• Nenhum resultado encontrado

Exemplo 5j: Desabafo sobre a nova le

5.2 Relatos de imigrantes

Nesta seção, apresento oito relatos de imigrantes regularizados e/ou não regularizados. Deve-se apontar que o foco aqui são os (as) imigrantes comuns (não são grandes investidores), os profissionais liberais ou os (as) imigrantes com ‘baixa qualificação’, que vêm ao país em busca de uma vida melhor. Resolvi escolher esses relatos, pois como se pode observar das análises anteriores, existe um abismo entre a retórica do discurso público e a realidade dos (as) imigrantes, especificamente no tocante ao universo dos (as) imigrantes não qualificados e, em muitos casos, sem

documentos. De qualquer modo, a distância entre o sistema imigratório e os (as) imigrantes documentados também existe, da Silva comenta:

Neste sentido há uma flagrante contradição entre a ordem do discurso legal e a do vivido por milhares de imigrantes no Brasil, os quais enfrentam inúmeros problemas decorrentes de sua condição jurídica (da Silva, in: Boucault e Malatian, orgs. 2003: 302).

De certa forma, é o sistema que une os (as) imigrantes: “Entretanto, há um elemento comum que nivela todos os (as) imigrantes, sejam eles qualificados ou não: os entraves jurídicos da documentação” (da Silva, in: CNPD, 2001: 491). Conforme foi discutido nos capítulos anteriores, as vozes dos(as) imigrantes são tornadas passivas (Van Leeuwen, op. cit.). Essas vozes são coletivas e generalizadas. Os(as) imigrantes, como atores sociais, são representados(as) como ‘eles’ em relação ao ‘nós’ do Estado.

Foi com o intuito de descobrir as vozes dos(as) imigrantes e o seu mundo que decidi analisar relatos de imigrantes. Com base nos relatos, é possível notar que o Estado aparece no mundo dos(das) imigrantes como o medo ou a ameaça da Polícia Federal ou em relação às dificuldades enfrentadas nos processos burocráticos. Os relatos destacados aqui mostram os mundos dos (as) imigrantes, em que o Estado- nação está longe da sua realidade: ‘eles se viram’, mas continuam às margens da sociedade, apenas fazem parte da ‘mão-de-obra ilegal’, em que as suas vozes são apagadas.

Não conheço o final113 das histórias de nenhum dos participantes. A apresentação

desses relatos não tem o propósito de sensacionalizar a vida dessas pessoas, mas de apontar como são vítimas, tanto de um mundo burocrático que exclui, quanto das forças do mercado que exploram. Afinal, a análise de relatos não deve ser apenas para efeitos estéticos, mas, como discutido no Capítulo 2, para destacar as vozes apagadas do espaço local. Ao analisar o discurso dominante do Estado, não se pode esquecer das vozes marginalizadas dos(as) imigrantes, pois em uma pesquisa dirigida por uma preocupação com as relações de poder, é essencial evitar o paradoxo de focalizar a voz dominante demais sem ressaltar as vozes dos(das) imigrantes, particularmente dos (as) imigrantes sem documentos. Eis a importância não apenas da análise crítica, mas também da etnografia. Ao redigir a etnografia como narrativa, cria-

113 Na última semana do trabalho de campo em São Paulo, escrevo o seguinte comentário sobre os imigrantes na Casa do Migrante: O que será deles? Será que vão deslanchar ou ficar estancados? Que tipo de vida terão? (Nota de campo: 25/1/05; ver também Capítulo 2).

se um espaço de contra-realidade114, abre-se o mundo local e, assim, joga-se luz

sobre a lacuna gritante entre a retórica do Estado e a voz do(da) imigrante, não como uma classificação vaga, mas como pessoa:

Negligenciar a transformação possível de biografias ou de ‘trabalho biográfico’, particularmente, contribui não apenas para imagens distorcidas ou a degradação de imigrantes mulheres [e homens], negando-os/as um lugar, uma voz, uma visão e a sua história na sociedade anfitriã (Inowlocki & Lutz, 2003: 316).

Por exemplo, de Fina comenta que a entrevista é uma oportunidade para imigrantes não-documentados contarem as suas próprias histórias:

Para imigrantes não-documentados, o relato das suas experiências durante a entrevista significa uma oportunidade importante para a auto-representação, pois as oportunidades para ser ouvido por atores sociais que não fazem parte do seu grupo são limitadas (de Fina, 2004: 26).

Neste sentido, é mediante o relato que procuro captar o micro-mundo de alguns bolivianos que trabalham em oficinas de costura em São Paulo115. Muitos

bolivianos vêm ao Brasil para trabalhar nessas oficinas de costura devido à difícil situação econômica da Bolívia. Fazem contato com os agentes (‘atravessadores’/’coyotes’) envolvidos no tráfico de imigrantes para vir trabalhar no Brasil. As oficinas, em sua maioria, são administradas por outros bolivianos, coreanos/chineses e alguns brasileiros. Essas oficinas se concentram em locais como Brás, Bom Retiro, entre outros, na cidade de São Paulo, pois a imigração se estabelece em rede, conforme Portes e Rumbaut:

A imigração é um processo dirigido em rede, e o funcionamento de parentes e amigos não é mais efetivo em lugar nenhum do que na orientação de imigrantes recém-chegados a comunidades étnicas pré-estabelecidas. Esse processo pode continuar de forma indefinida e explica a alta concentração de grupos estrangeiros em determinadas regiões do país e a sua quase ausência de outras (1990: 32).

114 A história ou relato serve como forma de documentar as experiências dos grupos marginalizados, oferece uma contra-realidade à imagem construída por grupos dominantes (Delgado, apud Andrews, in: Bamberg & Andrews, orgs. 2004: 2; ver Capítulo 1) As histórias ou contra-histórias que os membros de ‘grupos externos’ contam a eles mesmos ou a outros, ajudam para documentar e talvez até validar uma ‘contra-realidade’.

115 O contexto construído aqui está baseado em levantamentos de reportagens da Folha de S. Paulo e do

Estado de São Paulo, bem como em entrevistas e conversas informais com alguns bolivianos durante o

trabalho de campo em São Paulo; entrevistas com funcionários da Pastoral de Atendimento ao (a) imigrante e da Casa do Migrante; a visita a uma oficina de costura e ao Bom Retiro, principal local em que são vendidas as roupas feitas nas oficinas de costura.

A vinda de bolivianos e o trabalho em oficinas de costura fazem parte de uma rede de contatos, no crescimento/estabelecimento da comunidade boliviana em São Paulo. Isso não significa, porém, que essa comunidade detenha uma voz forte na sociedade, pois é um grupo marginalizado, em que muitos são não-documentados e, portanto, não são reconhecidos.

A roupa produzida nessas oficinas é vendida a preços baixos. A área é normalmente apertada com pouca ventilação (há bolivianos que chegam ao país com tuberculose ou contraem a doença devido ao péssimo ambiente de trabalho). É esse ambiente que se torna o espaço ou universo desses trabalhadores, que mesmo não sendo costureiros na chegada, aprendem a ser, aprendem a sobreviver, é o espaço de segurança deles, ‘escondidos’ da sociedade externa (Ribeiro, 2000). Sobre isso, Harvey escreve:

A dominação do espaço reflete como os indivíduos ou grupos poderosos dominam a organização e a produção de espaço com os meios legais ou extralegais com o objetivo de exercer um maior nível de controle ...sobre a maneira em que o espaço é apropriado por eles ou outros (1990: 222).

O único espaço social disponível para esse grupo é o que foi construído pela Pastoral do Migrante: as atividades religiosas ou atividades organizadas pela Associação Boliviana, coordenadas por imigrantes documentados e mais antigos em São Paulo. Existe, por exemplo, a Praça de Kantuta, uma espécie de feira boliviana que ocorre todos os domingos e é um local em que os (as) imigrantes mais recentes podem entrosar-se ou fazer contatos para trabalhar nas oficinas de costura. A Praça de Kantuta, então, fortalece a rede.

Os bolivianos que vêm para trabalhar são de origem humilde, geralmente não possuem a escolarização completa. Entram no Brasil pela fronteira entre os dois países e vão diretamente a São Paulo até o lugar de morar/trabalhar. Segundo um entrevistado: “siempre tienen a donde ir, mismo si el local fuese pésimo”116. No geral,

eles moram no local de trabalho, ou seja, na oficina de costura (15 pessoas por casa). Servem como mão-de-obra barata, pois como trabalham na clandestinidade, não recebem os direitos de trabalhadores regulares. Recebem alojamento e comida e uma

116 A descrição de Solé e Parella de imigrantes como mão-de-obra barata na Espanha assemelha-se ao quadro dos bolivianos: Além do leque restrito de atividades a que os (as) imigrantes são relegados, encontra-se uma alta concentração de trabalhadores da mesma nacionalidade no mesmo emprego, devido à existência de redes sociais entre grupos de imigrantes que servem como o mecanismo principal na busca por empregos (2003: 124).

média de R$ 0,50117 por peça produzida, com um expediente extenso (das 8h às 23h

ou mais, quando há muitas encomendas). Além disso, não têm direito a solicitar um visto de trabalho, pois a lei atual ampara apenas a mão-de-obra altamente qualificada, a não ser que tenham filhos nascidos no Brasil (às vezes não sabem desse direito) ou que casem com brasileiro/a para conseguir um visto de permanência. O caso de ter filhos nascidos no Brasil é mais provável tendo em visita que eles vêm em família (o casal).

Apresento aqui oito relatos de imigrantes de grupos distintos. Esses relatos foram elaborados com base em entrevistas com os imigrantes; algumas entrevistas foram gravadas, outras foram registradas com base em anotações118, e outras em forma de uma entrevista escrita, respondida em alguns casos por correio eletrônico (ver Capítulo 2). Segue aqui a relação dos relatos considerados neste capítulo:

Alan, um boliviano sem família (mulher e filhos) que trabalha em uma oficina de costura em São Paulo (não gravada);

Marta, uma boliviana e sua família, que moram na cidade de São Paulo e também trabalha em uma oficina de costura (não gravada);

Carlos, um médico colombiano (por correio eletrônico); Pedro, um estudante peruano (gravada)

Manuel, um técnico peruano (gravada) Marina, uma vendedora chinesa (gravada) Amin, um vendedor libanês (gravada)

Andrew, um técnico americano (por correio eletrônico)

Ao considerar os relatos desses imigrantes, é preciso relembrar que o contexto da imigração não é simples, remete-se a experiências pessoais do(a) imigrante; a condições que são típicas de um determinado grupo étnico de imigrantes; e à influência de questões burocráticas na vida do(da) imigrante. Dada a complexidade do mundo do(a) imigrante, é essencial examinar os relatos à luz de certos questionamentos:

Como se define a agência (a voz) do(a) imigrante? Como se define o contexto do(a) imigrante?

Como se define a relação entre o relato do(a) imigrante e os depoimentos dos representantes e dos policiais do Estado?

117 O salário médio é de R$250,00 a R$300,00; mesmo assim, há casos em que existe uma maior exploração e eles não são pagos, ou são ameaçados de serem denunciados à Polícia Federal.

118 Certos imigrantes tinham medo de serem gravados, então tive de fazer anotações da entrevista.

Quais são os pressupostos nos relatos dos(as) imigrantes?

Primeiramente, o contexto do(a) imigrante refere-se principalmente ao mundo de trabalho do(a) imigrante, porque é no local de trabalho que passa a maior parte de seu tempo (evidente nos relatos de Alan, Marina, Ali). Em geral, é a busca pelo trabalho que leva o(a) imigrante a sair de seu país de origem em busca de uma vida melhor. De fato, de Fina (2003), em seu trabalho sobre imigrantes comenta que a escolha ou a decisão do(a) imigrante deixar o seu local original é uma reação a circunstâncias. Nota- se que essas circunstâncias podem ser contadas de forma resumida. Por exemplo, Amin em seu depoimento, fala da situação política em seu país, mas não detalha a situação, pressupõe-se também que todos sabem da situação em Líbano. Ao mesmo tempo, há outros que detalham essas circunstâncias, como forma de justificar a sua vinda a um país diferente, como é possível ver no Relato 1 de Alan. De qualquer forma, o que está claro nos relatos dos(as) imigrantes é que a opção de imigrar-se não é uma escolha rápida, que traz resultados rápidos, porém, é uma escolha gradativa que envolve uma série de sub-escolhas e processos: “as decisões são frequentemente representadas como processo e não com produto” (de Fina, 2003: 132). As decisões ou as escolhas são, portanto, ação ou reação, sendo em muitos casos uma reação a circunstâncias (evidente também na Seção 5.1). Desse modo, o(a) imigrante age e reage diariamente; é fundamental apontar que todas essas escolhas e os processos resultantes são centrados no ‘eu’, na sobrevivência, na família, na fuga política, na busca de uma vida melhor. Em nenhum momento, existe uma preoucpação com o país acolhedor no sentido de querer contribuir para este país, apreciam a estrutura do país, gostam da cultura, tentam aprender português, casam ou namoram com brasileiros(as) (evidente nos relatos de Carlos, Marina e Pedro), mas ao final, eles(elas) estão preocupados(as) com a sua própria sobrevivência. Nesse sentido, parece que ‘aproveitam da boa hospitalidade desta terra’, conforme dizem os agentes policiais. Será que estão tão envolvidos(as) na luta pela sobrevivência ou com a burocracia como os próprios brasileiros, que não têm como pensar em fazer contribuições maiores ao país? Será que a contribuição significa apenas ter altos valores para investir ou um conhecimento científico único, o será que a contribuição também é o trabalho diário, quer seja pequeno ou grande?

Entretanto, são as dificuldades atuais que se transformam no foco de seus relatos: as experiências do dia-a-dia, os processos de adaptação ou de superar as dificuldades no trabalho ou com a burocracia. É óbvio que apesar dessas dificuldades, os(as) imigrantes são determinados(as) a buscar uma vida melhor; o elo comum entre

os relatos é o desejo de construir o seu espaço. Como nos relatos e nas trocas de informações dos (as) estrangeiros(as) da ANEIB (Ver a Seção 5.1), existe uma contradição entre as dificuldades e a fascinação com ou o interesse no país (evidente nos relatos de Pedro, Carlos, e Marina). Duas relações são estabelecidas, uma com o Estado burocrático, e outra com a sociedade e cultura. Essas duas relações também marcam a oscilação do(da) imigrante entre o ‘isolamento’ e a integração na sociedade dominante. Os(as) imigrantes possuem experiências e dificuldades com o sistema imigratório ou na adaptação ao novo país, que os(as) unem, tanto é que eles(elas) sentem-se à vontade de contar essas experiências e dificuldades a outros(as) imigrantes, porém, essas mesmas experiências ou até a ilegalidade os(as) distanciam da sociedade dominante. Eles(elas) escondem em suas redes da mesma nacionalidade ou da mesma etnia (relato de Alan, de Marta e sua família). Além disso, a relação com essas redes é ambivalente, pois nos relatos de Alan e Marta, é aparente que a exploração da mão-de-obra ocorre na própria rede ou entre redes de imigrantes, por exemplo, entre os chineses e os bolivianos ou entre bolivianos e bolivianos. Ainda os atritos entre bolivianos não se atribuem apenas à questão de exploração de mão-de- obra, mas a diferenças étnicas, existe uma certa discriminação entre os grupos indígenas e os mestiços119. Não obstante, é essencial destacar a importância da rede

nas ações e nos processos dos(das) imigrantes, pois é a rede que propicia o apoio para tomar decisões.

Por fim, os relatos a seguir assinalam que a vida do(da) imigrante está sempre em fluxo, portanto, os(as) imigrantes desses relatos encontram-se em fases distintas. No primeiro relato, Alan vive um momento de mais tranqüilidade porque encontrou trabalho em uma oficina de costura em que os donos são mais simpáticos. No segundo relato, a família de Marta está em uma fase de espera, não se sabe se vai conseguir o visto permanente devido aos problemas de saúde do filho. Na terceira história, Carlos está extremamente aborrecida com o processo burocrático de imigração e com o reconhecimento de diplomas estrangeiros, então, uma parte significativa de seu relato é um desabafo sobre as suas circunstâncias atuais. Nos quarto e oitavo relatos, nota-se que os(as) imigrantes já estão em uma fase mais tranqüila, e já levam bastante tempo no Brasil, as dificuldades do passado são expressas de uma forma mais resumida. O quinto relato demonstra uma fase de transição em que Marina ainda lembra claramente as frustrações do início, mas mesmo assim, está mais tranqüila com o espaço que conquistou para vender na Feira dos Importados. Nos sexto e sétimo relatos não é

possível dizer o que será o futuro dos dois peruanos, pois estão ainda na primeira fase de chegada ao país e ainda estão elaborando os seus planos.

Relato 1: Alan

Quando conheci Alan, ele estava em uma nova fase em que se encontrava mais contente com a situação de trabalho em uma nova oficina de costura. A sua história caracteriza-se por processos de mudanças, buscando sempre vencer as dificuldades. Esses processos servem para jogar luz sobre a situação de imigrantes sem documentos em que sofrem de abusos no trabalho. Alan não sabe ainda se vai permanecer no Brasil, talvez seja um imigrante temporário, a sua decisão de vir ao Brasil, tem como base questões familiares. Alan, como outros(as) imigrantes busca uma vida melhor e busca contar as suas experiências, na época em que o conheci, notei o seu isolamento, particularmente porque não ia muito bem com os outros trabalhadores da oficina de costura devido aos atritos decorrentes questões étnicas. Devido às experiências familiares e à sua situação como imigrante, Alan sofre de Síndrome de Pânico, faz tratamento com a psicóloga da Pastoral do Migrante. O relato de Alan pode ser parecido com os de outros imigrantes, mesmo assim, é um relato marcado pela sua própria subjetividade e sensibilidade como imigrante, sempre agindo ou reagindo às circunstâncias. Dessa maneira, como responder aos questionamentos supracitados em relação ao Alan. O seu contexto é complexo, ele age e reage como imigrante, mas isso traz conseqüências graves à sua saúde, e para o Estado, Alan será apenas mais um imigrante categorizado como ilegal e de baixa escolaridade.

Conheci Alan na Pastoral de Atendimento ao Imigrante, tinha começado a falar das minhas próprias experiências como estrangeira, ele estava na sala, esperando falar com a psicóloga. Após o atendimento com a psicóloga, veio falar comigo, então marcamos uma entrevista na Casa do Migrante. De fato, Alan não apenas deu uma entrevista, mas também terminou servindo como ligação para visitar uma oficina de costura, também descreveu as diferenças entre os bolivianos em termos de etnia e de cultura. Atualmente, mantenho contato com ele pelo correio eletrônico. Alan é boliviano, tem 39 anos, nasceu em La Paz, mas morou em Santa Cruz. A mãe trabalhou em uma fábrica têxtil e o pai tinha um comércio, trabalhava com máquinas de escrever; mas bebia muito. Devido a esse problema, Alan teve uma infância difícil, completou apenas o nível médio. Na Bolívia, trabalhou como motorista no serviço público por um período; porém, não tinha empregos fixos, fazia bicos. É separado da mulher, que trabalha como faxineira. Eles têm duas filhas, 15 e 13 anos. Foi após a separação que ele resolveu vir ao Brasil; há dois anos mora em São Paulo. Tinha conseguido uns telefones de contato na Bolívia mesmo e quando chegou a São Paulo passou o primeiro mês em Bom Retiro, começando a trabalhar em uma oficina de costura administrada por bolivianos. Trabalhava das 7 da manhã às 11 da noite.

Conta que no início foi difícil, pois não sabia costurar e tinha de agüentar o cansaço físico de trabalhar por muitas horas. Ganhava entre 50 a 80 centavos por peça. Ainda, como estava trabalhando de forma clandestina, os donos da oficina o proibiam de sair: não podia sair para passear, pois diziam que podia ser pego pela Polícia Federal. Após os primeiros três meses nessa oficina de costura, conseguiu sair; foi trabalhar em outra oficina em São Miguel; aqui também a situação era difícil. Passou mais três meses, e por meio de outro contato foi trabalhar em Ipiranga em outra oficina; os donos aqui eram brasileiros. Mesmo assim, o trabalho continuou duro; trabalhava das 8 às 10 da noite, recebendo entre R$250,00 a R$350,00 por mês. Porém, depois de três meses não agüentava mais, resolveu sair e foi até à Casa do Migrante para se recuperar, passando um mês na Casa. Conseguiu um contato para trabalhar na Penha, trabalhou por 10 meses, mas o tratavam mal. O dono boliviano brigava, então resolveu sair, foi até outro albergue, mas só passou 10 dias aqui, pois foi roubado. Foi até à casa de um amigo em Belém, um contato que tinha feito pela congregação católica que freqüentava na Penha. Foi mediante esse amigo que conseguiu trabalho em outra oficina, onde está há oito meses. Aqui se sente melhor porque os donos são mais simpáticos.

O plano de Alan é permanecer no Brasil por cinco anos120; ele envia dinheiro às filhas; diz que o que ganha aqui é mais do que ganharia na Bolívia121. Tem vontade de voltar agora, mas logo diz que não convém neste momento. Além disso, não pode regularizar a sua situação visto que não tem filhos nascidos no Brasil; não pode casar com brasileira, pois é apenas separado da mulher; e conforme a lei brasileira, não é um estrangeiro ‘altamente qualificado’. Dessa forma, não há outra opção além de ser obrigado a continuar na precariedade do trabalho clandestino, a não ser que resolva voltar à Bolívia.