo dominante (2001: 60).

O racismo e a discriminação sutilmente permeiam as políticas imigratórias. Isso também é notado no trabalho de Ibrahim (2005) em que ela delineia as mudanças na política imigratória do Canadá. Ela discute a ‘securitization of migration’ em relação a um novo tipo de discurso racista. O estudo é bastante útil em que destaca questões de poder relacionadas à imigração. Também Ceyhan e Tsoukala (2002) abordam os discursos subjacentes à ‘securitization of migration’ em sociedades ocidentais; consideram que esses discursos são baseados em mitos, ou seja, os (as) imigrantes não são uma ameaça à segurança do país, mas o argumento de segurança legitima a exclusão de imigrantes. O argumento da ‘securitization’ é excludente, o Estado como autoridade presumidamente possui conhecimentos de que os (as) imigrantes são ameaças. Ceyhan e Tsoukala questionam esses discursos pois são percebidos como sendo construídos com base em mitos. ‘Securitization’ torna-se uma nominalização coerciva e legitimadora (Chilton, 2004), no sentido de que gera o medo, a pressuposição de que o(a) imigrante é uma ameaça física ou econômica ao Estado anfitrião. O Estado parece ser vítima dos (as) imigrantes. A noção de ‘securitization’ não remete apenas a questões econômicas e territoriais, mas também, à segurança ontológica do Estado-nação, a constituição de imigrantes de uma forma negativa e excludente, cultiva a segurança ontológica do Estado, a sua soberania não mutável (Giddens, 1991; Bauman, 2005b).

Em outros estudos de discurso e imigração, Van Leeuwen e Wodak (1999) consideram o discurso imigratório de uma perspectiva histórica e, também, levam em conta as várias estratégias argumentativas subjacentes à avaliação de processos de pedidos de reunião familiar, usados por funcionários de imigração. O que sobressai neste estudo é a observação dos pesquisadores de que os sentimentos dos (as) imigrantes não são considerados. Os (as) imigrantes são o ‘outro’ sem rosto – são apenas processos ou criminais. Conforme Angel-Ajani, os (as) imigrantes são ‘raças perigosas’ (2003). Em Calavita (2003), observa-se que na lei imigratória espanhola os (as) imigrantes são marginalizados, são os ‘estranhos’ do Terceiro Mundo, enquanto os ‘extranjeros’ são aqueles que provêm de países do Primeiro Mundo. Imigrantes são

úteis como mão-de-obra barata, porém, são sempre considerados ‘estranhos’, não fazem parte do status quo: o discurso torna-se então discriminatório e contraditório (Solé e Parella, 2003; Calavita, op.cit).

Iñigo-Mora (2004) em sua análise do discurso imigratório da Espanha estuda o uso de ‘nós’ que serve para estabelecer um senso de solidariedade em contraste com outros Estados (2004:37). De modo semelhante, Lynn & Lea em seu estudo do discurso voltado a solicitantes de asilo na Grã Bretanha, destaca uma retórica ‘elitista- apartheid’ em que o outro é rejeitado, pois não faz parte do perfil ‘inglês’ (2003). Esta tendência ocorre também no discurso parlamentar francês da direita, novamente o(a) imigrante é excluído mediante diversas estratégias discursivas tais como a retórica e estratégias de argumentação (topoi) (Van der Valk, 2003). A tendência excludente do discurso repete-se em outros países europeus como é possível notar no estudo de Haguelund sobre o discurso imigratório do Progress Party da Noruega (2003); e na análise de Gotsbachner sobre o discurso xenofóbico nas interações cotidianas de vienenses (2001). Um estudo que apresenta um discurso mais equilibrado é o de Pitkänen e Kouki (2002); em seu estudo de atitudes de autoridades finlandesas em relação a imigrantes e à imigração, as atitudes variam de acordo com o tipo de autoridade e a interação com os (as) imigrantes. Contudo, em geral, os Estados-nação destacam-se nessa tendência excludente:

Os Estados-nação atuais podem não mais governar o esboço do plano, nem exercer o direito de propriedade de utere et abutere (usar e abusar) dos sítios de construção da ordem, mas ainda afirmam sua prerrogativa essencial de soberania básica: o direito de excluir (Bauman, 2005b: 45).

Em outras palavras, com base nos estudos apresentados aqui e à luz dos dados a serem examinados, é aparente que uma maneira em que o Estado-nação mantém a sua hegemonia é mediante a exclusão e o fortalecimento da diferença no tocante ao outro. É nítido que a relação entre o discurso e a imigração é complexa e além de tudo, filtrada pelo poder.